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Cronicas-->O Tigre do Futebol - 2ª parte -- 27/09/2001 - 04:02 (Alexandre da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Idas e vindas
Depois do começo difícil no Germània, foi no Ipiranga que Fried se tornou artilheiro. Em 1914 liderou a artilharia do campeonato paulista por toda a temporada. Esse casamento, no entanto, seria tumultuado. No final de 1915, o temperamental e jovem boleiro foi convidado a participar, junto com outros atletas, de um amistoso festivo em Santos. Ele jogou pelo Paysandu, equipe formada apenas para essa partida na cidade praiana e que depois seria dissolvida.
A diretoria do Ipiranga não gostou da atitude de seu craque. Ficou sabendo que os atletas receberam dinheiro para jogar e resolveu suspendê-lo. Foi briga feia e as feridas dessa confusão nunca foram cicatrizadas.
Sem lugar para jogar, o centroavante foi passando o tempo no próprio Paysandu, que acabou não sendo extinto. Durante o ano de 1916, a equipe chegou a disputar o campeonato da Liga Paulista de Futebol, fazendo uma campanha pífia. Por isso, Fried jogou também alguns amistosos pelo Paulistano. Foi um período de poucos gols, até que o Ipiranga surgiu novamente.
A equipe passava por uma séria crise financeira e o futebol começava a ser deixado de lado pelo clube. Torcedores mais fanáticos forçaram a volta do antigo artilheiro para ver se o craque amenizava o sofrimento do alvinegro. De sua parte, Friedenreich retribuiu o carinho de seus fãs com gols, sendo o artilheiro do campeonato paulista de 1917 com 14 gols. Mas o relacionamento não era mais o mesmo. As brigas continuavam. No final desse ano, ele mudou-se de vez para seu clube de infància, o Paulistano. Um longo namoro acabou sacramentado.

Anos de ouro no Paulistano

Logo que chegou, em 1918, conheceu a glória de ser campeão paulista pela primeira vez. A equipe do Jardim América conquistava seu terceiro título consecutivo e Fried foi o responsável pelos gols, tornando-se mais uma vez o artilheiro do certame. Ficou onze anos seguidos no Paulistano, onde acabou sendo coroado rei de um esporte que se desenvolvia vertiginosamente.
A lista de feitos da parceria é assombrosa. Para começar, conquistaram, no ano seguinte, o inédito tetracampeonato, feito até hoje perseguido pelos grandes do futebol paulista. O Glorioso, como era conhecido o Paulistano, também foi campeão da cidade de São Paulo em 1921, 1926, 1927 e 1929. Nacionalmente, o alvirrubro cansou de vencer os cariocas em amistosos da década de 1920. Tais partidas eram consideradas verdadeiros duelos.
E mais: a equipe conquistou o primeiro campeonato brasileiro de que se tem notícias, vencendo o Fluminense do Rio e o Brasil de Porto Alegre. Dos dez gols do time nesses dois jogos, Fried fez quatro. Em 1925, o Paulistano fez a primeira excursão de uma equipe brasileira à Europa. Voltou com nove vitórias e apenas uma derrota.
Se dentro de campo andava tudo bem, fora seus dirigentes conseguiram atormentar a conturbada organização do esporte. Foram tantas as desavenças com outros clubes que o Paulistano resolveu, em 1929, desistir de vez do futebol. O motivo culminante foi a chegada iminente do profissionalismo, fato que o presidente e mandachuva António Prado Júnior não admitia no esporte.
Alheio aos mandos e desmandos de seus diretores, Fried sempre guardou com carinho o fascínio que despertava na equipe. A importància dada a ele era tão grande que toda vez que o craque adentrava-se na sede do clube, os porteiros tiravam seus chapéus e se curvavam como súditos diante de um rei sem coroa.

Brigando com a CBD, parte I
No ano em que Friedenreich aportou no Paulistano, também teve início uma briga ferrenha contra os cariocas que dominavam o futebol na então capital federal. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) organizava o primeiro campeonato sul-americano de futebol em solo tupiniquim. Três jogadores paulistas, Neco, Amílcar e Fried, foram convocados para integrar a seleção que já se preparava no Rio de Janeiro. Aos atletas vindos da terra da garoa foi dado dinheiro para cobrir suas despesas.
A gripe espanhola, porém, mudou os planos da CBD. Foi tão grande a epidemia no país que a entidade viu-se obrigada a transferir o torneio para o ano seguinte. Com isso, os bagunceiros de plantão resolveram pedir de volta o dinheiro já gasto pelos atletas paulistas. Estes - alguns dizem e eu também acredito -, capitaneados por Friedenreich, bateram o pé e não devolveram um tostão sequer.
A CBD resolveu então puni-los. Torcedora de carteirinha das confusões nos bastidores futebolísticos, a Associação Paulista de Esportes Amadores (Apea) tomou as dores dos craques de São Paulo, que mesmo assim foram suspensos por alguns meses. Pode-se dizer que a rixa entre paulistas e cariocas no futebol ganhou consistência nesse episódio. O clímax dessa rixa seria visto alguns anos depois, na primeira Copa do Mundo.

El Tigre
Em 26 anos de carreira, a grande alegria de Fried foi aquele campeonato sul-americano, realizado no Rio de Janeiro, em 1919. Perdoado pela CBD, ele era a principal esperança da seleção brasileira para a conquista do título inédito. A equipe passou invicta pela fase de classificação e teria pela frente, na final, o sempre temido Uruguai, no dia 29 de maio.
Mais uma vez, uma superstição do comandante do ataque brasileiro foi usada. Por baixo da camisa branca da seleção, ele tinha uma do Flamengo. Nunca me disse o porquê daquela crença, mas disfarçava dizendo que gostava da combinação do vermelho com o preto. Vai entender!
A partida começa e o estádio das Laranjeiras está abarrotado. Dia de tempo instável, não parece que vai chover e nem aparecer um solzinho. No campo, a peleja está animada. Os dois times têm grandes oportunidades durante os noventa minutos, porém o marcador não sai do 0 x 0. Fried, marcado por dois uruguaios, às vezes até por três, estava meio escondido na partida. Duas prorrogações, e o jogo insiste em não mostrar um vencedor. O extrema-esquerda do Brasil, Neco, faz então uma jogada cinematográfica pela linha de fundo uruguaia. Num bate-rebate interminável na área, a bola vai parar caprichosamente no santo pé esquerdo de Fried. Sem muito trabalho, o centroavante arrematou para o gol, terminando com os 150 minutos de sofrimento. É o gol do título.
Mesmo no alvoroço da vitória, Arthur é humilde e divide os louros do título com Neco. Diz ele, emocionado: "O gol foi do Neco, que fez uma jogada belíssima. Eu apenas tive o trabalho de chutá-la. Nada mais".
Ainda no estádio, antes da grande festa nas ruas promovida pelos cariocas, um fato curioso e inesperado coroa a campanha brasileira e, principalmente, o seu artilheiro. Das mãos do capitão uruguaio, o comandante do ataque brasileiro recebe um pergaminho com o título que lhe acompanharia até o final de seus dias. "Nós, os componentes da seleção uruguaia, concedemos ao senhor Arthur Friedenreich, o título de El Tigre por ser o mais perfeito centroavante do campeonato sul-americano." O Tigre, cansado, chora com a homenagem.
Nas ruas do país, a empolgação é generalizada. Com o feito inédito, o futebol cai no gosto popular. Os campeões são carregados em triunfo e mais uma vez o inesperado acontece. O jornal A Noite, um dos mais famosos da época, nunca havia colocado fotografia alguma em sua primeira página, fosse ela de presidente, rei ou ministro. No entanto, naquele dia, estampou em uma edição especial, sem nenhum constrangimento e em tamanho natural, o pé esquerdo de Fried. O singelo título dizia: "Eis o pé da vitória". O jornal vendeu como água. O Brasil aparecia no futebol pela primeira vez. E Friedenreich... bom , ele era o Tigre.

A bandeira queimada
Os confrontos entre Brasil e Argentina sempre foram regados a muita rivalidade, violência e até um pouco de futebol. Em 1921, o Paulistano foi convidado para uma rápida excursão aos nossos vizinhos platinos. Mais técnicos, os brasileiros suportaram bem a pressão adversária, arrancando um suado 1 x 0. Inesquecível, porém, foi o que aconteceu perto do fim da partida. A torcida local, enfurecida, afinal sua seleção perdia para um clube, ateia fogo em uma bandeira do Brasil.
Do campo, Friedenreich vê a chocante cena e fica louco da vida. Abandona o jogo e sai correndo, alucinado, em direção à bandeira que se esvaia em chamas. Com sua camisa, apaga o incêndio e consegue salvar um pequeno pedaço do manto que, para Fried, seria uma relíquia guardada até sua morte. O estádio inteiro ficou impressionado com a atitude do Tigre brasileiro. Foram longos 60 segundos de um silêncio ensurdecedor.

Brigando com a CBD, parte II. E a crónica carioca toma partido
Mais um campeonato sul-americano no Brasil, agora em 1922, e mais confusão entre Fried e CBD. Dessa vez, até meus colegas cariocas entraram na briga contra o craque. Estreamos contra os chilenos. O artilheiro levou muita botinada e saiu machucado de campo. Por isso, foi vetado pelo médico da delegação para o segundo jogo, contra o Paraguai. Não se conformando com a decisão, o inquieto centroavante foi procurar uma segunda opinião com um médico particular. A atitude, e isso era de se esperar, desagradou o comando da entidade.
Para piorar, o velho provérbio "Em boca fechada não entra mosquito" foi deixado de lado por Friedenreich. Ele desceu a lenha, para um jornal paulista, no comando da seleção brasileira e, por tabela, na CBD. Foi um escàndalo. O jornalista de São Paulo exagerou na empolgação e uma nova guerra caseira tornou-se inevitável.
Imediatamente, Fried foi afastado do grupo e não participou do restante da campanha do bicampeonato. Indignados com o atleta e solidários com o poder supremo da CBD, os diários cariocas começaram a apelar. Chamaram Fried de velho (tinha 30 anos) e decadente, acrescentando que ele estava superado e não poderia fazer parte de qualquer seleção brasileira.
De volta à capital paulista, o Tigre concordou que falara demais. Até se arrependeu de ter procurado outro médico, mas guardou certa mágoa do episódio. Ao encerrar sua carreira, treze anos depois, deu um tapa com luva de pelica em seus críticos. Perguntado sobre por que escolhera o Flamengo, Fried respondeu com uma certa ironia: "Simplesmente para homenagear o povo carioca". Outro provérbio cai direitinho nessa história: "Quem ri por último, ri melhor".

O gol mais bonito
Seu gol mais famoso foi o da final do campeonato sul-americano de 1919, embora ele mesmo tenha admitido que apenas tocou a pelota para as redes. Todo o mérito da jogada foi do corintiano Neco. E quando o assunto é o gol mais bonito de sua carreira, espera-se o relato de algum feito em campos europeus ou em alguma final de campeonato. Ledo engano. O escolhido, entre os incontáveis tentos marcados por Fried, é o de um jogo inexpressivo contra o Germània em 1926.
A partida já estava definida para o Paulistano, quando Fried se vê cercado por três adversários na linha de fundo do Germània. O atacante nem pensa duas vezes e arremata um tiro enviesado contra a meta do goleiro José. o goleiro se posiciona para receber a bola que muda de direção repentinamente para o canto oposto. Para os físicos mais estudados, aquela trajetória da bola era inadmissível. Foram segundos dramáticos.
Fried já sabia o que iria acontecer. Numa arrogància digna de rei, o craque virou-se para o meio de campo enquanto sua companheira (a bola) enlouquecia o guarda-metas adversário, que não teve como evitar mais um gol do Paulistano. Tão impressionante quanto a jogada, porém, foi a atitude dos atletas do Germània, incluindo o goleiro José. Todos foram abraçar o artilheiro.

Embarcando para a Europa
No Brasil, o Paulistano de Friedenreich era o maioral. Nossos hermanos vizinhos se arrepiavam só em ver o manto branco e vermelho do eterno Glorioso. António Prado Júnior, o presidente e paizão da turma, acreditava que esse era o momento ideal para um clube brasileiro cruzar pela primeira vez o oceano Atlàntico e excursionar pelo velho continente.
A equipe em 1925 era jovem. O mais experiente, e carinhosamente chamado de vovó, era Fried, com seus 33 anos. Havia também um atleta de Santos, o craque Araken Patusca, que fora convidado alguns dias antes do embarque.
Em 10 de fevereiro, o Paulistano saiu do porto de Santos no vapor Zeelàndia. Seriam vinte dias no mar até aportar em solo europeu. Confesso que minha primeira viagem de navio não foi nada agradável. Passei maus bocados; aliás muitos jogadores também se deram mal com o balanço do mar.
No seu canto, algumas vezes calado e distante, Fried observava o horizonte. Seriam três longos meses longe de casa, da esposa. Ele me dizia que apertava o peito de saudade, mas que, como o mais velho, precisava se mostrar forte e confiante. Escondendo o que sentia, era a atração nas rodadas noturnas de póquer do navio. Não houve quem o desafiasse que não perdesse até as calças.
Assim o tempo passava. Mário de Macedo, um dirigente da delegação, para animar as noites de enjóo e monotonia dos passageiros, resolveu criar uma banda de jazz com seus atletas. Fried, como bom seresteiro que era, ficou com o violão. Miguel foi para o violino. O já enturmado Araken cantava e ficava no chocalho. O garoto Netinho usou um revolucionário instrumento: o fosforofone. É incrível, mas sobrou até para a simplória caixinha de fósforos.
O quarteto foi batizado com o singelo nome de Bagunça. Não se podia esperar muita coisa. Até foi engraçado, mas confesso que agradeci a Deus pelo fato de o grupo ter sido extinto depois dessa viagem.
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