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Cronicas-->O Tigre do Futebol - 1ª parte -- 27/09/2001 - 03:59 (Alexandre da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
APRESENTAÇÃO
Arthur Friedenreich é uma lenda. Uma lenda que meu pai alimentou durante anos em minha cabeça, tantas maravilhas ele contava a seu respeito. Na verdade, cresci ouvindo o velho falar de Fried e de Leónidas da Silva.
Tanto que foi difícil vê-lo convencido de que Pelé era ainda melhor. Depois foi minha vez de fazer o mesmo com os meus filhos, tendo o Rei como objeto e, pelo menos até agora, nenhum deles quis me provar que existe alguém melhor do que ele.
Mas é preciso dizer também que Pelé tem uma enorme vantagem sobre seus antecessores. Está tudo documentado no papel, nas fotos, nos filmes, nos vídeos. E, ainda por cima, Pelé tem um pouco de sua história contada como lenda, na base do boca a boca, o que só faz aumentar suas façanhas.
Mas este prefácio é sobre Friedenreich.
E é de tirar o chapéu o trabalho que tenho o prazer de apresentar, fruto da curiosidade de um jovem e de seu esforço para recuperar a memória de um gigante do futebol mundial.
Com textos rápidos, concisos; aqui não está exatamente uma biografia, mas uma bem concatenada sucessão de histórias sobre um herói do passado. Fried, diz a Fifa, fez até mais gols que Pelé. Não fez nem poderia. Alexandre da Costa trata de mostrar quantos ele fez - uma enormidade.
Seja como for, feliz mesmo é o velho Geraldo Lunardelli, que viu Fried, viu Leónidas, viu Pelé e encontrou quem tivesse graça e talento para reproduzir tudo o que ele póde contar.
Como eu, meu pai adoraria ter este livro.
El Tigre merece!
Juca Kfouri

Nasce o futebol brasileiro

Quando eu nasci, ele tinha 8 anos. Meu nome, Geraldo Lunardelli. O dele, Arthur Friedenreich. Morávamos no bairro da Luz, cidade de São Paulo. Meu parto foi difícil e graças à mãe de Arthur sobrevivi ao tumultuado nascimento no início deste século. Desde então, convivi com aquele mirrado moleque mulato (a mãe era negra) de olhos verdes (herança do pai alemão).
Hoje, acabo de completar 98 anos. Meu amigo partiu há três décadas, mas deixou um legado formidável. Enquanto sonhava, Fried aplaudia as jogadas de Charles Miller e Rubens Salles, ídolos do novo esporte vindo da Inglaterra que engatinhava no Brasil, o foot-ball. Ele queria seguir o mesmo caminho dos mestres.
Dei meus primeiros chutes em uma bola de meia confeccionada por Arthur. Logo percebi que eu não tinha o menor talento para as pelejas futebolísticas, mas posso dizer que vi o nascimento de um gênio. Pendurei as chuteiras e fui para as palavras. Tornei-me jornalista e pude acompanhar suas peripécias em campo ou fora dele.
Foram muitas histórias e, agora que a memória começa a dar sinais de fraqueza, sinto que chegou o momento de colocar no papel o que foi esse fenómeno. Por que não fiz isso antes? Sinceramente, não sei. Talvez, achasse que tudo não passara de um sonho, mas tudo aconteceu à minha frente. Ao apertar as teclas de minha máquina de escrever, vêm de muito longe imagens de uma época inesquecível...

Bola de meia

A rua era a da Consolação. Ao lado do cemitério, Friedenreich e eu disputávamos um animado clássico do futebol da época. Eu era o São Paulo Athletic e ele, o Paulistano. A bola importada, feita da melhor meia de seda de mãe que podia existir, insistia em passar no meio de minhas pernas. Algumas vezes seu exibicionismo me irritava, mas o que fazer? Ele era
o mais velho. E foi durante essa partida, em que por acaso eu perdia de
12 x 1, que levamos um grande susto.
Vindo não sei de onde, um carro fúnebre quase o atropelou. Foi por muito pouco, mas pode-se dizer que nesse momento nascia a finta de corpo que ele tanto usou nos campos. E foi graças a ela que a história de Arthur Friedenreich não terminou no primeiro capítulo.

O mulato

A cor da pele definia as classes sociais no Brasil República do início do século XX. Não ser branco era uma barreira quase intransponível para se conseguir algum bem ou sucesso na vida.
Oscar Friedenreich era um próspero comerciante na cidade de Blumenau, grande colónia alemã em Santa Catarina, e via com bons olhos a abolição da escravatura. Mas, com a Lei Áurea, uma séria crise abalou as finanças dos fazendeiros da região e acabou por afetar, também, o comércio. "São os novos tempos", repetia sempre seu Oscar.
Para não perder o pouco que conseguiu poupar, o jovem resolveu se mudar para a cidade de São Paulo. Antes, porém, conheceu Matilde. Ela nascera escrava e possuía uma beleza incomum. Contra todo o preconceito da época, embarcaram para o sudeste do país, casados. "São os novos tempos..." E, não demorou muito, nasceu desse casamento Arthur, a 18 de julho de 1892.
Seu Oscar restabeleceu seu comércio em terras paulistanas e o germànico sobrenome abriu as portas da fina sociedade da cidade de São Paulo para seu filho. Fried, a contragosto, foi estudar no colégio Mackenzie. O uniforme impecável não resistia aos encantos de uma bola de futebol, levando à loucura a mãe lavadeira. Fried contava as horas de estudo e, mal chegava em casa, os cadernos eram deixados de lado e os sapatos engraxados jogados longe. Era a hora da lição que mais gostava.
A rotina seguia assim, todas as tardes. Habilidoso com a bola nos pés descalços, aos 10 anos, numa dessas escapadas dos cadernos, chamou a atenção de um atleta do São Paulo do Bexiga, time de futebol da famosa várzea paulistana. Os diretores do clube, que proibiam a entrada de qualquer jogador que não fosse branco, fingiam uma certa cegueira com a não tão clara cor de sua pele toda vez que Fried fazia uma jogada. Para eles, seria um pecado privar o São Paulo de um talento como aquele só porque era mulato.

Um tal de Mason

Quando descobriu que uma equipe estrangeira viria jogar em São Paulo naquele mês de julho de 1906, Fried não se fez de rogado. Começou a agradar a seus pais de todas as maneiras possíveis. Precisava de dinheiro para comprar o ingresso do espetáculo, mas suas notas no colégio não eram das melhores. Ele teria que suar para poder assistir à partida ao vivo.
O grande dia chegou: 31 de julho, uma terça-feira. Comércio e empresas de São Paulo remanejaram seus expedientes para que os funcionários pudessem acompanhar o jogo de um combinado paulista contra uma equipe da África do Sul formada por jogadores ingleses. Com pouco mais de 10 anos de vida do esporte no Brasil, esse era o principal evento futebolístico realizado no país. Com um dia de antecedência mais de mil ingressos haviam sido vendidos. O prazo estava acabando e o coitado do Fried não conseguiu convencer seu Oscar da importància de ver aquele espetáculo. Suas notas baixas falaram mais alto. Nada de dinheiro, nada de ingresso.
O jogo seria realizado no Velódromo, o principal estádio paulista da época, e nossa seleção contaria com os talentos do fantástico goleiro Tutu Miranda, do half Argemiro e de um bom trio de atacantes, Charles Miller, Cerqueira e Andrade. Dos adversários não se sabia muita coisa, mas falava-se bastante de um tal de Mason, center-forward (como chamava-se o centroavante) habilidoso e artilheiro implacável. Restou a Friedenreich, levando-me a tiracolo, ir para a frente da Loja Clark, que faria um moderno trabalho de acompanhamento da peleja. Cada lance no estádio seria reproduzido aos berros na vitrine do estabelecimento na praça António Prado.
Fried me colocou nos ombros para que eu não fosse pisoteado e começamos a acompanhar a partida. Depois de cinco minutos, chegaram as primeiras notícias. Paulistas estavam dominando, sul-africanos não passaram do meio do campo. Pensei que realmente éramos superiores. Ele comentou que desse jeito logo marcaríamos um goal. Mais quinze minutos, a previsão quase se concretizou. Saiu um gol sim, mas foi da África do Sul. O silêncio na praça foi grande.
Meu amigo, enquanto me segurava, arrumou um jeito de roer as unhas. Não demorou e mais três gols estrangeiros foram anunciados. A platéia na frente da loja se dispersou. No intervalo do jogo, ficamos sabendo que o presidente Afonso Pena comentou a importància das atividades físicas. Enquanto isso, Fried reclamava do goleiro chamando-o de frangueiro.
Veio a segunda etapa e o sofrimento paulista aumentou em mais dois gols. Agora era a nossa equipe que não conseguia passar do meio do campo e só não levamos de dez porque os adversários se cansaram. Eles vinham de uma longa viagem à Argentina. A última informação que chegou à vitrine da loja, com um anunciador tão rouco que mal se ouviam suas palavras, dizia que a partida terminara. O inglês Mason provou que era tudo o que se falava. Fez dois gols e deu passes para outros três.
Mal-humorado, Fried não abriu a boca no caminho para casa. Eu tinha só 6 anos, mas sabia que era bom não perguntar o porquê.


Colégio Mackenzie
Como sofreu dona Matilde com as notas baixas de Fried na Escola Americana do Mackenzie! Aos 16 anos, ele sabia que faria do futebol a sua vida, mas era preciso terminar dignamente os estudos na turma secundária do colégio para ingressar em uma faculdade. Era o que sonhava seu pai, que, taxativo, dizia que o esporte inglês não daria futuro para ninguém.
Naquele ano, como em todos os anteriores, suas notas eram boas no começo. Em fevereiro teve média sete. Depois, porém, seu boletim parecia uma montanha-russa. Notas subiam, notas desciam, até que Fried caiu num buraco sem fim. Dos 25 alunos de sua turma, ele foi o vigésimo terceiro, com a média horrível de 4,8.
Seus pais não sabiam mais como lidar com o moleque. Lembro-me que seu Oscar chegou a furar uma bola do garoto para que ele estudasse. Mau aluno, porém simpático e educado, era um mistério para seus professores, que até gostavam de sua figura. Foi duro, mas ele concluiu a escola.
Retribuindo a paciência que tiveram com ele, Friedenreich, com 20 anos, defendeu o manto vermelho e branco do Mackenzie por uma temporada, o campeonato paulista de 1912. Logo no segundo jogo, fez quatro dos oito gols da goleada sobre o Ipiranga, seu ex-clube. No final do certame, tinha catorze, recorde da época. O seu Carvalho, uma espécie de servente do colégio e profeta dos becos da cidade, dizia todo prosa: "Esse garoto foi ruim de escola, mas no campo não terá nota baixa". Hoje ninguém duvida que o profeta estava certo.

Os primeiros clubes
Era claro que o sangue alemão influenciaria no começo de sua carreira no futebol. No finalzinho da primeira década do século, desembarcou com a ajuda do pai, que se convencera do talento do filho, no Germània, clube da colónia alemã em São Paulo. Lá encontrou, porém, o primeiro entrave no mundo da bola.
Fried tratava a bola com intimidade e, mesmo muito jovem, conhecia todos os atalhos para o gol. Mas era esguio, magro, um verdadeiro alfinete, e os alemães do Germània queriam um jogador viril, duro; um center-forward trombador e não um bailarino. Por isso, Fried acabou jogando mais recuado, caindo para a esquerda do ataque, longe de sua posição de origem. Lá, todo esforço pareceu inútil, os gols não saíam e o time não ajudava. Depois de alguns jogos, o jogador pegou suas chuteiras e foi bater em outras portas.
Ao chegar no Ipiranga não tinha mais que 18 anos. Era um pirralho metido à besta em um clube que começava a despontar no cenário paulistano. Lembro-me que fazia muito sol no dia de seu primeiro treino. Sentei-me próximo ao campo e vi Fried pulando feito gazela pedindo para jogar. O engraçado é que os mais velhos da equipe, bem alimentados, fortes, estavam ressabiados com a petulància do moleque. Mas ele tanto insistiu que foi chamado para completar a equipe reserva, segundo quadro na época.
Demorou a receber um passe. Realmente, ninguém levava fé no garoto. De tanto reclamar, tocou na bola pela primeira vez. Depois disso, nunca mais o futebol brasileiro foi o mesmo. Friedenreich recebeu a pelota, driblou cinco marmanjões, passou pelo goleiro e deixou a companheira bola dormir mansamente no fundo das redes. Não houve pessoa que não se impressionasse com tal feito. "Êta cabra destemido!", foi o que mais se ouviu depois daquele lance. Algumas partidas pelo segundo quadro e logo foi promovido a titular do comando do ataque. Posição que manteve em seus mais de vinte anos de carreira.

Um dia para esquecer

Todo gênio tem o seu dia de cabeça-de-bagre. Com Friedenreich não foi diferente. O mais importante momento de sua promissora carreira chegara. Ele vestiria pela primeira vez a camisa listrada da seleção paulista em um amistoso contra o Rio de Janeiro no dia 28 de junho de 1914. Contentou-se em ser meia-esquerda, afinal ao seu lado estaria um de seus ídolos de infància, o mago Rubens Salles. Fried jogaria recuado, já que os principais atacantes eram MacLean e Hopkins. Que timaço. O menino, no entanto, intimidou-se. Sumiu em campo e não fez absolutamente nada.
Para piorar, São Paulo não saiu do empate contra um arremedo de time feito pelos cariocas. Coitado do Fried. Nunca falaram tão mal dele. Os mais suaves comentários diziam que não voltaria a vestir a camisa bandeirante. Um cronista de O Estado de S. Paulo foi mais ríspido, chamando-o de "jogador medíocre e que não está à altura de representar nossa terra".
Num canto do vestiário, o moleque se trocava quieto, triste mesmo. Salles, já acostumado com as duas faces do futebol, chegou perto de Fried e falou uma vez só: "Levanta a cabeça, garoto, porque os cariocas irão chorar muito por tua causa".
Quando entrou em campo no dia 7 de novembro de 1915, o jovem artilheiro se lembrou do conselho. O novo duelo contra os cariocas era a sua revanche contra os que o criticaram. Foi um espetáculo. São Paulo varou a meta adversária por oito vezes e o garoto comandou o ataque (fez dois gols) com a maestria de um rei. No dia seguinte, o cronista que o chamara de medíocre mordeu a língua e não titubeou: "Vimos ontem o verdadeiro Friedenreich, e como ele jogou!"

O primeiro jogo
da seleção brasileira
Finalmente o Brasil estrearia sua seleção. Depois de alguns jogos preparatórios, era a hora de juntar o que de melhor havia para enfrentar os gringos. Do goleiro Marcos Carneiro ao extrema-esquerda Formiga, era um craque em cada posição. Em julho de 1914, excursionava pelo país a equipe profissional inglesa do Exeter City. Não havia, portanto, melhor adversário para medir forças.
Tudo combinado, no dia 21 entraram no gramado do estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, os dois times. Nossa seleção jogava toda de branco. Caso vencessem, o prêmio em dinheiro para os ingleses seria maior. Foi por isso que se viu muita violência e pouco futebol. O Exeter queria ganhar a qualquer custo.
Em toda a sua carreira, Fried nunca encontrou uma marcação tão brusca como a dos súditos da rainha. Havia sempre dois zagueiros ao seu lado. Num dos muitos choques com os tanques ingleses, o brasileiro acabou retirado de campo todo ensanguentado. Dois de seus dentes nunca mais foram achados e lhe recomendaram que saísse da partida.
Hipótese negada, ele recebeu alguns curativos, estancou o sangue da boca e voltou à partida como se nada tivesse acontecido. Além dos dentes, tinha ferimentos no joelho esquerdo e na panturrilha direita. Era uma verdadeira batalha campal. O centroavante, no entanto, não se intimidava. Dava trabalho para o goleiro adversário e fazia seus algozes correrem feito loucos.
A equipe tupiniquim foi surpreendente. Quase não se utilizou de práticas, digamos, pouco gentis. Jogou o fino da bola e no final o resultado marcava 2 x 0 para o Brasil. "Eles perderam porque jogamos admiravelmente bem", gritava Fried exausto e com a camisa branca manchada de vermelho. Ele era o retrato fiel do que tinha sido a primeira partida de nossa seleção.
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