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Discursos-->Discurso de posse - Des. Mendes - 6 de julho de 2006 -- 11/07/2006 - 15:08 (Michel Pinheiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos





SAUDAÇÃO PELA ORDEM DE PRECEDÊNCIA DO
CERIMONIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
CEARÁ



Permita-me – a complacência dos membros desta Corte e
do augusto público, que honram e dignificam o momento ora por mim
vivido – relembrar o dia 4 de julho de 1959.
Naquele dia, eu, menino com 12 anos de idade, e meu
querido e saudoso irmão, Fernando, com 9 anos, fomos despertados pelos
acordes da banda de música da 10ª Região Militar, que executava a
música “Queda de Estrelas”, de autoria de John Philip de Sousa,
enchendo de sons a noite das ruas Senador Pompeu, Antônio Pompeu e
Clarindo de Queiróz, na confluência da antiga Praça da Bandeira, e
impregnando todos com a euforia das notas do dobrado militar.
Não ficamos infensos a tal chamado: era muito forte e mexia
com nossos sentimentos infantis; de pronto, solicitamos a nossa mãe, D.
Cacilda, a autorização para empreendermos a travessia da Antônio
Pompeu até a edificação das caixas d’água, foco de toda aquela
movimentação. Fomos entregues aos cuidados e vigilância de minha tia
Carlinda, monumental pessoa humana, artista de extrema sensibilidade,
pianista e pintora, a quem devo o gosto pelas coisas mais refinadas do
espírito, e devoto-lhe por tudo uma gratidão eterna. Pelas mãos seguras,
fomos conduzidos até bem próximo da calçada, onde, com aprumo,
alinhava-se a banda militar, e ali soubemos pelos circunstantes que se
tratava da inauguração do prédio novo da Faculdade de Direito do Ceará.
A multidão, que se formava, aguardava com ansiedade a
chegada do Presidente da República, que, logo, logo, fez-se presente,
descendo de um reluzente carro de cor preta e saudando a todos, com
gestos largos e sorriso alvar; seu nome: Juscelino Kubtischek de Oliveira.
A iluminação feérica da festa, os acordes da marcha militar,
o carisma do Presidente da República, a beleza do prédio que se
inaugurava, as mãos aquecidas pelo calor humano de Carlinda, fizeramme
ter uma visão premonitória de que meu futuro estaria ligado àquela
casa de ensino jurídico, onde estudaria e seria um de seus professores.
Hoje, cumprida toda a premonição, relembro a magia, o
sobrenatural daquela noite, embalado pela poética de Filgueiras Lima, no
poema “Legenda”:

Era menino,
um dia olhei o céu,
Longe as estrelas.
Tive uma vontade imensa de colhê-las,
Estava desvendado o meu destino.
Das reminiscências do curso jurídico, a saudade imensa dos
grandes mestres, que me ensinaram, antes de tudo, a pensar o Direito,
bem antes de compreendê-lo através de formas e fórmulas da alquimia
jurídica. Ressoa, ainda, em meus ouvidos, a eloqüente voz de Amorim
Sobreira, discorrendo sobre o Direito Romano, o jus e o fas, a similitude
dos institutos romanistas com o civilismo de Beviláqua. E os
fundamentos do Direito Civil, em sua parte geral, explanados pela
grandiosa inteligência de Wagner Barreira. Sabedoria e bondade se
irmanavam. A visão prática e útil do Direito Comercial, vinda de Fran
Martins, os arquétipos da legislação trabalhista, surgindo ao compasso da
voz pausada de Aderbal Freire, e, para não me alongar mais nesse grande
elenco de magníficos mestres, os vívidos raciocínios, as técnicas
inigualáveis, transmitidos em deliciosos momentos pelas vozes diminutas
em suas emissões, e grandiosas em suas propagações mentais, dos
extraordinários Raimundo Cavalcante Filho e Roberto Martins Rodrigues,
um, civilista de nomeada, o outro, administrativista de vanguarda. Como
era verde o meu vale - lembrando o imortal filme de John Ford.
O estudante pobre, amparado pelo auxílio da biblioteca da
Faculdade de Direito, avançava em seus estudos, de início com
performance quase medíocre, só se revelando nos 2 últimos anos; era o
bom tempo do curso jurídico se reger pela anualidade de suas disciplinas.
Formado em 1970, integrando a maior turma de concludentes da história
mais que centenária de nossa Salamanca, de canudo na mão e cabeça
cheia de sonhos, busquei, através de concurso público, o ingresso na
magistratura estadual.
Corria o ano de 1974; o Código de Processo Civil tinha
apenas 1 semestre de vida; com a aprovação em disputado e limpo
certame, vi-me Juiz Substituto, percorrendo sertões, realizando ideais e
amadurecendo, graças a rica convivência propiciada pelas comunidades
interioranas. Fiz-me, ao mesmo tempo, homem pleno e juiz.
Inesquecível o momento em que, na longínqua Comarca de
Jardim, ao saber que o Juiz estaria aniversariando no dia seguinte, uma
mulher, com idade e físico curvados pelo tempo, caminhou 7 quilômetros, para no alvorecer daquele dia de fevereiro, batendo na porta
de minha casa, entregar-me seu presente: uma garrafa de leite, obtida do
único animal que possuía e que a alimentava com sua seiva. Senhores,
jamais bebi néctar mais valioso.
De outra feita, em Comarca do Sertão Central, após período
de inclemente estiagem, a água escasseava quase totalmente, o povo
sofria e os animais morriam. De repente, a natureza se fez pródiga: o céu
nublou e pingos d’água começaram a cair. Milagre de Deus. Ao cair da
noite, veio o convite do Oficial de Justiça para que eu assistisse à chegada
da água no leito do rio que cortava a cidade. Ali, em procissão à luz de
velas, com a participação de homens, mulheres, meninos e animais, ouvi
o ronco da água que irrompia, que chegava, inicialmente trazendo restos
de vegetação, animais mortos que se encontravam encravados nas
margens ribeirinhas secas, para depois jorrar abundante e quase límpida.
A euforia de todos, contagiava em um crescendo. Pessoas se abraçavam,
riam e choravam; era a bondade divina que redimia um povo sofrido pela
fome e pela sede. E ali, novamente, chorei como homem e como juiz.
Lavrar uma crônica de saudades e reminiscências,
exclusivamente, não seria de feitio e moldagem, ao registro de momento
tão solene e formal.
A praxe dos discursos de posse inclui a exigência do
delineamento de perfis diversos, com matizes e variações que se iniciam
nas construções ideológicas e se espraiam no ofertar de prumos e nortes
do ideal do ser em essência e do valor do justo, além da questão
judiciária.
Como único e possível destinatário da norma jurídica, o
homem, esse ser ontológico, atrai o que há de integral, de essencial de
suas virtualidades, na constante e sôfrega luta pelo auto conhecimento.
Na filosófica definição de Régis Bonvicino:
“O homem é (direito das futuras gerações).
O homem de dentro
(larva ainda ninfa)
Sob a forma de crisálida do tempo.
....................................................................
O homem é o centro
O homem é
Não o homem de fora
Mas o homem de dentro.

E, na poética viniciana, o que de belo, tocante e comovente,
espargiu sobre a temática humana, eterna e infinita indagação dos
séculos, suprema aventureira dos milênios:
“Eu sou um homem.
A medida de todas as coisas, uma coisa de grandeza e
solidão, um ser múltiplo e indivisível, a se agigantar no espaço como
uma árvore sem termo.
Eu sou o passado, sou o presente e sou o futuro: a sombra
de meu pai e o amanhã de meu filho.
Eu sou o amanhã universal, porque vivo e me mato a cada
instante, num silêncio que fecunda o amor, num amor onde floresce o
sonho, num sonho que recria a vida, numa vida de onde nasce a morte,
numa morte que se nutre do amanhã.
Estou limitado pelo meu nascimento, ao sul; pela minha
morte, ao norte. A oeste, tenho compromissos, dilemas e retaliações. A
leste, tenho o povo, que me oprime e a quem amo.
Quisera ser coração, nuvem, primeira namorada, quando
penso no povo. Tomara tanto simplificar-me e não ter mais desejos senão
o meu amor ao povo.
Mas, aí. Nasci tal um relógio, com um pêndulo que marca o
tempo de minha paixão. Sou um homem. Um ser sempre a crescer. Um
homem no seu mais dramático sentido. Dotado de toda a inteligência,
toda a chama, toda a sinceridade, toda a astúcia que pode ter um homem,
e toda a solidão”.
O homem transcende, em seus característicos de
superioridade junto aos escalões zoológicos, ao da simples e pura
racionalidade, o homem é essencialmente um animal sonhador; é desta
faculdade onírica, desse poder-magia de sobrepairar o que é terreno, o
mundano, o material, que o homem se excede, e alça, nas dimensões da
espiritualidade, o momento de alcance da insustentável leveza do ser, o
sonho como matéria prima da construção de um ideal.
“Os sonhos e a magia como antídotos da ideologia.
O sonho para superar a mentalidade cartesiana,
Essa lucidez vizinha do poder.” No dizer de Luís Alberto
Warat.

A sobrevivência do ser humano é mensurável por sua
capacidade e condições de sonhar, de idealizar. Ninguém escapa do
anátema fulminante: “Sem sonho não há salvação”.
A mensuração democrática de qualquer instituição passa e
repassa pelo poder de estimular o sonhar do cidadão. A repressão ao
sonho equivale ao sufocamento de ideais, até que toda a massa humana
reste estéril de fantasias, e se transforme em ordeiro rebanho de
irracionais animalizados.
O surrealismo de Buñuel bem pontifica o dilema de “sonhar
é preciso, viver não é”:
E no cancioneiro da lusitana MADREDEUS, a poética de
Pedro Ayres Magalhães,que nos ensina a dizer do sonho e da fantasia:
“Ao largo
ainda arde
a barca da fantasia
e o meu sonho acaba tarde
deixa a alma de vigia.
Ao largo
Ainda arde
A barca da fantasia
E o meu sonho acaba tarde
Acordar é que eu não queria”
O sonhar alcança, além das construções metafísicas, das
vaguezas ilusionistas, também um pensar de perfeição possível, para
celebração e realização do ideário da justiça.
O compartilhamento vivencial convoca para o elenco de
sonhadores responsáveis a figura primeira do juiz.
Impossível, em qualquer organização judiciária, mesmo as
pensadas em compasso ficcionista, a exclusão de uma personificação
básica, catalisadora dos anseios e das angústias humanas, capaz de
traduzir na linguagem da sensibilidade da norma jurídica, possibilitando a
outorga do direito reclamado a quem realmente faz jus, dando fecho ao
litígio e restaurando o tecido social vulnerado, promovendo, pois, a paz e
a harmonia.
Realizar tal tarefa, de labor ingente, reclama do julgador
uma atitude não passiva, mas de participação aguda no drama social, não
de mero expectador, e sim de agente politicamente responsável pela
efetivação consagradora dos direitos e garantias fundamentais.

Para o desembargador paulista José Renato Nalini, tal
insurreição é um verdadeiro brado salvador, um resgate histórico e um
feliz reencontro entre a Justiça e o povo.
A velha toga não protege o juiz moderno. Ele tem sido
acusado de corporativista e ineficiente, sem condições de reagir. Impõese-
lhe o abandono da cultura da passividade, para se apegar ao menos a
uma cultura crítica. Diz-se, ao menos, pois há quem propugne a adoção
de uma cultura da revolta, única reação ao conformismo presente.
A cultura crítica favorece o repensar do direito como
alternativa única para a solução dos conflitos humanos. E o repensar da
função judicial como seu principal instrumento.
Atinge-se a cultura crítica mediante a imersão ética,
exercício individual e isolado de consciência da realidade e de
compromisso com a missão de aperfeiçoá-la. Resultado dessa postura
solitária, na contaminação de todas as mentes sensíveis, será a verdadeira
insurreição ética do juiz brasileiro. A coesão de toda a Magistratura,
atingida por saudável sentimento de irresignação, diante da melancólica
realidade do povo, da sociedade e de sua Justiça.
O povo tem fome e sede de Justiça, mas também se vê
atormentado com sede e fome literais. O celeiro do mundo não impede a
desnutrição de seus filhos. Mediante a mania quase patológica de
navegação na internet, mergulha-se na fantasia da realidade virtual e
condena-se a infância a lindes escassos de qualidade e de duração de
vida.
É o fruto de a sociedade se erigir sobre valores
inconsistentes: pregar o acúmulo de bens materiais e a consecução de
vantagens a qualquer custo; perseguir o objetivo da obtenção de bens da
vida cada vez mais sofisticados e supérfluos; debochar da virtude; e
premiar a esperteza.
Agrida-se a natureza e ela virá a galope, dizia BUFFON.
Vulnere-se a natureza humana e a vingança virá a jato. O morticínio e a
prostituição infantil, a banalização da violência, até a nível doméstico, a
batalha perdida contra a droga. O desamor, o egoísmo, a efemeridade das
relações entre as pessoas. Nossa sociedade precisa de UTI.
A justiça humana reflete esse caos: serve a uma faixa cada
vez mais reduzida de brasileiros; vastos setores são excluídos do acesso à
Justiça convencional e a elite econômica subtraiu-se a sua lentidão;
perde-se na contemplação do litígio interindividual, ausente o
enfrentamento das macro-controvérsias; não planeja; não prepara os
quadros do futuro e não motiva os atuais.

A indignação ética deve atormentar o juiz sensível. De
modo a impregnar seu universo pessoal, convertendo-o em artífice da
transformação possível;. animando-o da coragem cívica de reclamar
mudanças institucionais; estimulando-o a ser condutor do processo de
reformas, não seu objeto.
Não há receitas infalíveis, nem remédios miraculosos. O
caminho há de ser encontrado de acordo com a história pessoal de cada
um e trilhado na conformidade de seu talento. O passo inicial é a entrega,
espontânea e sem preconceitos, ao esquecido exame de consciência.
Indagar-se sobre o óbvio e com simplicidade. As coisas singelas também
podem ser eficazes.
Qual o meu conceito de justiça?
Tenho atuado coerentemente com ele?
Posso aperfeiçoar a realização humana do justo?
Sou instrumento ou produtor de justiça?
São temas postos ao juiz imerso na ética e a caminho da
insurreição. Ao responder a tais questões – e a tantas outras, surgidas na
angústia da missão jurisdicional, signo distintivo de todo juiz lúcido –
surgirá o propósito de atuar decisivamente na transformação da justiça.
Só assim estará o juiz brasileiro a cumprir com o seu dever
de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de erradicar a pobreza
e de promover o bem de todos os semelhantes. Dever jurídico, positivado
na Constituição da República. Mas, antes disso, compromisso ético
inafastável de quem assumiu a missão de dizer o direito e de realizar a
humana justiça.
Com deficiente aparato organizacional, utilizando métodos e
instrumentos recuados no tempo e no espaço, um reduzido quadro de
magistrados carentes de melhor preparação para enfrentar a dura lida da
jurisdição, ao depender dos outros poderes na aprovação de seu
orçamento e na liberação de seus recursos, eis um Judiciário quixotesco,
sonhador e visionário, afastado da realidade, armado com a lança
imaginária do poder supremo da jurisdição, não para lutar contra gigantes
imaginários, como o personagem de Cervantes, inimigos que não
assumem a forma de moinho de vento, mas são reais e capazes de
provocar um verdadeiro “ciclone” na opinião pública contra aquele que,
na qualidade de guardião dos direitos e das muitas garantias do cidadão,
vê-se a descoberto, sem proteção, expiando culpas, muitas das quais não
cometeu.
Eis a visão conjuntural e estrutural do Poder Judiciário de
hoje; daí, urge uma necessária cooperação de todos os operadores jurídicos, na elaboração e execução de linhas de ação, que, independente
da rotulação modernizadora e de qualidade, sobrepondo-se aos próprios
critérios de uma reengenharia, estabeleçam critérios de racionalização da
própria prestatividade da jurisdição, enfrentando a concretude e as
peculiaridades de cada demanda judicial.
Visto o processo como uma série de atos complexos,
movimentando-se em busca de uma decisão de mérito pretendida, do bem
da vida, almejado a uma acalentada jurissatisfatividade, atos estes que se
revestem, de certo e determinado formalismo legal, alcançaríamos o
primeiro obstáculo. A agilização do processo, com a eliminação radical
das formalidades, a exorcização dos princípios fundamentais, nos
conduziria a uma inexorável “utopia”, ao compasso de que: “Na
determinação dos fundamentos do formalismo processual civil,
consideram-se suas conexões internas e externas, extremando-se as
vertentes políticas, culturais e axiológicas condicionantes da estruturação
e organização do processo.
Depreendeu-se, então, que a colocação de limites ao Poder
do Estado, com o reconhecimento dos direitos fundamentais do cidadão e
a noção e concretização prática da distribuição do poder estatal entre
diversos órgãos, determinam diversas conseqüências ao ângulo da
formalização processual.
Dentre essas, foram enumeradas: a organização de
competências, o ordenamento hierárquico dos órgãos judiciais, a estrita
regulação formal dos recursos e a necessidade de um procedimento justo
e adequado, assim como o próprio acesso à jurisdição.
Com a mesma finalidade, estabeleceu-se a importância das
vertentes axiológicas para o formalismo processual civil. O resultado
dessa análise evidencia a relevância dos valores a seguir alinhados: Valor
Justiça – intrincado com a finalidade jurídica do processo; Valor
Segurança; Valor de paz social, relacionado com a eficiência da
administração da Justiça e articulado com o esquema-base da economia
processual e o chamado princípio de adaptação; Valor da efetividade do
processo “(Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, in “Do Formalismo no
Processo Civil”, 1ª edição, págs. 218 e 219. Editora Saraiva, 1997).
Rechaçada a possibilidade jurídico-política de
deformalização do processo, em face da quebra dos anteparos
sustentativos dos direitos fundamentais insertos no texto constitucional, a
quem o processo obrigatoriamente recepciona e reverencia, outras idéias
racionalizantes são passíveis de formulações e de prático exercitamento.

Tem-se por recomendável a estimulação de uma cultura
capaz de propiciar ao cidadão a benfazeja realização espontânea do
direito, mirando-se em uma imagem estatal de exemplar respeitador dos
direitos fundamentais, sobrepairante a todos os paradigmas possíveis,
além dos rótulos da pós-modernidade ou pós-positivismo.
Justiça social, tal como reclamada, se impõe ao sabor da
impossibilidade de sua efetivação em um quadro social de miséria e
pobreza absolutas, continuadamente.
Inexiste o direito à fome e à miséria. A justiça-valor e a
norma em que ela se reflete repudiam o servilismo humano e exorcizam a
degradação do indivíduo.
Os meios alternativos, com relevância as intervenções
conciliatórias e mediativas, quer judiciais ou extrajudiciais, no primeiro e
no segundo grau de jurisdição, sem olvidar o juízo arbitral, são
recomendados como restauradores da paz social, instrumentais imediatos
de soluções dos conflitos, ao mesmo tempo de resguardo à preservação de
um Judiciário grave e perigosamente afetado pela sobrecarga litigiosa.
A qualificação da Magistratura, municiando-a de
conhecimentos técnicos e de preparação emocional e psicológica dos
juízes, para o enfrentamento dos dramas e tragédias sociais, no instante
em que se descortina uma nova jurisdição, a que contempla às primeiras
nos ditames constitucionais, regedores do direito material e processual, ao
vaticínio e pregação de Ronald Dworkin, Robert Alexy, Owen Fiss e do
nosso Luís Roberto Barroso, agigantam em importância as Escolas da
Magistratura, um ideal reafirmado de viabilização do aprimoramento
substancial do corpo de juízes, a partir do recrutamento, através de cursos
específicos e treinamentos de educação continuada, abrangendo, por
necessário, a qualificação dos funcionários do Judiciário, excelsos
responsáveis pela atividade meio, com fito de melhoramento do nível e da
qualidade da prestação jurisdicional brasileira, adequando-a aos
princípios da celeridade e da eficiência prestativa.
Não muito longe, atingiremos um nível de excelência em
nossa magistratura, cientes e ciosos dos reclamos do povo, como
proclamado por Arthur T. Valderbilt, Presidente da Suprema Corte de
Nova Jersey, que já destacava a qualidade dos recursos humanos como o
problema básico em qualquer organização judiciária:
Necessitamos de juízes doutos em Direito, não só no Direito
dos livros, mas também em outro bem mais difícil de alcançar, aquele
que se aplica vividamente nas salas dos tribunais; juízes de profunda
aptidão nos mistérios da natureza humana e peritos em descobrir a verdade nos testemunhos contraditórios da falibilidade humana; juízes
sem contemplação com ninguém, independentes e honestos, e – coisa não
menos importante – que sejam considerados como tais por todo mundo;
juízes que, acima de tudo, estejam inflamados com o ânimo devorador de
administrar justiça com acesso a direito a todo homem, mulher ou
crianças que compareçam ante eles, e de preservar a liberdade
individual contra a agressão do governo; juízes com a humildade que
nasce da sabedoria, pacientes e incansáveis na busca da verdade e
claramente conscientes dos prejuízos que, em um mundo febril, causam
as demoras injustificadas.
Ciente da necessidade de uma prontidão quase cósmica dos
magistrados, fruto de uma capacitação interdisciplinar jamais provida
pelos cursos jurídicos, as organizações judiciárias devem aviar,
sistemática e urgentemente, mecanismos preparatórios ou vestibulares,
destinados à formação de novos juízes, bem como acionar programas e
instrumentos que viabilizem atualização e aperfeiçoamento à
magistratura, ao longo de sua vida ativa. Para tanto, aí estão, disponíveis,
as escolas de magistratura, criadas, não para enriquecer currículos, mas
para aprimorar substancialmente todo o corpo de juízes, adestrando-os
para os desafios do novo milênio.
Uma das conclusões do “Primeiro Colóquio Internacional da
Magistratura” (realizado em 1996) apontava: Não é proibido sonhar com
o juiz do futuro: cavalheiresco, hábil para sondar o coração humano,
enamorado da Ciência e da Justiça, ao mesmo tempo que insensível às
vaidades do cargo; arguto para descobrir as espertezas dos poderosos do
dinheiro; informado das técnicas do mundo moderno, no ritmo desta era
nuclear, quando as distâncias se apagam e as fronteiras se destroem,
quando, enfim, as diferenças entre os homens logo serão simples e
amargas lembranças do passado.
Uma vez apoiado em suas necessidades técnicoinstrumentais,
o juiz não pode prescindir jamais de sua independência.
Em seu livro “Poder Judiciário – Crises, acertos e
desacertos”, Eugênio Raul Zaffaroni verbera:
A independência do juiz, ao revés, é a que importa a
garantia de que o magistrado não estará submetido às pressões de
poderes externos à própria magistratura, mas também implica a
segurança de que o juiz não sofrerá as pressões dos órgãos colegiados
da própria judicatura.

Um juiz independente, ou melhor, um juiz, simplesmente,
não pode ser concebido em uma democracia moderna como um
empregado do executivo ou do legislativo, mas nem pode ser um
empregado da corte ou do supremo tribunal. Um poder judiciário não é
hoje concebível como mais um ramo da administração e, portanto, não se
pode conceber sua estrutura na forma hierarquizada de um exército. Um
judiciário verticalmente militarizado é tão aberrante e perigoso quanto
um exército horizontalizado.
Finalmente, aos juízes, não seria demasiada honra a outorga
poética de Maiacovsky, em seu antológico “poema dedicatória”, e nem
exercício de jactância, no saber consciente de suas contingências e
efemeridades:
“Homens!
Amados e não amados,
conhecidos e desconhecidos,
desfilai por este pórtico num vasto cortejo!
O homem livre –
de que vos falo –
Virá,
acreditai,
Acredita-me”!

DEIXO DE LADO AGORA AS FOLHAS QUE
REGISTRARAM A MINHA FALA FORMAL E SOLENE.
PERMITAM que fale o meu coração, sob o calor do
improviso dos meus sentimentos.
AGRADEÇO A DEUS, criador de todas as coisas, por me
ter concedido o dom da vida, preservando-me para vivenciar o presente
momento.
A SÃO FRANCISCO DE ASSIS, pelo exemplo de
humildade, generosamente ofertado através de seus escritos e de sua vida.
AOS MEUS PAIS, Antonio Mendes e Cacilda: ele, pelo
exemplo de dignidade e probidade, que o distinguiu como o último
romântico da política municipal fortalezense; ela, pela coragem e
obstinação de criar dois filhos, e enfrentar, com dignidade, severa viuvez.
AOS EMINENTES MEMBROS DESTA CORTE, que
sufragaram meu nome, possibilitando minha investidura nas funções
cimeiras do Judiciário Cearense.
AOS DESEMBARGADORES José Almir de Carvalho,
Jaime de Alencar Araripe e Júlio Carlos de Miranda Bezerra, cujas
memórias, aqui invocadas, representam meu respeito por todos aqueles
integrantes deste Colégio Judiciário, e que já se tornaram encantados, no
dizer de Guimarães Rosa, como afirmação de que só morrem os que são
silenciados pelo esquecimento.
A TODOS OS DIRETORES DA ESCOLA SUPERIOR DA
MAGISTRATURA DO ESTADO DO CEARÁ – ESMEC, instituição a
que servi, nas Administrações de Júlio Carlos de Miranda Bezerra,
Haroldo Rodrigues, Fernando Ximenes e Raimundo Bastos de Oliveira,
pelo apreço por eles demonstrado a minha pessoa, quando do
desempenho do múnus da Coordenadoria, por lapso superior a dez anos,
reconhecendo-lhes a iniciação de uma cultura sensibilizadora de meu
nome para a presente investidura.
À MINHA FAMÍLIA, constituída por Dora, companheira de
peregrinação e partilha de vida, às vésperas de 33 anos de união, exemplo
de coragem, farol e refúgio de minha existência; Mariana, minha filha,
pela reafirmação cotidiana de que a melhor pedagogia é a do amor;
Mendes Júnior, meu filho, cujo despertar para a carreira jurídica, em
iniciação acadêmica, enche-me de esperanças; Yuri, meu neto, afirmação
de amor nos tempos outonais da vida; na certeza de que a saga da família
Filgueira Mendes, neles, terá plena continuidade.

AGORA, A PROMESSA FEITA, EM UM CERTO
SÁBADO, quando cumpríamos a deliciosa rotina do almoço em família,
a ser feito em restaurante em voga.
Em um deles, que por sinal teve vida breve, não obstante sua
indiscutível qualidade, distribuía-se com os clientes poesias, que eram
colocadas livremente nas mesas, motivando a Dora e aos meninos
entregar-me um soneto, com a recomendação de que eu o lesse, em
momento em que me sentisse bastante feliz. Faço-o agora:
PARA FAZER UM SONETO
Carlos Pena Filho
“Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.
Aí, adote uma atitude avara:
Se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.
Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse,
antes, deixe levá-lo a correnteza.
Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.



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