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cronicas-->Outros Carnavais -- 11/09/2001 - 18:56 (Felipe Cerquize) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Na semana que precedia o carnaval, costumávamos fazer os preparativos finais para a grande festa da carne. A brincadeira nas ruas era um jeito espontàneo e prazeroso de aproveitar aqueles dias. Eram milhares de pessoas caricaturadas, com fantasias, às vezes engraçadas, às vezes aterrorizantes, que circulavam durante quatro dias pelas ruas da cidade. "Olha o bloco do sujo, que não tem fantasia, mas que traz alegria para o povo cantar. Olha o bloco do sujo, vai batendo na lata. Alegria barata, carnaval é pular...". Essa era uma marchinha tocada, que refletia bem o estado de espírito dos carnavais daquela época.

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Naquele ano, Paula e Luís brincariam separados, pois, dias antes, haviam tido uma briga feia, por causa dos ciúmes que Luís sentia do seu grande amor. "...Este ano, meu bem, tá combinado, nós vamos brincar separados...". Eram os versos de uma marcha-rancho que tocava nas rádios e que Paula fazia questão de colocar na vitrola todos os dias, para deixar bem claras as suas intenções. Apesar de gostar muito de Luís, não suportava mais o jeito que ele tinha de manifestar o seu amor por ela.

Chegou o sábado. Momo já estava com a chave da cidade e o povo começava a se contagiar de felicidade pelas ruas. Em casa, Paula não escondia uma certa alegria por estar sozinha e por poder brincar o carnaval sem a censura prévia de sua grande paixão. No quarto de dormir, conversava com Eva, sua irmã, sobre a fantasia de odalisca que usaria naquela noite para ir ao baile. Era evidente a sensualidade extraordinária que aquela roupa proporcionava àquele lindo corpo adolescente. Apesar do entusiasmo, acabou não indo ao baile no sábado. Um mal-estar, provável consequência da mistura de ànsia pela liberdade com complexo de cinderela, a deixou de molho em casa, assistindo aos concursos de fantasias e de marchinhas, que passavam na TV.

No domingo, quando acordou, só escutava Eva falando do baile. Que estava animadíssimo. Que não dava para reconhecer quase ninguém por causa das máscaras, mas que, mesmo assim, ou talvez por isto, tinha conseguido um namorado para ficar a noite toda. Paula animou-se mais. Procurou afastar a angústia do peito, deu os últimos retoques na fantasia de odalisca e se preparou para a grande noite. Ainda chegou a perguntar para a irmã se tinha visto Luís, mas ela disse que, se ele esteve por lá, não houve como reconhecê-lo.

Ficou exuberante. Às dez horas da noite estava passando pela roleta da entrada do clube e começando a viver o clima da festa. A bandinha iniciou o baile com músicas mais agitadas, como "Garota do Ipê" ("Garota do Ipê, eu vou pular só com você..."), "Paz e amor" ("Paz e amor, paz e amor, guerra não senhor, não senhor...") e "Alá-lá-ó" ("Alá-lá-ó óóóóóó. Mas que calor óóóóóó..."). Paula estava eufórica, no meio da multidão, circulando com a massa no salão cheio de confete e serpentina. Depois do suor inicial, vieram as músicas mais lentas. A banda começou com "Máscara negra" ("Quanto riso, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão..."), passando por "O primeiro clarim" ("Hoje, eu não quero sofrer. Hoje, eu não quero chorar. Deixei a tristeza lá fora. Mandei a saudade esperar...") e "Bandeira branca" ("Bandeira branca, amor. Não posso mais. Pela saudade que invade eu peço paz..."). As marchas lentas fizeram Paula sentir o coração apertar forte. Ainda que estivesse no calor da dança, no seu peito batia a saudade por Luís. Indo no ritmo da multidão, com um sorriso no rosto e duas lágrimas querendo se formar nos seus olhos, já estava ameaçando sair da roda, quando começou a tocar "Até quarta-feira" ("...Este ano, meu bem, tá combinado, nós vamos brincar separados..."). Soluçando, ela foi contra o fluxo de foliões, querendo sair de qualquer maneira daquela roda. Quando já estava quase saindo, sentiu um braço acomodar-se sobre seu ombro, querendo levá-la de novo para o meio da festa. No primeiro instante, tentou se desvencilhar daquela pessoa impertinente, mas, quando sentiu a mão do mascarado roçar o seu rosto, olhou para ele e póde reconhecer a íris que se camuflava atrás do pano molhado. A expressão da sua face mudou completamente e ela, transpirando alegria, abraçou aquele moço, que lhe respondeu com o mesmo gesto.

Ao fundo, soava "Noite dos mascarados" ("Mas é carnaval. Não me diga mais quem é você. Amanhã tudo volta ao normal. Deixe a festa acabar, deixe o barco correr, deixe o dia raiar que hoje eu sou da maneira que você quiser. O que você pedir eu lhe dou. Seja você quem for, seja o que Deus quiser. Seja você quem for, seja o que deus quiser"). Depois de muitos beijos impudicos, transgredindo, em alguns momentos, o limite do publicável, saíram de mãos dadas, com a paixão aflorando nas suas peles e a percepção de que, enfim, havia chegado o momento do verdadeiro carnaval.

@@@@@@@@@@

A cada ano que passou, foi mudando o conteúdo dessa grande festa. As marchinhas deixaram de fazer sentido para as novas gerações. Em boa parte das cidades, o carnaval de rua foi minguando e as fantasias desaparecendo. Hoje, para entrar na ala de uma escola de samba, o folião tem que pagar caro pela fantasia e ainda se sujeitar ao brilho de estrelas e astros que querem ficar em evidência. Atrás do trio elétrico só não vai quem não pagou e as micaretas se multiplicaram com o intuito de aumentar a arrecadação das prefeituras. Recentemente, o funk superou inclusive a imbatível axé music no gosto dos que curtem essa festa. Diante disso tudo, só me resta ficar com esta cara de pierró extemporàneo e confessar que não consegui acompanhar a velocidade das mudanças.

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