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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->44. DOMINGO DIFERENTE -- 06/07/2002 - 06:41 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ao acordar, bem cedo, Fernando tentou recordar-se dos sonhos atribulados que tivera. Mas não conseguiu. Lembrou-se de ter deitado logo, cansadíssimo, e de ter adormecido de imediato. Mal dera tempo para rogar aos protetores espirituais pela esposa. Vinha-lhe à mente, contudo, com insistência, a vaga visão de duas criaturas que se diziam seus filhos.

— É o pedido de Jeremias para que cuide dos rapazes.

Não adiantava um passo na configuração de como iria decorrer o dia. Contava encontrar-se com Dolores na missa e punha fé em que pudesse, no ambiente sagrado do templo, fazê-la compreender que a união de ambos não era só indissolúvel pela bênção do sacerdote. Deveriam, antes da encarnação, no etéreo, ter acertado vida em conjunto. Não poderia ter sido por acaso.

— Se lhe propuser isso, vai dizer que são artes do demônio. Onde se viu existir antes de nascer?! Só na cabeça de um maluco. E se lhe falar de meu amor, da necessidade que tenho de tê-la ao meu lado, da falta que me faz, de sua companhia?...

Percebeu que estaria dando munição para quem deseja atirar. Pois que largasse a tal religião dos espíritos, se ela era tão importante para ele.

Fernando estava com a mente obscurecida pela indecisão. Julgava que o mais correto era chamar a atenção da esposa ali mesmo, onde foram unidos por Deus, porém, quem não estava dando mais importância para o ato eclesiástico era ele mesmo.

— Será injusto chamar-lhe à razão por argumentos que não me convencem. E imoral. Devo, simplesmente, deixar nas mãos de Deus e rogar aos amigos benfeitores que me inspirem, na hora em que estiver sob o olhar da recriminação.

Aprontou-se domingueiramente, com o habitual traje da missa. Fê-lo de maneira mecânica, sem segundas intenções. Desceu para o café. Letícia não havia levantado. Daria para ir à missa das seis. Teria duas horas, pelo menos, para refrescar a cabeça. Foi ao escritório, apanhou as mensagens, releu-as. Os versos ganhavam contornos de verdade psicológica. Deteve-se na expressão “o mal se goza”.

— Será que todos os gozos da carne são causa de males?

Não se atrevia a pensar em Jesus. Passou a exemplificar com Kardec:

— Eis homem comum, mas expoente do Espiritismo. Se não tivesse exercido a Codificação, não teria sido ninguém. No entanto, era casado. Terá tido os prazeres do leito. Não me lembro de ter lido se teve filhos. Se não teve, é paralelo a se estabelecer com a minha vida. E no sonho, queriam que tivesse dois filhos. Será que Kardec também sonhava com filhos que não teve? E se teve? Averiguarei.

Considerou que conhecer a biografia de tão insigne personalidade espírita era ponto importantíssimo para pautar a própria vida.

— Perguntarei a João ou a... — hesitava em pensar em Dalva. — ...ou a Esteves qual a melhor obra.

Olhou as horas. O tempo não passava. Quis diversificar os pensamentos. Pegou O Livro dos Espíritos. Iria começar por onde Kardec principiara. Pulou a introdução. Mergulhou na leitura e esqueceu-se de todos os problemas.

“1. Que é Deus?”

Recordou-se do catecismo (“Espírito perfeitíssimo, criador de todas as coisas”), mas não se deixou levar em devaneio. A leitura absorvia sua atenção.

Às oito horas, Letícia veio avisar que o café estava pronto.

Fez uma refeição ligeira. Comeu, entretanto, um bom pedaço de bolo e uma maçã. Era o costume, para não se sentir mal durante a missa. Pelo menos, nos dias em que não comungava.

“Que reviravolta, meu Deus!”

Ao contrário do que deliberara, saiu logo e chegou ao templo, estando a igreja deserta. Algumas pessoas oravam em silêncio. As velas estavam apagadas. Nenhum coroinha ou sacristão. Acomodar-se-ia num dos bancos traseiros, de modo que pudesse ver quem entrava pela porta da frente e pelas portas laterais. Ao atravessar a nave, no corredor central, diante do altar, resistiu ao ato reflexo de se persignar. Que pensariam os protetores espirituais se o vissem ajoelhando-se para a imagem?

Aos poucos, os fiéis foram chegando. Os conhecidos o cumprimentavam. Que pensariam ao vê-lo só? Caso inédito. Estaria a esposa doente? Ninguém se atreveu a puxar um único dedinho de prosa. E Dolores, que não chegava? Era a missa de Maria e de Joaquim. Viriam? Fernando acendia a curiosidade.

Soa a sineta e Timóteo entra, com os coroinhas. Fernando firmou a vista. O sacerdote estava diferente. Mais velho e encurvado. As pessoas de pé atrapalhavam seu campo de visão. Ao virar-se para o povo, Fernando não reconheceu o padre. Não era Timóteo. Não vieram a esposa, a amiga, o ex-empregado nem o sacerdote. Ele, que não era para esperar-se, lá estava.

— Vou aguardar um tempo. Quem sabe Dolores chegue atrasada.

Foi levando avante a espera, até o momento do sermão.

— Quem sabe haja alguma explicação sobre a ausência de Timóteo.

O coadjutor subiu ao púlpito e deu a informação à congregação reunida:

— Irmãos, por graça de Deus, o nosso amado Padre Timóteo, titular da paróquia, foi agraciado com convite superior para preparar-se para o episcopado. Deveria ter vindo pessoalmente trazer-lhes a grata recomendação, mas, nesta hora, está recolhido para a necessária meditação. Quem aqui esteve ontem, ouviu, de sua própria voz, o júbilo de seu coração mariano...

Fernando sufocava.

— Que méritos teriam visto naquele sacripanta?...

Fora da igreja, precisou encostar-se à parede. Imaginava que a autoridade de bispo iria impor-se incondicional sobre a vontade da esposa. Era agora que teria forças para argumentar contra as iniciativas de abandonar o catolicismo.

— Como fui tolo em pensar que o padre teria poder para obrigar Dolores a voltar para casa!

Não sabendo direito o que fazia, rodou pela cidade sem destino, até que se encontrou diante do apartamento de Judite. Quase inconscientemente, colocou uma ficha no telefone público e discou. Ninguém atendeu até o último toque. Tentou de novo. Mais duas vezes. Foi conversar com o porteiro. Entrara no turno da manhã e não vira ninguém sair. Não sabia informar se havia alguém. Pelo interfone, também não alcançou resposta. Definitivamente, não estavam.

— Vou almoçar na casa de papai.

Ligou para Letícia avisando. Ouviu-lhe resposta consternada. Dirigiu com prudência pelas ruas quase desertas, cruzando a cidade, buscando a periferia da região leste. Em pobre casa de três cômodos, viviam o pai e uma irmã solteira. Chegava sem aviso e de mãos abanando. Mas vinha cheio de vontade de rever os parentes.

À noite, debaixo das cobertas, deliberou destinar uma das propriedades para a família. Sentira-se mal perante as péssimas condições de quem se sustentava através de simples aposentadoria de mestre-escola.

— A caridade começa em casa, inevitavelmente.

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