Após um tempo em Brasília, estava tudo pronto para voltar para casa. As malas sempre mais gordas e arrumadas com bem menos cuidado do que na vinda, e aquele ar pesado da despedida...Estava triste por partir e deixar minha mãe doente e precisando dos meus cuidados. Mas ao mesmo tempo estava feliz por voltar para Fortaleza, rever meu marido e meu doce lar.
Pensando nisto, coloquei tudo no carro. Acompanhada pelas minhas irmãs, resolvi despedir de alguns amigos e amigas reunidos ali perto, afinal o único vóo que encontrara estava marcado para meia-noite. Ainda tínhamos tempo de sobra. Papo vai, papo vem, acabamos por não ver o tempo passar, e quando caímos em nós, a hora já estava bem avançada.
Após novas despedidas, entramos no carro. Inês, minha irmã mais nova, ligou a ignição e nenhum sinal... tentou outra vez, e mais outra, e nada. Um pouco sem graça, chamamos um amigo, que com um empurrãozinho nos ajudou, e assim fizemos o carro pegar no tranco.
- Precisamos abastecer, o carro está na reserva - lembrou Luciana, a irmã mais velha.
Paramos em um posto no caminho e abastecemos. Novamente o carro precisou de um outro empurrão, agora do frentista. Estávamos um pouco receosas. Mesmo assim, preferimos seguir em frente.
Alguns quilómetros adiante, e as luzes do carro apagaram, de repente.
- Só faltava esta agora! - Exclamou Inês - sempre preocupada.
- Não se preocupe - respondi - o aeroporto não é tão longe daqui, e se tivermos qualquer problema, ligamos para alguém.
- Nossa... Como está escuro aqui! - observou Luciana, apontando para os postes cujas luzes estavam apagadas por causa do racionamento de energia.
Realmente o caminho estava muito escuro. E o relógio não girava a nosso favor. Assim mesmo, continuamos, vendo graça na situação e "jogando conversa fora".
Sempre que nos encontrávamos nos divertíamos bastante. E agora, separadas pela distància, cada uma morando em uma cidade diferente, tirávamos o maior proveito dos poucos momentos que tínhamos juntas.
- Aconteceu alguma coisa lá na frente, olhem só. - disse Inês acelerando o carro.
- É Blitz !!!! - gritamos em coro!
- E agora??? Estamos fritas!- completou Luciana.
- Eles vão nos parar com toda certeza! Precisamos manter a calma. Não posso perder este vóo !!!! - concluí, quase perdendo a calma.
Eu realmente não entendi a reação de Inês, acelerando ainda mais o carro.
- Diminua a velocidade, sua maluca! Agora eles vão nos parar mesmo, e terão pelo menos, dois itens para nos multar - esbravejou Luciana.
Mal ela havia terminado de falar, quando vimos um dos agentes sinalizar para nós.
- Vamos explicar a situação. Quem sabe, acontece um milagre - eu disse.
Assim que o carro parou, ele estava rodeado por uns seis agentes do Departamento de Trànsito. Sem esperar um só momento, Luciana abriu a porta, desceu do carro e falou com a voz mais dramática que conseguiu:
- Mooooooooooooço! O carro acabou de apagar no posto, tivemos que empurrar... Minha irmã está quase perdendo o avião!
E antes que o agente dissesse qualquer coisa, ela apontou para o meu filho de 3 anos e prosseguiu: - Tem criança dentro do carro... por favor, libere a gente!
Os agentes olharam para ela, olharam para dentro do carro, e se entreolharam. E um deles perguntou: - Onde está a passagem aérea?
Mais que prontamente Luciana respondeu: - Não tem passagem, moço! É PTA.
Abaixei a cabeça e pensei: "Pronto! Agora complicou... "
Mas, para nossa surpresa, o agente olhou para dentro do carro, franziu a testa e disse com voz delicada: - Podem ir meninas.
Saímos dali surpresas, e logo estávamos a rir alto, imitando a forma com que Luciana se dirigiu ao agente, com seu sotaque mineiro, quase implorando para que nos liberasse.
- Pelo menos você não perde o seu vóo!
- Isto é Brasil... o agente não pediu nenhum documento, já pensou? - disse Luciana, que agora residia nos Estados Unidos - Lá nos states eles são intransigentes, não estão nem aí para os seus problemas pessoais.
- Por isso é que eu amo o meu país - suspirei, rindo - Estamos quase lá. É o tempo de chegar no aeroporto e embarcar.
Ainda estávamos sem luzes no carro e minha irmã dirigia como uma velhinha de carteira recém-tirada. Enquanto isso meu filho dormia na maior tranquilidade.
Faltando uns três quilómetros para chegarmos ao aeroporto, avistamos luzes a frente. Não podia ser verdade! Outra blitz.
Sabíamos que seríamos novamente requisitadas a uma parada.Desta vez não ficamos atónitas. Estávamos bem próximas do aeroporto.
- Você já sabe o que fazer, né? Dirigiu-se Inês à Luciana.
- Pode deixar, comigo - ela respondeu - enquanto ríamos.
Assim que o carro parou, Luciana saiu do carro e disse com voz calma e ensaiada:
- Mooooooço! O carro acabou de apagar no posto, tivemos que empurrar... Minha irmã está quase perdendo o avião!
E, novamente, antes que o agente dissesse qualquer coisa, ela apontou para o meu filho de três anos e disse: - Tem criança dentro do carro... por favor, libere a gente! Paramos em uma Blitz lá atrás e eles nos deixaram passar.
Sem pedir nenhum documento sequer, fomos imediatamente liberadas sob os olhares atentos dos agentes, enquanto Inês dizia: - Estão vendo só? Depois dizem que não é bom ser mulher!
- Nada pode deter uma mulher! Imaginem três!? - respondi rindo.
E assim, partimos dali para o aeroporto.
Julho de 2001
Cláudia Azevedo
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