Manhã de domingo. Ligo a TV. Cheiro de tragédia no ar. Uff! Que semanas temos atravessado!
Os comentaristas, é claro, torcem para que nada de tão grave tenha acontecido. E nós, os telespectadores, também. É claro!
Corrida de Fórmula 1. Eu, despertando aos poucos para a dura realidade televisiva.
Mas havia uns chatos segurando uns pedaços de tecido, parecia ser chita bem barata, daquela florida, Pernambucanas House na cabeça, para impedir que os cronistas esportivos, os comentaristas e os telespectadores pudessem divisar a gota de sangue que há em cada um desses poemas imagéticos que a televisão despeja sobre nós (puxa, vou anotar essa, antes que eu me esqueça!).
Não deu para esperar. Não soube o desfecho daquela (tomara que não tenha sido) tragédia. E era um piloto brasileiro, meu Deus! Mas, qual?
Às vezes, impressiona-me o grau de insensibilidade que vim desenvolvendo através dos anos. Fiquei certamente deficiente nesse aspecto. Um desalmado. Um ser sem coração. Assim como o jogador Lopes, do Palmeiras, nas palavras do técnico Celso Roth não desenvolveu muito bem aquele outro aspecto: cabeça. A verdade é que a curva do Tamborello sepultou muito da graça que a vida tinha para mim... (desculpem!)
Portanto, não vi, não me deixaram ver se houve sangue. Nào deu para divisar, por entre tantos vivos, a presença da "indesejada das gentes". Orei. Oramos. Os comentaristas não fazem por menos. São puro denodo.
E a càmera, certamente segura por alguma grua sobremaneira talentosa, insistindo em nos mostrar os entornos, a correria de Alain Prost (esse eu ainda reconheço; está feinho, coitado!), a solidariedade dos irmãos Schuhmacher (em alemão: sapateiro; por isso, eles descem a chinela, e ganham todas!). E até o Eddie Irvine, meu Deus, um homem tido como até meio canalha, ali estava, veramente preocupado com o companheiro, que ele, aliás, ajudara a catapultar (não é nada disso que você está pensando, leitor!) para a montanha de pneus, por trás da qual se escondia uma mureta de cimento. Sei lá, repito a esmo o que entreouvia. Que ódio! Não deixavam ver nada.
Mas eis que, de repente, não mais que de repente...
[Ah, vou contar mais uma coisa antes. Depois eu também vi, tão lindo!, Leila, Nana e Dani, com uma orquestra de mulheres, lindas
e advindas da outrora violenta Chicago, todas de rosa, a maestrina sendo uma japonesa serelépida, cantando para a AVON chama! E até me lembrei que AVON se lê, anagramaticamente (de trás para diante, só isso!), NOVA. Confiram!]
De repente, a càmera flagra um piloto, não sei se japonês (ainda tenho saudades do Nakagima, não sei por quê!), correndo na pista feito uma barata tonta. E a centelha do gênio, incontinenti, emitiu suas fagulhas poderosas para todo o globo, digo, para todos os telespectadores da Rede Globo:
"Vocês estão vendo aí o piloto, correndo na pista. Resta saber de onde para onde."
TV desligada, eu já me debruçava sobre o tema. A reflexão filosófica matinal, velho hábito que herdei dos sacerdotes católicos que me conduziram pela senda do bem [amável, a leitora sugere que vai dar num sanatório!] estava garantida. Nos meus tempos de seminarista, filmes como "Os dez mandamentos", "O Rei dos Reis", e até "Êxodus", apesar de cenas meio fortes, entravam como meditação ou leitura espiritual no meu relicário das férias, com direito a indulgências plenárias.
Nós, pobres seres humanos, nesta nossa corrida maluca contra a morte, na azáfama do dia a dia, correndo, corrrrrendo, corrrrrrrrendo. Um mundo vvvivvviido na vvvvvvvvvelocidade. Podem dizer que é vvvvviadagem, mas que tem poesia concreta nisso aí, gente, lá isso tem! VVVVVVVVVVixe! Poesia concretissíssima, eu diria. Te arrenego!
Retiro os óculos de aros redondinhos, armação italiana, repouso a mão com o cachimbo sobre o tampo da mesa e, calmamente, como o faz a loura e bondosa Cinyra Arruda em "a palavra amiga", conclamo-vos a perseguir comigo esta conclusão singela, porém necessária:
Nós, seres humanossss, vivvvvvemossssssssss corrrendo, corrrrrendo, corrrrrrrrrrrrrendo, nesta longa fórmula 1 da vvvvvvida. Resta saber: de onde para onde.
Tenham um bom sono. E que Ele nos ilumine! |