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Artigos-->Um Sábado Qualquer -- 27/04/2004 - 15:05 (Ivan Guerrini) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Se você olha para si mesmo, você gosta do que vê? Se você gosta do que vê,

você é a pessoa que deveria ser” (Burt Bacharach)



Os primos Aly Henado e Many Pulado achavam que realmente tinham sangue azul. Desciam a Rua do Comércio Arc Haico de Peão Biruta em pleno sábado de manhã quando o movimento era grande na cidade. Prestaram muita atenção na propaganda do carro de som. “Preço bom, né primo?”, disse Aly sem perceber que nem todos que passavam por ali queriam ouvir aquela quantidade de decibéis no pé do ouvido. Depois veio o aviso da “Paixão de Cristo” no melhor cinema da cidade, a propósito, o único, como que já preparando o povo para as violências do filme através da violência do som. Depois veio o super carro de som com o tétrico e cultural anúncio de falecimento do Seu Jah Fui; depois mais propagandas de fazer inveja a qualquer trio elétrico baiano e assim foi quase a manhã toda. Para muitos, um bom treino para o inferno. Para o pai falar com o filho na calçada, era preciso gritar e até esgoelar, mas os dois nem perceberam. Para eles, arroz com feijão. O café até que estava bom em meio aos políticos, politiqueiros e peruas reunidos quase sempre no mesmo local. Em meio às baforadas de seus cigarros que contaminavam a redondeza, viram que a manchete do jornal local falava outra vez da briga da situação com a oposição, esta dizendo que a outra não estava fazendo nada para o bem da cidade. Many, depois da tragada, disse com voz bem rouca e impositiva: “É isso mesmo. Pouca vergonha essa prefeitura. Também, só podia ser reflexo do mesmo partido do governo federal. Quem mandou votar neles? Desde quando gente que não fala francês nem inglês e ainda não tem dedo, merece voto?”. Aly respondeu: “É isso aí. Eu bem que avisei uns conhecidos que era a maior besteira votar nesse pessoal. Agora tem invasão do MST pra tudo quanto é lado, a Rocinha pegando fogo no Rio, índio matando invasor no norte, rebelião em presídios, Martaxa em São Paulo, etc... Sem falar dos assessores do Dirceu, o caipira mor. E sem falar também no absurdo de querer fechar os bingos com tantos coitados precisando daquilo para trabalhar honestamente. Quem mandou votar neles?”. Depois de uns três cigarros cada um, esquecendo-se que a fumaça se difunde no ambiente, e do mesmo tipo de conversa com vários A, B, C e N Hergúmenos no café, os primos pegaram o carro e foram para a avenida maior, aquela da igreja. No trajeto, sem nenhuma pressa, fazendo galhofa dos transeuntes e mexendo com as moças, principalmente as acompanhadas, fizeram com que todos atrás seguissem seu ritmo, ou seja, ninguém conseguiu ultrapassá-los, mas nem deram conta disso. Retrovisor, pensam eles, é só pra observar mulher atravessando a rua. Sem falar da fumaça do escapamento na cara de todo mundo. Essa também não atinge ninguém, claro. Tudo normal para eles. “Você já viu alguém ser multado por excesso de fumaça do escapamento de seu carro?”, perguntou Many. “Se até os ônibus da prefeitura, das vilas chiques da cidade e até de cidades vizinhas podem esfumaçar o ambiente e atravancar o trânsito a toda hora, parando no meio da rua ou trafegando a 20km/h em horário de pico, por que nós não podemos?”, juntou Aly. Então, em tom de um prepotente desfile de gala, junto com caminhões, carros e motos de som acima de qualquer suspeita, eles contribuíram fortemente para deixar o trânsito caótico no cálido sábado de manhã de Peão Biruta. Meia hora depois de atrapalhar meio mundo, viram uma vaga com uma boa sombrinha próximo à catedral e estacionaram o carro. Na verdade, foi preciso deixar o carro meio torto para pegar a sombra, tomando dois espaços, mas correr na frente de quem já estava esperando valeu a pena. “Bobeou, levou, não é mesmo? Afinal, nossos pais sempre nos ensinaram que nesse mundo competitivo, é preciso levar vantagem em tudo, não?”, pensaram em sintonia. Andando na avenida de dois nomes, encontraram com o amigo, advogado da família, que disse: “Dessa vez precisamos colocar o Dr. Idy na Assembléia, sem nem pensar em suplência. Ele é irmão do advogado Itamar Sempre, da conhecida família Otta e está sempre falando alto em todo café da cidade. Ele, Idy Otta, já foi deputado e assessor de governo e, como raposa velha em política, vai combater essas falcatruas e desmandos que estão acontecendo aqui na cidade. Falta de rédeas, falta de pulso firme! Vai por todo mundo na linha dura e a cidade vai voltar a ser como era antes nas boas décadas de 70 e 80. Ah, isso vai! Afinal, a cidade precisa de novo de um representante na Assembléia, não é mesmo? E além de tudo, ele é conhecido na cidade, na região e tem muita força na UNESP.”. Aly respondeu: “Pois, é. Se além dele, o nosso querido Dr. Folk Lórico voltar a ser prefeito, vai ser perfeito. Eu já perguntei se ele está distribuindo jogo de camisa de futebol na periferia. Tem que ir. Tem que fazer o que manda o figurino, não tem conversa. Tem que aproveitar também os postos de saúde, esses PSF que não sei porque implantaram agora, e esperar os vagabundos, ou melhor, os pobres ali na redondeza, aproveitando que nem prefeito e nem vice tem aparecido por lá mesmo. Lembra como foi da outra vez? Pois é! É com essas atitudes que se ganha uma eleição. É preciso lembrar também que desta vez os FDPs estão querendo diminuir para a metade o número de vereadores e vai ficar bem mais difícil eleger o nosso povo”. “Por isso que tem que ir conversar com os padres, bispos e pastores também”, respondeu Many. “Muitas eleições já foram ganhas com o auxílio desse pessoal aqui em nossa terra”, continuou. Disse ainda: “Se não quiserem cooperar, tem que ter pressão para ir embora daqui. Afinal, vocês não se esqueceram do que aconteceu há uns 30 e poucos anos, quando aquele bando de padres esquerdinhas foram escorraçados da cidade, não é mesmo? Foi ou não foi bom pro nosso partido e nossa família aquilo lá? A Igreja nos ajudou muito naquela época...”. “E depois também”, completou Aly. Disse ainda: “Graças a Deus, a grande maioria dos religiosos daqui têm consciência de que o comunismo é a obra-prima do demo, pau-a-pau com a Nova Era. Essa linha do Leonardo Boff e do Frei Betto aqui não tem vez. Nossos bispos botam esses caras pra correr, se ameaçarem pisar nessa terra. Apesar do governo atual, esta ainda é uma terra santa, abençoada pelas Três Pedras. E, olha, se de fato existe inferno, Marx está lá com Jango e a turma deles. E o Caldas que se cuide”. Despediram-se do amigo, tomaram outro café na esquina da catedral com os conhecidos Alka Nalhas e fumaram mais alguns cigarros, esbaforindo em cima de alguns jovens que lanchavam, sem se dar conta da completa falta de respeito. Também nem perceberam que o alto tom da conversa deles já tinha espantado uns outros dois ou três que queriam tomar café fazendo sua leitura diária. Na saída, Many falou para o grupelho que se formara: “O negócio agora é esperar mais três anos dessa joça de governo para, então, votar certo de uma vez por todas. Será que o povo aprende agora que não dá para votar em gentalha? Mas aqui na cidade, podemos resolver essa questão ainda este ano. Tem que engraxar muita gente, não tem jeito, mas a gente tem apoio de quem precisa. Pode ter certeza de que uns e outros que costumam jogar no time do japonês Nomuro, hoje já estão do nosso lado. Na verdade, dançam conforme a música. Muitos desses, aliás, têm cargos importantes da UNESP. Alguns sem escrúpulos, é verdade. Mas se até os “sem-terra” contam do lado de lá, por que não contar com os “sem-moral” do nosso lado? Falando nisso, ouvi dizer que em algumas universidades tem docentes que usam seu tempo de aula para ficar oferecendo bolsa para aluno em troca de ganhar votos em colegiados. E olha que, pelos caras que eu conheço, funciona! É esse pessoal que nós temos que rastrear, pois eles fecham com a gente, sem dúvida. Vamos ficar de olho em quem não gosta de se definir politicamente que vamos encontrar esse povinho logo, logo. Se agregarmos esse pessoal, em 2005 vamos voltar às reuniões com cafezinhos no gabinete, com a ajuda de Deus. Por falar em Deus, Aly, amanhã é dia de ir à igreja. Onde vamos encontrar mais gente, às 10h ou às 19h?”. “Não sei, depois a gente vê isso. Agora preciso ir pegar meus filhos pequenos que a tia Agah Linha levou para passear no supermercado. Sábado de manhã é ótimo para isso, é uma festa! Lembrei-me também que preciso passar no escritório de contabilidade do primo Ludi Brio Athodos para ver se ele conseguiu uns recibos para aumentar minha restituição do IR. Ele falou que ia abrir hoje por conta de muita procura, mas se não der, no máximo segunda eu tenho que passar lá. Dá um abraço na tia e diz pra ela que dessa vez os caras não pararam o nosso ônibus e chegou a muamba com as máquinas que ela quer. Os estúpidos só conseguem parar 1% dos que atravessam a ponte e dessa vez não deu zebra. Depois te ligo pra falar da super arrecadação do bingo de ontem e como jogar isso na campanha sem sair no Fantástico.”





Ivan Amaral Guerrini

Físico, Professor Titular

Departamento de Física e Biofísica, IB

UNESP, Campus de Botucatu

guerrini@ibb.unesp.br





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