A corda dos enforcados
maria da graça almeida
Tecida fio por fio,
num jogo de desafio
o sangue das mãos maculava
a corda dos enforcados.
E os fios se avolumavam
com corpo ardente e infame
e em mãos do malefício,
a vergonha, o vexame,
enquanto braços medíocres,
com argumentos nefastos,
construíam com desembaraço
a estrutura do cadafalso.
A trama a cingir-lhe o pescoço
antecipou as dores que o moço
sentiu sob olhares tão falsos
ao soar, derradeiro, o compasso.
Ali dormiria com a crença
na desigualdade da sobrevivência,
onde a luta por seu ideal
impingiu-lhe, precoce, a dormência.
Dormência que castos e justos,
com dor, sacrifício e custo,
entregaram, na terra, à corda,
manchada de irreflexão e discórdia.
Em vertigem faltou-lhe o chão,
que tão forte quanto a opinião
levou-o ao encontro da morte,
abreviando a vida de um forte.
Os anseios não foram vãos,
nem mesmo sua intenção,
a corda dos enforcados
não matou o projeto, aviltado.
As sementes que foram lançadas,
por respeito a tanta gente,
brotaram em solo árido,
mas frutificaram não tardiamente.
Os cabelos e barbas compridas,
inertes, quedaram-se ao chão
e cabelos e barbas tão nuas
não lhe tiraram a razão.
O sal que salgou o seu corpo
é o mesmo que nos salga a boca
ao deparamos com a intemperança
dos irresponsáveis, ou loucos.
A corda dos enforcados
não apodreceu com o tempo,
ficou como visgo sublimado,
pela dor do arrependimento.
E ainda que muitos não julguem
esse herói com verdades de herói,
do pescoço, no laço da corda,
as dores ainda me doem!
maria da graça almeida
maio/1998
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