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Contos-->Romance Frio -- 23/12/2001 - 01:09 (Marcelo de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fria é à noite. Muito suspeita, muito cautelosa. Escuro como os olhos de um gato.
Em suas compensações, é notável. Com seu romântico luar traspassa seu olhar fúnebre e sua tez carinhosa. No seu lume vazio, mostra o lívido soluçar de uma corrente noturna. O frio que nos transtorna, também nos alivia. Gosto da noite. Meu trabalho se produz à noite. Eu me alivio no abraço forte da noite.
Antes mesmo das ruas criarem suas sombras secretas, eu já estou em meu posto. Cedo para brincar com o vazio da minha vida. Para animar os cantos recônditos do estabelecimento. Ainda assim, paro para pensar que no frio que se aproxima, ligo-me ao sentimento de tornar as duras penas do ambiente noturno, meu lar.
Como posso começar?
O vassourão que me deram, limpa até mesmo os frisos mais transparentes. Dentro do meu uniforme, esse objeto “clean” me transforma. Não sou mais uma Maria qualquer, sou a Maria do escritório de seu Vargas. Quando chegarem ao amanhecer (ambiente luzidio que não me pertence) tudo estará “um brinco”.
Hoje varro os entremeios e limpo as janelas.
Passei duas horas, categoricamente, limpando cada vão indiscretos do ambiente. Ainda assim, sei que por duras penas, que o pó continua a rodear.
Depois subi à janela. Poder perigoso. Vejo a Luiz Xavier lá embaixo. Vejo as lojas de departamentos, todas por dentro, como se olhasse o interior das calças de um homem e sem mistérios revelasse seu lustroso pênis.
Estou no hotel. Segurando-me nas alças inexistentes para lançar meu corpo e alcançar os sinais de sujeira. Lavo aqui, faço cócegas no vidro ali.
Sem me virar vejo pelo reflexo (se há reflexo o vidro começa a mostrar sinais de limpeza) que alguém me observa. Passa pelo calçadão o olhar atrevido de alguém, vem deslizando lá do outro edifício para alcançar minha bunda em piruetas.
Como posso vexamina-lo, se estou pendurada numa das ancas do parapeito e minhas nádegas balançam como um relógio cuco?
Viro minha cabeça e para enxergá-lo até meu estômago cria piruetas. No espaldar do edifício em questão, vejo uma sombra em uma das janelas. Apenas um vulto que me olha. Meu corpo é firme, não sou bonita, mas meu corpo é firme. Ele está olhando para minha bunda! Cretino cínico!
Por conseguinte, isso me excita.
A Luiz Xavier está inerte num basculante negro. Cada pedra do calçadão tem uma história e quando a noite chega conversam entre si, catalogam sua sabedoria e depois voltam ao atrito diário. Do outro lado alguém me observa. Ainda me observa. Estou completamente absorta a ele. Eu estou a sua mercê. O que faço para me desvencilhar?
Por favor, não me faça cair em paixão.
Não vim de Pernambuco para ser apenas uma mulher que limpa os vidros.
Posso, quem sabe, amar.
Se alguém me observa, come minha bunda com os olhos, algum tipo de prazer sente por mim. Um resto de paixão cabe em seu peito. Uma escolha de ter-me em seus braços sisudos.
Desci da janela. Não posso estar ciente de tamanho abandono. Rodo os olhos e o pavor de estar sozinha me condena. Os olhos que não vejo. Mas a atitude de me absorve. Fui olhada, observada. Isso me excita. Condena-me, mas me excita!
Vou ao banheiro. Masturbo-me. Mas não sinto a situação como algo sujo. Como sexo em boca de banguela. Como uma vagina jogada às traças. Falo de amor, de paixão. Algo bonito. Decisão a dois. Beijos malucos. Bolinações organizadas. Corações em transe.
Como faço para tê-lo. Sem que saiba que minha vida é tão vazia quanto o peito de um cadáver.
Deixei o vassourão e desci os elevadores.
Quando ganhei as ruas, pensei em desistir. Uma mulher não deveria se dar ao luxo de amar. Pelo menos não ao luxo de buscar esse amor. O amor deve partir do homem... Pelo amor de Deus! Pensamento esdrúxulo! Um crime deixar de pensar com o coração.
O porteiro ri para mim. Ele também quer me comer. Eu passo um pensamento para ele: “quero amar, por favor, deixe-me amar”.
Vou até o centro do calçadão. A Luiz Xavier também está ciente de minha libido. Mesmo no escuro dos mendigos, as pedras falam por si.
Do outro lado há um conglomerado de lojas. Na porta um vigia. Ele me conhece. Também aspira um ar de leviandade. Bato no vidro e ele vem. Rápido como uma ratazana.
— Posso subir no décimo-terceiro?
— Por que Maria?
— Não pergunta! Quero ver algo!
— Sabe que não posso...
— Não confia em mim? Acha que vou roubar alguma coisa?
Ele destrancou a porta. Eu entrei. Ele fez mais algumas perguntas, mas ficaram sem respostas. Não há nada que eu possa dizer, a não ser que preciso urgentemente amar.
O elevador demora.
Quando bate no décimo-terceiro andar, a porta se abre em meio a entulhos. Um depósito. Muito bagunçado, muito desorganizado.
Caminho no escuro até a janela. Vejo-o ali, estático. Do outro lado do vidro, além da Luiz Xavier, um outro edifício. Eu deveria estar lá, pendurada naquelas janelas limpando-as. Deixe seu Vargas saber! Continuei caminhando. Cheguei a tocar seus ombros, a olhar suas costas sombreadas. Mas era tarde demais para amar.
Meu horrendo conto-de-fadas!
No frio da noite, um manequim olhou para minha bunda. Duro, apenas seu rosto. Gélido, seu coração.
Sentei em uma caixa e antes de rir, chorei como uma criança.



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