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Humor-->Série B -- 20/07/2014 - 14:23 (José Luiz de Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Mesmo se esforçando ao extremo para não tocar no assunto, o contista sente que sua capacidade para resistir está próxima do limite. Um escritor do sexo forte, desportista, e principalmente brasileiro, não conseguiria prosseguir sua carreira literária sem incluir entre suas narrativas, pelo menos uma história envolvendo a grande paixão nacional: o futebol.

Sua recusa em colocar a bola para rolar, até então, decorria do temor de que seus leitores o rotulassem de comodista. Realmente abordar o tema não é difícil, pois além de ser abundante em conteúdo, desperta interesse com muita rapidez .

Assim, para dificultar um pouco sua tarefa e evitar enfastiar o torcedor (enquanto leitor), a história será iniciada já aos quarenta e três minutos do segundo tempo...

***

...e o juiz ainda não informou de quanto será o acréscimo. Henrique reza para que sejam pelo menos dez minutos. Seu time de coração, que perde por dois a zero, está praticamente rebaixado para a segunda divisão. Só um milagre poderia reverter a situação. Conseguir um empate àquela altura da partida seria suficiente para livrá-lo da degola, mas isso parecia impossível.

Henrique, que quase nunca faltava aos jogos do seu clube, dessa vez teve que ser involuntariamente infiel. Por questões profissionais, estava em um descampado da selva amazônica de onde só conseguia acompanhar a disputa, precariamente, através de um rádio de pilhas.

Tanto pelo nervosismo decorrente do jogo, quanto pela perspectiva de ter a carga das pilhas do seu rádio zerada, Henrique desligava e ligava alternadamente o aparelho na tentativa de preservar alguma energia residual mínima que lhe garantisse escutar o final da peleja.

Contudo, sua estratégia, tão conhecida daqueles que um dia já possuíram seus radinhos de estimação, não foi eficaz e, aos quarenta e três minutos da etapa final, em pleno século XXI, na era da comunicação digital sem fronteiras, nosso ansioso torcedor ficou literalmente desconectado do mundo.

Seu celular, cuja confiabilidade já era baixa na selva de pedra, pouca utilidade demonstrou ter na selva verdadeira, exceto, talvez para servir de presente a algum índio menos amistoso.

Sem notícias, o rapaz entrou em desespero.

Ele sabia que no mundo do futebol perder um jogo ou um campeonato é bastante incômodo, mas a cura é rápida. O troco pode ser dado já na próxima partida. O fatídico rebaixamento, ao contrário, tem a capacidade de causar sofrimento prolongado que dura por pelo menos dois anos – o ano da caída e o da volta – quando se volta.

Além disso, pensava ele, a mácula do descenso ficaria eternamente na história do clube e na sua, pois ambas se confundem na consciência de quem é torcedor.

De dentro da barraca em que tentava dormir, o geólogo escutava o que pareciam ser ruídos de rojões e logo imaginou que houvessem sido estourados por aqueles babacas torcedores do grande rival. Delírio, não mais que delírio.

Assim, sua vontade era não sair mais daquele matagal. Macacos, onças, silvícolas, todos desconheciam suas preferências futebolísticas e, ao contrário dos amigos do trabalho e alguns familiares fanáticos, não iram pegar no seu pé pelo vexame.

Por outro lado, pensava ele em raros momentos de racionalidade, restava ainda um mínimo de esperança. Quem sabe se por alguma interferência divina aqueles dois gols que faltavam não teriam sido marcados?

Depois de refletir por quase uma hora, Henrique concluiu que chegara o momento de ajustar e definir qual atitude tomar: passar a noite alimentando aquela débil probabilidade do empate, correndo o risco de sofrer duas vezes, caso isso não tivesse ocorrido; assumir definitivamente que a tragédia se consumara e preparar-se para frequentar os estádios da segunda divisão, ou, por último, independente do resultado, abandonar para sempre seus vínculos emocionais com aquele e qualquer outro clube. Dali em diante só assistiria a tênis de mesa ou vôlei de praia, e sem tomar partido.

Falar é fácil! Mas depois de passar toda a infância e juventude empunhando aquela bandeira, vestindo a camisa com que seu pai o presenteara quando ainda não tinha nem um ano de idade, ele sabia que o buraco era bem mais embaixo, quase lá no fosso.

Ninguém se divorcia de um clube como se divorcia do cônjuge. Não se trata de um vínculo físico e material, e sim emocional. É impossível desligar o motor da emoção com um simples girar de uma chave.

Já que estamos condenados a amar eternamente o clube que escolhemos, pensou ele, temos que ser conscientes: a conta pelas vitórias chega mais cedo ou mais tarde.

Seja qual for o comportamento de Henrique, o certo é que o jovem deve ter sobrevivido ao impacto do resultado do jogo, que parece irrelevante, a essa altura do campeonato.

Se o time do amável leitor estiver neste ano disputando a Série B é provável que não tenha achado graça alguma nesta história. Paciência! Já que não dá para virar a casaca, que tal um plano de saúde com cobertura mais ampla...?
 

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