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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->A vida como um projeto-cap.5 a 10 -- 29/02/2000 - 11:30 (gilberto luis lima barral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Cap. 5

Me tornei um escritor para teatro. Medíocre. As minhas imagens, ou as imagens que desenho na minha cabeça são ótimas, mas na hora de passar para o papel é que são elas. Se alguém pudesse enxergar diretamente dentro da minha cabeça a imagem imaginada talvez eu fosse tão bom quanto um medalhão qualquer desses aí. Mas o problema é comigo, não com a idéia ou o texto. Eu fico muito empertigado, rescrevendo uma frase mil vezes. Me imaginando a personagem, às vezes, vou ao espelho umas cem vezes e repito a fala, tento me colocar no lugar delas e a coisa vai só piorando. Também ocorre sempre de nessas horas eu ter o súbito consciente de que sou um autor e não ator, e se quando acontece isso já é tarde eu deixo o caderno de notas cair pelo chão e vou dormir. Com o sono, a cada tentativa a coisa vai ficando mais horrível.
O nome Vernon Madruga no entanto estava impregnado no público. Me ofereciam de tudo. Tanto as mulheres quanto os homens. E estes eram ainda piores, me ofereciam até o que não poderiam dar e que eu não iria querer nunca. Que merda eu tinha me tornado aos olhos das pessoas. Mas eu iria dar a volta pôr cima, e mostrar realmente um espetáculo a altura dos meus desejos.
E será para logo, senão vou ter de recorrer aquele centro espírita, lá na passagem do viaduto, onde Allien me levou, em uma outra vez que eu estava em apuros e tinha que resolver algumas demandas, com uma certa urgência. Na ocasião fomos de bicicletas e chegamos lá em menos de uma hora.
Não deu outra, ele me levou num lugar de tirar o fôlego. A entrada era de um azul telúrico, com uma escadaria de uns vinte e cinco degraus terminando em uma curva com um espelho de cristal difuso. Vinha lá de dentro um cheiro de incenso muito bom e forte como se estivesse se borrifado continuadamente. Ao fim da escadaria eu pude ver, no fundo do cômodo, um altar e para os lados, no enorme salão, algumas mulheres descalças, vestidas, umas de branco outras de azul ou de amarelo, todas em túnicas ou vestidões em tecido leve, transparente e de cores em seus tons suaves. Á frente do altar um aquário de ágatas com várias outras pedras encrustadas protegiam umas imagens de “santos”, que recebiam um banho constante da água que vinha de uma cascata acima. O chão era forrado de cristal. Tinha ainda duas fileiras de enormes bancos coletivos, de frente para esse altar, e mais aos cantos, uns banquinhos individuais forrados com renda branca, muito alva e bem trabalhada. Por detrás do aquário um corredor delatava a existência de alguns nichos dentro daquela construção. Dali vinha uma música bonita e bem tocada. Era ao vivo, não tive dúvidas.
As mulheres eram bonitas, de todos os tipos e gostos. Uma delas me deixou desarmado, mas antes que pudesse conhecê-la, uma outra veio e tomou pelas mãos me levando pelo corredor adentro. Não hesitei. Os sons se misturaram e o cheiro de incenso aumentou. Na passagem pude ver alguns outros ambientes, mas não vi o músico que poderia estar tocando a tal cancão. Dentro do quarto ela me fez deitar numa espécie de maca e começou o trabalho, que aliás eu nem sei se foi um trabalho. Foi uma das melhores sensações da minha vida. Pode acreditar, pois eu já passei por quase todas as sensações, senão por todas. Se tratava de uma cromoterapia. Dito dessa forma é simples, mas não dá para explicar o troço todo.
Depois voltamos para o salão, nos sentamos nos banquinhos, um de frente para o outro. Ela tomou minhas mãos nas suas e começou a falar de coisas da minha vida que somente eu sabia. Fiquei estupefato, desconversei e perguntei por Allien. Como as mãos daquele anjo eram macias, eu nunca mais pude esquecer esse detalhe. As mãos macias como um floco de nuvem. O seu nome eu não perguntei, nem o soube por outras bocas, mas os toques de sua mão ficarão eternizados.
E nessa oportuna desconversada na minha cromoterapeuta eu tive tempo para correr os olhos pelo salão e nisto pude ver que a outra moca ainda estava ali, intacta morena. Allien , que era um mestre em mulheres, talvez não a tinha visto ainda, senão, adeus !
Mas além de conquistador de garotas ele era um excelente ladrão de cigarros e abastecia toda a turma de fumantes. O seu golpe para conseguir cigarros era o mais tradicional, aquele em que o cara pede a moca do balcão para lhe trocar uma nota de um, tem de ser de um, pois trocá-las somente é possível em moedas, e estas necessitam de uma atencão mais fixa. Os números nas moedas são menores, menos visíveis. Se a balconista aceita já era. Enquanto ela vai ao caixa trocar o dinheiro ele passa a mão por trás do balcão e já era uma carteira de cigarros. Pode ser que Allien tenha usado apenas uma dessas notas a vida inteira. Talvez ele encarnasse um dos tais caboclos fumadores daquele centro, pois adorava fumar. E possuía um charme todo particular na conducão de um cigarro. Uma tragada sua poderia significar tanta coisa que o melhor mesmo era observá-lo naquele seu hábito performático. Para ele fumar não era um vício.

Cap. 6

Acenei para a morena que veio ao meu encontro. Ela era a única que estava com uma vestimenta de outra cor, vermelha. Depois vim a saber que poderia ser uma pomba-gira. Mas naquela hora foi bom demais e nem me preocupo com essas coisas se a garota for mesmo legal. Ela foi muito gentil, se chamava Olívia, me disse entre beijos e sussuros. A música continuava a soar. Ficamos num dos quartos do corredor. Ela me deixou brincar com o seu corpo. E também brincava com o meu. Depois pediu que eu fosse mais devagar. Mais ou menos no compasso da música que o rapaz tocava, imaginei. Não demorou muito, a coisa toda, mas tive tempo de saber algumas coisas da garota e o número do telefone, principalmente. É bom termos contatos com algumas pessoas nesta vida e estarmos em contato com todas as outras. Até com entes de outros mundos se eles derem as suas caras.
Logo surgiu Allien na porta do quarto com um rapaz que trazia um estojo de instrumento musical nas mãos. Atravessamos o salão, descemos a escadaria e fomos para um bar, do outro lado do viaduto, em frente ao tal centro. Chegamos ao balcão, mas antes mesmo de pedirmos alguma bebida, o músico, me tomou pelo braco e me conduziu ao fundo do bar, atrás de uma cortina feita com tubinhos plásticos. A simpatia e liberdade do rapaz me encabulou. Mal tínhamos nos conhecido e ele retirou um monte de drogas de dentro do tal estojo, que deveria conter uma guitarra, ao menos, e me ofereceu. O preco era até bom dado as circunstâncias da tramóia. Mas eu não aceitei. Disse-lhe que já estava demasiado encrencado e que o que eu queria era outra coisa. Voltamos para o balcão. Bebemos algumas cervejas. Ele falou então que era um bluesman, um seguidor das tradicões e essa coisa toda. Mil vezes eu já tinha escutado este tipo de história. Tem uns caras que acham que somos todos uns tolos. O que ele queria era vender a sua droga, como não topou com um comprador, ficou tentando se desculpar. Se ele fosse mesmo um bluesman, ou outro tipo de músico qualquer não usaria um estojo de instrumento para maletar suas drogas. É um ultraje e quase nunca funciona, pois ser músico ou carregar instrumentos é um bom motivo para que os policiais fiquem de olho em você. E como pode ser que um cara, que toca até bem, fique dentro de um centro espírita e depois tente vender as coisas para alguns dos frequentadores do local. Será que eu realmente tinha ido a um lugar desses, será que ali eu conseguiria a solucão para alguma coisa que eu buscava ? Mas que eu tinha saído leve dali, isso sim era verdade. E que saudades da morena ! E também da cromoterapeuta, só que eu não sei seu nome e quase não gosto de falar das pessoas sem dar os nomes. Fica parecendo ficcão.

Cap. 7

Segunda, terca e quarta-feira o lugar mais parado do planeta é o Love Love, o bar centenário da cidade. Desde as últimas férias que toda vez que paro por ali não saio sóbrio, e quanto mais bebo mais vou tendo essas lembrancas do passado. O pior é que eu detesto essa coisa de passado. Até que nas minhas andancas por outros lugares eu não ligo muito para isso, e, às vezes, até acabo deitando conversas sobre meu passado. No Love Love tem esse lado chato, as pessoas, cada uma delas com suas histórias, ficam a exibí-las. E quanto mais bebem, e no início da semana se bebe muito, mais se alteram e vão assumindo suas verdadeiras personalidades.
Mas da Quinta-feira até o Domingo não tem disso lá não, é só a juventude que aparece e fica por ali. Com essa minha mania súbita de ficar lembrando de coisas do passado eu não fico nestes dias de fim-de-semana, pois seria horrível ser visto assim me exibindo todo. Mary Annie faria isto. É a amiga mais retardada que alguém poderia ter. Para ela é mole subir numa mesa e com aquela voz esganicada comecar a cantar as suas músicas para dez, vinte ou cem pessoas. As suas próprias músicas. Ele tem o jeito com a poesia. E dessas lembrancas do passado a palavra-chave que fica é projeto. E tenham certeza que isto esta intimamente ligado ao estado atual em que se encontra a minha vida. Estou destrocado, diriam os chicanos mais melancólicos. Se ao menos eu tivesse uma idéia na cabeca, a camera meu irmão tem e eu poderia pegar emprestado. Mas e a idéia ? Bom, eu poderia pegar emprestado também, quem sabe ? Afinal, dizem por aí que ninguém pode inventar mais porcaria alguma, que tudo já esta dado, etc.
Escrever para o teatro estava me levando cada vez mais para a bancarrota. Cinema poderia ser uma saída. E eu tenho muitos amigos, aqui e ali, nesse meio artístico. Afinal do teatro para o cinema a distância não é assim tão grande. Por um outro lado é enorme, mas esse não conta nessas horas.
A camera filmadora do meu irmão é uma maravilha da sétima arte. A minha madrinha, pessoa de excelente gosto e poder aquisitivo para sustentá-lo, tinha lhe dado de presente. Ela não costumava economizar nas boas coisas, e tinha uma firme conviccão que meu irmão seria um cineasta ou coisa parecida. Ele ficou na coisa parecida. Esta quase rico. Mais uns dois anos e ganha o seu primeiro milhão.
Minha madrinha teve câncer por dez anos e nunca, até os dois últimos meses antes de morrer, quando já não tinha mais como ninguém não ver, ela permanecera calada sobre a sua doenca fatal.
A sua vida fora uma maravilha. Ela vivia viajando, e como não tinha filhos e nem marido tudo de bom ficava para os sobrinhos. Ela trazia presentes de todos os lugares que conhecia. Mas o bom mesmo era fazer-lhe companhia nestas viagens, que moleza !
Nas últimas férias, quando viajei sozinho para o litoral, eu tive muitas saudades dela. Mas acabei conhecendo uns caras que me salvou. A gente sempre encontra alguma saída quando esta pelo mundo. Eles haviam invadido uma mansão que estava a venda e estavam por ali curtindo as sua férias tranquilamente. Depois eu conta esta história, voltemos.
Como boa viajante que era a minha madrinha era cheia de óculos, roupas e histórias malucas. Era uma madrinha aos moldes, digamos, e talvez permanecerá sendo até o dia em que inventem uma como ela. Mas como não há mais nada para inventar, suportem garotos !
No entanto não deve Ter sido fácil a sua relacão com a doenca. A morte em si foi rápida, menos de dois meses. Do dia 19 de dezembro aos 25 de fevereiro seguinte. Mas todos esses dias sob sedativos. Uma morte tranquila, como disse-nos o Dr. Richard. Aguentar os dez anos sem dizer nada é que eu não sei se foram assim tranquilos. Ou talvez os foram, quem é que sabe ?
A minha amiga Dra. Mary Annie, uma psicóloga respeitadíssima costuma dizer que felizes são as pessoas que adquirem essas doencas fatais, pois estas têm tempo para refletir sobre o valor da vida. Uma mistura estranha de Ciência, economia e misticismo. Talvez uma nova pesquisa interdisciplinar, acredito. Mas so tem seriedade porque vem da cabeca da louca da Mary Annie, minha amiga de farra e respeitada psicóloga. Eu gosto muito dela. Numa de nossas conversas eu sugeri que ela adquirisse uma dessas doencas, afinal é fácil, mas ela nunca se animou. Ao contrário, faz-se de esquerda.
Mas eu gosto muito de ter tido a sorte de Ter uma madrinha como a minha. Sorte mesmo não tive na partilha dos bens. Ela era muito rica. Mas deixou tudo para outras pessoas. Que pena, senão com certeza as minhas lamúrias seriam outras.


Cap. 8

E talvez estivesse em outro lugar. Não que eu não goste do Love Love. Mas estou muito preocupado com o meu futuro. Nestes dias de comeco de semana o bar fica mais tranquilo, embora tenha esses caras que ficam a contar suas histórias. Hojé como é terca-feira é dia de trabalho, e também como disse no comeco da semana é que se bebe mais. Eu ainda um pouco mais porque gosto de trabalhar bebericando. Estou escrevendo um ensaio sobre teatro para salas de bate-papo virtual. Os escritores americanos de ficcão do comeco do século já escreveram quase tudo sobre essas coisas de mundos modernos. Estou tentando completar alguma coisa com outros capítulos. Por exemplo eles nos apresentavam uns projetos de máquinas computadores muito amolecados, uns robozinhos risonhos que brilham as amáceas da “face” para nós como se estivessem sempre a nos cumprimentar o tempo todo que eu jamais consegui descrever coisa parecida, ou com tal engenhosidade. Uns robôs que transmitem aquela sensacão que temos quando passamos por uma pessoa a vida inteira e nunca a cumprimentamos de verdade, apenas maneamos a cabeca. Essa situacão me deixa mais curioso que constrangido.
Anexei algumas coisas que eu via de minha mesa ao ensaio, ficou bom. Escrever sentado em um bar tem essa vantagem de você poder ver tudo a sua volta como as coisa que eu disse que Robbie sempre perde por estar sempre andando em seus veículos e não poder voltar a atencão para a paisagem, que afinal é grátis. Mesmo as mais horríveis . E talvez a pior delas é mais de graca ainda. Veio-me a observacão de que o horário de apresentacão de pecas teatrais e da entrada do pessoal na rede internet são parecidos, lancei-as também ao ensaio. Estava trabalhando sério. Em menos de duas ficou tudo prontinho, só faltava ser editado, e ai não era mais comigo, embora eu goste também desta fase do trabalho.
Para comemorar o fim desse trabalho pedi o Allison, garcom gente fina, as minhas duas garrafas de cervejas que ele já serviu, misturando-as, como eu gosto, no copo médio e congelado com sal nas bordas. Louie e eu descobrimos esse coquetel. É uma pena que a gente não se veja a tanto tempo. Eu acho que o mundo do amor perde muito com o nosso desencontro. Formamos o casal mais perfeito aos olhos de todos que nos viu em nossos passeios. A cidade era pequena para nós, por isso partíamos todas as sextas-feiras para algum outro lugar do mundo. A sua beleza e desenvoltura abriam as portas. Se eu fosse montar o projeto conforme havia já conversado com Robbie e mais alguns procuraria Louie para lhe oferecer a direcão de producão, ou algo semelhante, talvez ela aceitasse em nome dos velhos tempos. E pelo projeto que agora já estava mais ou menos definido. Precisaríamos apenas de algumas reuniões e contatar as pessoas. Tem coisas que se resolvem apenas com um telefonema e as vezes ficamos em apuros e não damos este telefonema.
Ao meu sinal Allison trouxe uma cerveja grande amarela e um outro copo, este em temperatura normal. Pedi-lhe também uma dose de destilado que veio generosa. Sempre que vou beber um destilado tento fazer aquela expressão usual à sensacão de ardor que este provoca, aquela boca em formato de “u”, mas nunca consigo, toda vez sai um “ah” pelos dentes inferiores que não condiz com a imagem estabelecida e que Louie sabe fazer tão bem. Não deu outra, liguei para ela. Antes do almoco duas cervejas misturadas, mais um cerveja pura e uma dose generosa de destilado dá saudades na gente. Caiu na secretária eletrônica que explicava que era um servico de mensagens e que deixássemos a nossa mensagem depois do sinal que seria esta enviada ao usuário. Não pude nem ao menos ouvir aquela velha mensagem anterior que era com a sua própria voz e com uma cancão maravilhosa do Marc Bolan ao fundo que deixava qualquer um mais saudoso ainda. A saudade apertou um pouco mais.
Lembrei-me das madrugadas embaladas com estes sons americanos e do mundo todo, conversas variadas, gargalhadas, contos de terror, movimentacão, bares, bandas, becos estreitos ou mesmo em casa de algum fazendo as festas intermináveis. Festa para levantar grana para o conserto do carro de Robbie. Festa para o lancamento da candidatura do pai dele. Festa-churrasco que a Louie organiza por nada, apenas por farra, e eram sempre as melhores e mais preferidas. Festa para o após o show da nossa banda que também tinha um somzinho ao vivo, quando ainda estávamos de pé.
E tem gente estudando esses negócios aí e dizendo que foi a década perdida aquela geracão de pouco tempo atrás, a nossa. Quando comecarem a desenterrar esse troco todo vai sair cadáver atrás do outro. Podem esperar.
Dos contos de terror que líamos não sobrou-me muitas lembrancas. Mas duas histórias de terror que aconteceram, de verdade, foram muito engracadas e merecem serem contadas.
A primeira foi em minha casa, um sobrado antigo, da época dos escravos, é engracado falar assim, com um porão que ainda conservava um argolão em corrente para a prisão ou o castigo e um catre com estrado de fitas largas de couro. Coisa rústica mesmo e até um pouco sombria. Mas eu morava ali e a casa era largamente frequentada. E ninguém ia mesmo ao tal porão.
Aconteceu de eu e Baldim um dia, enquanto fazíamos a limpeza deste porão, de levarmos um relógio despertador para lá, pois tinhamos tempo marcado, e assim não perderíamos o horário. Terminamos esse servico rapidamente. E subimos de volta para os cômodos principais. Já devíamos a essa altura termos bebido umas mil cervejas. E ainda tinha mais umas duas mil na geladeira esperando a gente. Tinhamos que beber o mais que pudéssemos porque não íamos esperar a festa até o fim, se ela fosse ter um, pois estaríamos partindo à meia-noite, eu, ele e os outros para uma de nossas viagens para fora do mundo pequeno. A Louie também iria com a Mary Annie e Trissina. E foi justamente esta a causadora da história de fantasmas que aconteceu naquela tarde antes da festa comecar.
Estávamos eu, Baldim, Mary e Trissina ali na tarde preparando as comidas, umas frutas recortadas em formas geométricas, que aprendemos a fazer na universidade, e contando uns casos. Baldim sentou à porta da cozinha, como ele sempre fazia quando ia em minha casa, e comecou a ler um história de um livro qualquer que ele sempre trazia consigo. Era o intelectual maldito da turma.
A história falava de um rapaz que sempre batia na mãe, desde muito crianca ainda. Dessas histórias para se contar para os meninos para eles não desrespeitarem os pais ou mesmo bater-lhes. O cara cresceu e sua forca também e ele foi batendo na mãe, quando não saía com ela a carregar-lhe nas costas pelas ruas como a uma égua. E foi assim até matá-la. O texto tinha passagens mesmo cabeludas. A imaginacão da lenda popular é fantástica. E se tratava mesmo de um desses contos fantásticos populares. A parte que finaliza a história é então mais cabeluda quando chega a morte desse rapaz. Ele não consegue ficar dentro da sepultura, ou melhor a sepultura não consegue prendê-lo. Os seus membros vão se enrijecendo e esticando e vão perfurando a terra e saindo solo acima de modo que ele se torna um terror e um estorvo para a populacão. Veio padres, misticos, especialisatas e tudo mais de todos os lugares do mundo para tentar entender o caso.
Eu não me recordo do final da história. Na verdade nós nem chegamos até o fim. Trissina nos pertubava a narrativa pedindo que Baldim parasse. Mas me parece que a solucão foi a mais óbvia. Eu acho que eles picaram o cara em pedacos, não sei.
Nessa parte Trissina estava nos matando de rir de tanto que pedia a Baldim que parece, claramente em aflicão, eu e Mary percebíamos. O narrador não, estava tomado em seu espetáculo, quando o relógio que havíamos deixado no porão dispara lá embaixo. Trissina, num súbito, passou por cima da mesa e tentou atingir a porta da saída, mas foi impedida por uma estante que ficava na passagem e lhe mandou ao hospital com um corte na testa que lhe custou treze pontos mais uma cicatriz que ficou linda. Um despertador e uma história, que terror.
A Segunda história é de menos terror, não tem essa coisa de treze pontos, nem de ferradura com sete números, e nem de nada, mas é de melhor no conteúdo fantasmagórico. Aconteceu no dia em que eu fui para o estúdio, confuso e esquecido, por causa da bebedeira que se me arrastou esse “todo dia”. Mas como estava sozinho, e não tenho provas do acontecido ninguém iria acreditar. Como não acreditaram, na época, por isso transformei depois essa história num texto teatral que ficou com o nome de “O fantasma da oficina”. Essa história de fantasma que aconteceu comigo é mesmo verdadeira e espero que, depois de lhes contar antes um outro fato acontecido comigo, vocês venham a acreditar mais em minha pessoa e na minha história de fantasmas.
Mas na versão do teatro vocês poderão ver toda a trama desse “fantasma da oficina”. Eu tenho um projeto para levar essa peca aos palcos um dia, nem que seja a última coisa que farei nesta vida, porque ela foi a única coisa verdadeiramente misteriosa, fantástica, sobrenatural que me aconteceu até agora, com excecão de Louie e o bar Love Love que é de onde eu posso tecer as mais variadas redes de relacões, enquanto trabalho. Ou mesmo posso parar o trabalho para diverti-me rapidamente. Porque nem tudo tem tanta pressa, mas tudo tem seu tempo. Ou em outras palavras tudo pode esperar um pouco mais. Nada deve ficar para depois senão blau blau.

Cap. 9

O episódio que devo contar, antes do segundo caso de fantasmas, aconteceu comigo nos meus oito anos de idade. Eu era devoto até o joelho e ainda conservo mesmo o medo do inferno e de todos os lugares escuros ou que, por exemplo, tenham semelhancas com aquelas ilustracões dos episódios do inferno e do purgatório do escritor chamado Dante. Nós, dos mundo civilizados conhecemos esses infernos. Uma boa parte deles a gente cria e outras a gente descobre na nossa existência se o permitimos. Hoje eu não durmo mais com a luz acesa.
E o inferno nem é mais escuro, ele esta sempre com umas lâmpadas vermelhas acessas, que buscam energia das fornalhas onde as capetas esquetam a ponta setuda de seus rabinhos. Nunca me vem a imagem de capetas machos fazendo isto, não é mentira !
E de tão devoto eu passei mesmo foi a me encher de medos. Eu tinha medo de tudo e ainda tenho de algumas coisas. E como eu rezava, só vendo. Eu acordava a noite inteira e ficava puto com isso. Até o dia em que eu botei o dedo para fora da janela, naquela madrugada de calor intenso e insuportável, e este quando trazido de volta, pelo movimento do braco, se mostrou completamente congelado e rígido. Foi um milagre, até hoje carrego comigo este momento, era uma dia muito quente, não dava para esquecê-lo. Daqueles dias que você sente o cheiro do cloro e parece mais jovem, no entanto se você não pode sair desse local ai agora e ir para o clube de nada vale. Mas o clube esta lá aberto com aquela piscina clara, azul e uma mesa redonda de madeira. Você e uma garota, quem sabe. Não uma qualquer porque hoje sendo terca-feira gorda somente serveria uma garota que fosse especial, que por exemplo aceite beber umas cervejinhas e se sentir bem, cheia de sorrisos e de graca.
Melhor ainda seria nessa terca-feira você se escapulir para uma casa, em algum tipo de chácara com alguns amigos e tratarem de fazer um barulho, jogarem água, conversarem, dancarem.
Ou apenas ficar à porta da casa da chácara olhando para o rosto de Louie, como nós fazíamos e ficar beijando a sua boca e ela beijando a minha, óbvio, mas é preciso dizer com todas as letras porque beijo é uma coisa sublime de deliciosa. Em relacão aos beijos até hoje foram os meus mais demorados e acredito que os dela também.
A gente comecou juntos esse negócio de beijar. Beijar demoradamente e com muito gosto. Um gosto de nada, parece, que apenas não se conseguia sentí-lo em sua inteireza e por isso, acredito, a gente continuava, iludidos talvez com a perspectiva de que seríamos quem chegaria a uma definicão do amor. Uma coisa sem pé nem cabeca. Eu não consigo entender porque a gente se beijava tanto e era tão bom. Eu ainda gosto muito de beijar, mas não é disso que estou falando e nem de amor, talvez, mas de beijo sim, isto é certo.
Esse episódio do dedo congelado por um milagre qualquer numa noite de verão é que me faz acreditar que eu realmente estive com um fantasma aquele dia na oficina. Pois a partir desse episódio comecei a dar para conversar com outros mundos.
Na verdade o tal fantasma tinha a forma de uma mulher. E esta tomou conta de mim por algumas horas e só me deixou quando ficou certificada de que estava bom. Eu não tenho essa coisa de misticismo, mas se trata mesmo de um caso de fantasmas. Os especialistas comprovam e também eles, pela própria especialidade, nem tentariam discordar. Eu sei como são essas coisas, mas falo por experiência própria.
Quando estivermos prontamente reunidos para o ensaio geral eu vou explicar novamente o sentido da história e vocês poderão compreenderem melhor. Por enquanto é só uma história minha, particular e que não interessaria a ninguém, principalmente por que todos tem as suas, mas quando estiver acabada, pronta em forma de uma peca vocês vão me dar razão e ficaram pensando na possibilidade de essa história ter mesmo acontecido, porque como disse, acontece com qualquer um.
Mas o ambiente e o estado de espírito da pessoas mandam muito para que essas coisas acontecam. Se é que acontecem.


Cap. 10

Quando eu como pato eu nunca sei se ele é macho ou não, mas eu sei que é muito bom. Ouvi essa frase vindo lá de dentro do bar. Eu não estava com fome, mas fiquei animado. Pato é um prato muito bom e famoso. Os patos em si também são muito famosos, eu não sei porque. De uma so tacada eu posso falar de três histórias de pato famosas. A daqueles patos da Walt Disney, a dos patinhos do Sallinger e uma outra que acho muito engracada que a que o avô de Dean contava que ele fazia quando moleque e que em resumo não tem muita graca, mas é o seguinte. Quando garoto James Dean amarrava uns dentes de milho em uma linha de nylon e os jogava aos patos. Eles, como todos sabem, comem e defecam ao mesmo tempo, a comida passa muito rapidamente pelos seus intestinos. Esse milho era atirado a outros patos, de modo que em poucos minutos ele construia um colar de patos. Quando li essa história não pude deixar de exclamar: “esse cara é uma besta !” Eu achei a história muito engracada, e tomara que tenha sido real, pois assim talvez o melancólico Dean tenha achado graca na vida em alguma coisa. Porque chances ele teve. E tão grandes quanto as minhas, ou de Louie e menos, por exemplo, que as de Vivian, o músico. Eu poderia usar a cancão “Cerveja Amarela” para alguma coisa.
A minha confusão com os patos comecou mesmo com essa frase que ouvi assim pela primeira vez hoje. É outra coisa também difícil de acreditar, e estou sozinho então não tenho provas. A gente não sabe mesmo quando estamos a comer um pato ou uma pata.Com os frangos não. Comer um galo é diferente de comer uma galinha. O modo de preparar é diferente, tudo é diferente.
Aqui eles recolheram um cardápio com os melhores tira-gostos do mundo e os servem ao modo e tudo. Tem também vários pratos. A gente mesmo se quiser pode ir até a cozinha e mandar alguma coisa. Eu digo e repito, para mim, é como um lar doce lar. Tanto posso ficar ali na mesa-redoma com as bebidas e o bloco de notas quanto posso levantar, circular, ir até o telefone, ou ao banheiro. Tem os reservados que servem para namorar em primeiro lugar e dormir em segundo.
Eu estava numa mesa-redoma profunda hoje. Só queria trabalho e nada mais. Também se pudesse não queria que o dia clareasse. Eu estava com enormes problemas. A minha perna estava inchada, a minha barriga doía. O mundo estava desabado. Tinha o problema do projeto. Que eu não conseguia decidir qual era o melhor, se se pode dizer assim, e também eu não conseguia encontrar os parceiros para conversarmos. E o problema normal de muita gente, dinheiro. Não confunda esse normal da frase. Eu sei melhor do que ninguém como se forma esse problema.
Mas eu não queria que o dia clareasse porque ele estava em um tom realmente muito bom. Desses dias em que você, mesmo muito empertigado, consegue manter uma distância boa com as confusões e consegue se sentir mais calmo. Um dia suave, bom para o trabalho, a diversão ou qualquer coisa. Eu estava bem acomodado ali. Não estava feliz, mas bem acomodado. Uma outra cerveja caiu bem.
Ajudou inclusive a trazer à minha enevoada cabeca a lembranca do dia em que conheci Louie. Ela estava ao natural. Foi em uma das minhas inúmeras viagens.
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