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Artigos-->Um Conto Sobre a Esperança -- 15/03/2004 - 16:03 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A MORTE DA ESPERANÇA

(Por Domingos Oliveira M edeiros)



Saíra de casa lá pelas cinco da manhã. Com um cafezinho. Para reanimar. Tinha deixado de fumar. Ou melhor. Não queria ter deixado. Mas não tinha mais dinheiro. E a vergonha de pedir um cigarro, um cigarrinho, ou correr atrás de uma guimba, um toco de cigarro, ainda aceso, jogado no chão, naquele instante, atingiu-lhe de raspão o pouco que ainda lhe restava de dignidade. E ele parou de fumar. Foi, na verdade, obrigado pelas circunstâncias.



No bolso, duas ou três moedas das maiores. Um pouco mais das menores. E algumas notas velhas e amassadas. Era todo o seu investimento; que lhe rendia preocupação, com juros e correção monetária. Vez por outra, apalpava seu bolso para verificar se o dinheiro ainda estava por lá.



Chegou a pensar em comprar um pãozinho. E deixou pra lá. Lembrou-se, a tempo, que pão era carboidrato. Não fazia bem à saúde. Embora ele não tivesse tanta saúde assim, era bom se cuidar. E deixou o pão esfriar na padaria junto com seu desejo atiçado pela fome.



Entrou no ônibus, que já estava no ponto final, esperando a partida para iniciar sua primeira viagem. Mas teve que descer do ônibus. Tão logo levantou suas vistas na direção da placa pendurada logo acima do assento do cobrador. A passagem tinha aumentado. E ele estava mal informado. Sem dinheiro para o jornal; e sem escutar o rádio. Sua luz estava cortada; e o rádio de pilha, sem a pilha, não funcionava. Faltava dinheiro para ele voltar a se comunicar com o mundo.



Desistiu do ônibus. E saiu com pressa na direção da plataforma da estação ferroviária. O trem era mais barato que o ônibus. Estava meio tonto. Seria fome? Talvez. Ou falta de exercício? Pensava no seu modo de vida. Na ociosidade que lhe fora imposta. Era um homem amargurado. Não sentia vontade de correr, de nadar, de pular. A última vez que correu tinha sido atrás de um emprego. Mas isso já fazia mais de dois anos. Estava fora de forma. Mas sempre procurava uma fila. E a fila, hoje, era seu destino. Mas ele não desanimava.



Tudo começara com um recorte de jornal. A oferta de emprego era uma proposta digna de sua experiência. Preenchia todos os requisitos com folga. O emprego era dele. Não tinha dúvidas disso. Só dependia de chegar ao local. De preferência, ser o primeiro a ser atendido. Nem que não fosse primeiro! Ninguém teria tanta experiência como ele. Era só uma questão de tempo. O emprego já era dele, e pronto. Seria entrevistado e assinaria o contrato. Começaria amanhã mesmo. Já fazia planos de como gastar o primeiro salário. Parte, seria destinado ao pagamento de algumas contas. Parte, compraria comida. O básico. Feijão, arroz, óleo, ovos, essas coisas. Reservaria uma quantia para cobrir os custos com transporte. E com o restante pagaria a luz. E assim partiu para a viagem de trem.



No percurso continuou com os seus pensamentos. Coisas de quem tem um emprego. Assim que recebesse o cartão do plano de saúde, que a empresa prometia junto com o salário atraente, iria levar as crianças ao médico. Depois ele e sua mulher fariam uma revisão. Todos estavam precisando de uma série de exames. E os remédios? Não acreditava que precisaria de tanto. A maioria dos casos de doença era resolvido com chá caseiro. Iria tomar mais cuidado, agora, com relação a gravidez. Quem sabe , até poderia comprar camisinhas? Ou, até mesmo, um anticoncepcional? Filhos, à esta altura, nem pensar!



Olhou para os seus sapatos e não teve dúvidas. Incluiu a compra de um par, tão logo recebesse o pagamento. Um cinto? Não. Compraria uma calça com elástico na cinta. Meias? Talvez dois pares. E a escola para os meninos? A escola era de graça, da rede estadual de ensino. Só tinha despesa com cadernos, lápis, lápis de cera, cartolinas, tintas, caderno de desenho. Para que tudo isso? Deixa pra lá! Depois iria negociar com a professora, pensou.



Estava pensando numa geladeira e num fogão novos, quando o trem parou na estação que queria. Sentiu-se um pouco nervoso. Afinal, estava fraco, só com um cafezinho. Mas respirou fundo, ajeitou o cabelo, e tirou do bolso o recorte de jornal para conferir o endereço; e foi em frente; como se tivesse ganho na loteria. Chegou a ensaiar alguns assobios, mas, diante dos olhares estranhos dos transeuntes, resolveu optar pelo silêncio.



Avistou, de longe, o prédio que procurava. Quer dizer, achava que fosse. Só havia aquela construção comercial mais próxima do número indicado no recorte de jornal. A entrada era bonita. Começava a desenvolver certa empatia com o local de seu novo emprego.



Entrou na portaria e dirigiu-se ao setor de informações. Lembrou-se que era justamente para aquele setor que estavam precisando de empregado com experiência; que, aliás, ele tinha de sobra. Já provara várias vezes. Tinha boa memória, era bastante comunicativo e simpático. E gostava de lidar com pessoas. Já lhe haviam dito tudo isso; inclusive, que tinha “carisma”. Coisa que ele sabia que era boa coisa, mas que não sabia, exatamente, que coisa era.



E assim chegou ao seu local de trabalho. Onde iria passar algum tempo, com muita dedicação e, quem sabe, subir na empresa? Melhorar de posição e de salário. Já fazia planos para continuar os estudos. Com um largo sorriso, deu um bom dia sonoro e simpático para a recepcionista. E mostrou o recorte do jornal, manifestando seu interesse em trabalhar na empresa.



A moça pegou o recorte, colocou seus óculos e examinou o anúncio com bastante atenção. Enquanto isso, o homem vagueava, com seu olhar curioso, por todos os lados. Já estava se familiarizando com o seu ambiente de trabalho, quando a moça batendo, de leve, com a mão em seu ombro, chamou sua atenção.



Moço! Esse emprego já foi preenchido. – Como assim, se eu fui o primeiro a chegar? Não vi ninguém na minha frente! E nem sequer fui entrevistado! Deve estar havendo, com certeza, algum engano!



E a moça, calmamente, respondeu: Desculpe-me mas o lugar que o senhor tanto almejava está sendo ocupado por mim. Pela senhora? Sim. Este recorte de jornal é da semana passada. Lamento, profundamente! O choque foi inevitável. E um silêncio, tomou conta do ambiente. Houve um impacto; e um silêncio de alguns segundos.



Ele não disse uma só palavra. Refeito do impacto, voltou para a estação do trem. Sem assobios. Calado. Esperou pelo trem. Desta vez, sem muita pressa. Deixou em algum lugar de sua mente a geladeira, o fogão novo, o par de sapatos e o pãozinho, frio e endurecido, à esta altura. Suspendeu todas as compras. Adiou todos os sonhos. Ficou com a dura e cruel realidade: com fome, sem cigarros e sem dinheiro. E sem emprego. Indignado. Triste. Envergonhado. Diminuído. Sem saber o que dizer em casa. Sentado no banco da estação tomou a decisão: esperar à noite chegar. Essa notícia ele daria no escuro de sua casa. Pelo menos para isso o corte de luz serviu. Para que ninguém o visse chorar.



Do livro do autor: "Sonhos & Pesadelos"





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