Esquecer
maria da graça almeida
Tua despedida me contunde e na inquietude que me atinge sinto que o desamor não destrói lembranças prazerosas .
Preciso esquecer tua voz e ouço-a nos bilhetes, nos livros, na letra das músicas. Um falso deleite.
Quero livrar-me de teu rosto e descubro teu perfil nas sombras dos retratos,
nos cartazes de filmes antigos, nos entardeceres "semifoscos", quando a luz da cidade somente ainda é um pirilampo desbotado.
Quero fugir de teus passos e pressinto-os nas árvores sombrias das alamedas solitárias; nas escadas escorregadias dos aeroportos, das estações rodoviárias.
Tento apagar tua oração e releio-a nas igrejas reformadas, nas imagens restauradas, no segredo dos relicários, no refrão do apego, no desvão do medo, na ladainha da paixão.
Quero expurgar-te do pensamento, pois que tu,inevitavelmente, fizeste por merecer
porém, com tantas tentativas de esquecer ainda mais, sempre mais, cada vez mais me lembro de ti e sem pudor, sem respeito, absorvo e absolvo-te, abençôo, perdôo.
Em ti entranho-me, perco-me. E por ti me condeno. Se tua ausência insiste em restringir meus caminhos, tua presença para sempre me subtrairá a dignidade, a coragem da negação e, sobretudo, a suprema força da abstenção.
(maria da graça almeida)
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