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Cartas-->Cartas de Saint-Michel -- 21/01/2016 - 10:12 (José Ernesto Kappel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Estas cartas foram escritas na cidade de Saint-Michel, que fica a 360 km de Paris, Saint-Michel tem tudo de ares medievais, desde o traçado das ruas até as casas. É encantadora.



Foi em uma daquelas casas que Marie uma moradora da localidade que se correspondeu comigo. Nascida no Brasil, mudou-se para lá.



Ela me enviou as cartas para lê-las, eu respodi, e eu resolvi publicar. E eu resovi corresponder. Sempre tentando entender o que se passava com aquela mulher tão iluninada e soberba em palavras. A história é entre dois amigos, seus anseios, medos felcidades. Resolvi nao mudar nada do que foi escrito.





" Amor Querido

Não existem palavras que possam expressar o tanto de saudade que habita minha alma e faz doer o coração.



Não existem palavras que expressem o imenso do amor que plaina meu peito e faz escorrer quietinhas as lágrimas pela face. E não existem palavras que expressem os sentimentos que me permeiam a alma no momento em que silenciosamente lhe escrevo.



Tão longe estou que meus olhos podem contemplar as montanhas mais altas, mas não podem ver a face amada. Tão longe estou...



Contemplo as florezinhas sobre os campos e tento imaginar nós dois como nunca vivemos... andar – mãos dadas, sorriso nos lábios - sobre o tapete de flores brancas e deitar os olhos sobre as alturas que assustam pela sua grandeza e majestade... um sonho que nunca foi – e, eu sei, nunca mais será...



Como dói sua ausência e seu silêncio em minha vida. É assim que tenho você presente. No nó da saudade e da falta que você me faz e no imenso amor que me habita inteira...



E estou aqui, tão distante, sentindo você... na dor do peito adornado pelo amor que lhe tenho e que irá comigo para a eternidade de luz...



Um beijo meu amor querido."







Alô Marie. Continuo no meu front de guerra. É aquela guerra interior que não amaina, não reduz, não tem espaço. Tenho que enfrentá-la sozinho. Mas agora mesmo remoendo coisas antigas achei esta belíssima carta sua, escrita em junho de 2015.



Ela contém endossos que, ao relê-la, me deslumbrou a calmaria. Vi tanta beleza nela que ouso publicá-la.



Ouso porque não tenho muitas regras particulares a seguir. Acho que o meu viver é quebrar regras. Caso contrário você mergulha na rotina.



E a rotina dos meus dias só podem ser quebradas com as palavras que você escreveu. Eu as absorvo e me parece que entro em profunda calmaria.



Você é quebradora de regras e eu também.



Mas assim mesmo não me sinto à vontade com o passar dos dias. Meu corpo - já disse antes - sofre estranhas transformações e perguntas me assolam.



Depois de alguns anos passei por uma avenida - onde na juventudade, amava, brincava, cantava e até me embebedava. Coisas de minha hora.



Mas me houve uma estranha sensação neste dia que eu voltava a mesma avenida onde felicidade era felicidade mesmo e havia os amores férteis, passageiros, outros nem tanto.



Por cerca de alguns segundos meu deu uma pane incontrolável : eu não sabia onde estava.



Terrível. Olhei para os lados e lados e lados e não reconhecia onde estava. O cérebro, por alguma razão, me bloqueou e fiquei apático.



Maria, simplesmente, por 5 segundos, mais ou menos, eu desconhecia tudo, não sabia onde estava.



Voltei ao normal logo em seguida. A paz do meu tempo havia sido bloqueada por alguma razão. Medo. Sim, fiquei com medo e segurei o volante com mais força, como algo quisesse me tirar do minha época.



Não ia falar com você sobre isso, porque era impiedoso. Mas depois da noite vem o sol e me deparei com suas palavras que estão acima. Minha tortura foi sendo esquecida pelas suas palavras.



Sei que a vida é díspare, ociosa e por vezes a alegria se confunde com a tristeza. Sei que o tempo é longo mas também é curto. E cada coisa que me passa eu procuro em você a paz.



Mas, mesmo naquele tempo, quando a gente era jovem demais eu, dentro de minhas alegrias, também sentia que havia algo errado no meu tempo.



Eu só me perguntava, da onde vinha e pra onde ia. A agrura ficava mais forte quando eu me perguntava : afinal, o que estou fazendo aqui ?



Até hoje, já beirando a velhice, me pergunto : será que nasci no tempo certo ?



São simplesmente coisas e perguntas de minha vida que eu repasso para você.







"A manhã se faz destas horas do tempo que o pensamento voa longe, asas abertas, contemplando a imensidão. Na profundidade do tempo o silêncio, e dentro dele a saudade que o momento que passou deixa todos os dias em nossa janela do tempo. Fazem séculos que nossas palavras se entrecruzam construindo edifícios de luzes, traçando sonhos e utopias de viver. Somos qual pássaros em migração. Ou fazemos parte daquele imenso balé de borboletas monarcas que migra em busca de uma geração nova que seja forte o suficiente para resistir as viagens em busca de calor e sonho para continuar adiante. Viajamos através do tempo com nossas asas cansadas mas ardentes de vida.



E nos quedamos, a alma apaixonada e embevecida, quando o sonho chega e nos permite aquietar e acalmar mutuamente de nossos voos migratórios.."







Seus pássaros me atordoam, céu azul buscado pela lente de uma poetisa, também me tonteam. Belas palavras que também me expressam ao tentar fixar as belezas do mundo que hoje pouca gente se dá o trabalho de perceber que, ao seu redor, vicejam coisas maravilhosas.

No céu ou na terra há belezas que muitos procuram, muitos acham, outros não.

O nosso céu é um misto de beleza e nos ajuda a uma meditação íntima. São espelhos de nós mesmos.

O nosso céu é um Movimento Contínuo - um Moto Perpétuo - que nos cabe perceber. Os pássaros e o céu azul podem ser nostálgicos, mas nos leva a pensar de onde surgiu tanta grandiosidade.

Se você tirasse esta foto , segundos depois, veria que alguma coisa mudou, mesmo com a volta dos pássaros. Na Física é um Movimento Contínuo. Para nós, leigos, é a percepção da vida.

E a cada um cabe receber essas mensagens pois cada um vê de uma maneira.

E para perceber o Moto Contínuo do céu não é necessário possuir máquinas poderosas, lentes gigantescas , de astrofísicos ou astrômonos.

É necessário ter um coração aberto para o amor e uma sensibilidade de poeta.

Já vi centenas de fotos de pássaros e céu azul e borbulhante de luz. E reparei que não existe uma igual a outra, mesmo que sejam tiradas segundo após segundo.

Nada é igual no tempo.

Tudo muda, tudo se transforma - num tempo inimaginável - e na natureza e, no ser humano, é nos mostrado. São poucos que tem o dom da abstração e sensibilidade para perceber que essa é nossa vida.

Somos pássaros e céus.

E a cada cabe sentir de uma maneira.

Cada um é cada um.

Mas, nós todos não percebemos que além disso tudo há o mais além disso tudo.

Quem abraça a natureza, consegue amor o mais profundo e entende que é esse amor que falta ser percebido e nele se absorver.

É quando você se sente viva e faz parte de um mundo maravilhoso.

É para mim tão difícil explicar como fazer parte deste mundo.

Todos nós somos um, todos nós somos amor e beleza.

Me desculpe, nesta carta se me alonguei e, subitamente não soube explicar o que todos deviam sentir no toque de amor que jorra na natureza e em nós, pobres humanos, não entendemos a intensa mutante do mundo e a procura do amor.

Uns encontram, outros não.

Exatamente porque somos humanos e ainda muito carentes de sensibilidades.







Acordei com suas palavras em minhas mãos. E elas me impressionaram. Tem leveza, candura, são meigas e carregadas de paixão.



Fiquei flutuando entre a beleza e a sinceridade.



Vi você despreender-se de você mesma e mudar seu sentimento. Você está ávida: fala direto e carrega, nesta trilha, um mundo de sinceridade.



E essa turbulenta sinceridade, me impressionou. Um intenso caos de palavras e beleza atordoam você.



Primeiro porque, hoje em dia, é difícil achar pessoas assim: despreendidas e prontas para menear a arma e ir para alguma procura particular.



Mas sua guerra é a procura do amor e viver toda sensibilidade do mundo.



Você se atirou com bordas de cetim, vestida de branco, na escuridão da noite. E fez da noite um dia só seu: deixou o sol brilhar por entre palavras tão doces, mostrando seu rosto alvo.



Maria, gostei de tudo o que você escreveu. Pelo menos roço em você com palavras saídas de minha vida torneada com um pouco de mágoa das coisas.



Coisas imensas de grandeza que bordam meu coração magoado.



Magoado com a loucura do mundo e do que os homens e mulheres são capazes de fazer em nome da prosperidade. Não sabendo elas que a sapiência da vida não está em jantares de reis ou na procura de fortunas desmedidas.



A verdadeira sapiência está em você saber quem você é e o que pode de amor, bondade e carinho... Em o que você pode dar aos homens que não entendem de senbilidade e amor, mas são hábeis com calculadoras.



Por isso, percorro, às vezes, versos tortos, caminhos sem chegada, ou trilhas sedentas de sombra mas tomadas pela guerras de matar.



Se o poema diz alguma coisa pra você, toma-o de beijos e considere que ele foi feito à sua moldura, à altura de seus lábios, ou na ânsia de sua vida.









Tomei o poema entre as mãos e colei-o nas paredes do coração para que me confortem nos caminhos das agruras da vida cotidiana quando os tempos difíceis chegarem.

A sinceridade da vida está em vivê-la plenamente em todas suas verdades e mentiras. Por isso, conhecer a si mesmo é essencial para a completude e sabedoria de viver.

Tens razão quando dizes que a verdadeira sapiência não se encontra nas coisas materiais. Em geral as pessoas não sabem disso e se perdem justamente nessas procuras.

Por isso minhas buscas são sempre direcionadas à espiritualidade. Fortalecer o espírito e a alma para que eu mesma tenha chances de vencer as guerras que virão com o tempo futuro passa a ser lenitivo de vida.

E disso nunca me arrependi - de minhas densas procuras atrás do espiritual.

José, não permita que a mágoa e a dor calcifiquem teu coração. Deixa-te levar pelo amor e pela ternura que te inundam o peito e faz tua vida brilhar como o sol para os que estão ao teu redor seja eles quem forem.

Seja carinhoso, querido, benevolente e sorria sempre mesmo que no fundo teu coração esteja chorando pelas dores que teus olhos veem.

Não deixe que os infortúnios do passado, as perdas, o sofrimento te aguilhoem a vontade de viver.

Permita-te ser feliz, amar e ser amado. A vida é tão curta e nos fala tanta coisa.

Você merece ser feliz!!! Permita-te a felicidade.









"Marie, minha saúde balbucia, sem versos e molduras de beleza. Sinto hoje a revolta de meu corpo, pelo que fiz na juventude, desmedida de álcool e cigarro. Apesar de ter superado o problema com a bebida - e isso é maravilhoso para mim - os incessantes cigarros de minha vida, parecem fazer efeito agora.

Estou me cansando facilmente e aquela tosse monstruosa me persegue dia e noite.

Não gostaria que contasse a ninguém, o que se passa comigo. Estou sozinho e nem minha própria família - ou o que dela restou - me procura.

Já senti que terei de enfrentar este caos completamente sozinho.

Disso ninguém pode saber e acho que sou forte o bastante para enfrentar o que vier.

Se a vida só fosse alegrias, não teria a mínima graça.

Hoje mesmo, meus dedos doem ao teclar nesta máquina e uma dor solene surgiu na perna.

Eu, no fundo, sei o que é. Você também. Vamos guardar este segredo".







Não existem palavras que eu possa dizer que expressem o que de fato gostaria de falar.

Muitas vezes nós não entendemos os caminhos da vida. Noutras até conseguimos saber porque as coisas acontecem.

De fato, escolhas que fazemos ao longo da vida acabam, com o tempo, cobrando seus honorários. Disso sabemos e podemos até não aceitar, mas é-nos possível entender porque acontecem.

Como você diz, teu corpo sofre hoje, os abusos do passado com o álcool e o cigarro.

É sim, maravilhoso que conseguiste superar os problemas com a bebida. Ao mesmo tempo continuar fumando foi uma opção tua e os efeitos disso surgem só agora.

Que o que restou de tua família não lhe procura é porque não sabem o valor que tens e nem lhe conhecem profundamente para saber o quanto estão perdendo mantendo-se distantes.

São eles que perdem a oportunidade de conviver de perto com alguém sábio e maravilhoso que tem muito a lhes ensinar sobre a vida e as coisas do mundo.

Um dia já lhe disse que você pode dar-lhes uma nova chance de mudar indo ao encontro deles. Sei que isso é difícil, mas também é um caminho passível de acontecer. Basta um passo teu, um telefonema, uma visita, uma mensagem no celular...

Que você está sozinho nesta luta não é a plena verdade. Porque eu estou aqui com você. Mesmo longe estou perto.

E sei que você é forte para enfrentar o mais tenebroso temporal. Porque foste forjado no ferro enfervescente da dor e do sofrimento. Tua alma foi cinzelada no aço quente da vida e fortalecida nos meandros dos claros e escuros do tempo.

És homem corajoso e estás preparado para os dois passos da vida...

Siga sempre em frente Joseph. Lembrando que em momento algum estás sozinho.





Alô, Marie

Resolvi hoje descrever sobre um fato - já corriqueiro aqui no Brasil.



Alguém certa vez me disse que deveria escrever sobre temas amenos, temas alegres, assuntos renitentes com os prazeres da vida.



Realmente há este lado da vida. Todos procuram o melhor, todos procuram os prazeres. A luta pelo enriquecimento e o poder é um deles.



Veja hoje nossa Brasília. Um mundaréu de gente envolta pelas escoltas de dinheiro e poder. E o dinheiro - pensam eles - combina com felicidade, respeito e divindades do eterno.



Veja Brasília, não há mais governo, há ataques entre todos, há descobertas de valores incríveis surrupiados.



Veja Brasilia, todos são inocentes. E alguns nunca leram ou ouviram nada. Um acusa o outro, um tira de alguém, outros se escondem até em saias de dinheiro.



Mas - já disse isso - o verdadeiro sentido da vida seria a procura de descobrir quem você é. Procurar as belezas que, às vezes, adormecem dentro de você e você não as percebe.



O sentido da vida é saber, neste universo maravilhoso, quem você é.



Isso tudo me leva aos primeiros anos de minha juventude. Aos 21 ou 22 anos. Tudo aconteceu muito rápido e só agora, mais velho, percebo a dimensão que isso teve em minha vida: minha ojeriza pela Política.



Era muito amigo de um garçom. Quase todas as noites ia ao bar onde ele trabalhava. Ele estava na casa de seus 40 ou 45 anos. Tinha mulher e uma linda filha.



Numa noite, apoiou uma das mãos em meu ombro e sussurrou: "você está de carro?". Eu disse que sim. Ele me perguntou se podia levá-lo até ao hospital da cidade. Eu disse logo que sim e fui para o carro. Ele veio em seguida. Me pareceu não estar passando nada bem.



Chegamos rapidamente ao hospital. No caminho, ele nada falou e eu também não. Chegando lá, ele se apoiou em mim e pediu que procurasse um médico.



Deixei-o sentado no hall do hospital e fui procurar o atendimento.



Eram duas horas da manhã e o hospital, público, exalava um forte odor de éter. Pelo chão pude perceber nesgas de gazes ensanguentadas restolhadas pelo piso sujo.



Tive que esperar uns 10 minutos para ser atendido. Um homem sonolento perguntou o que eu queria. Expliquei. Ele, pelo interfone, chamou uma enfermeira. Minutos depois ela apareceu e fomos até o lugar onde meu garçom estava.



Percebi algo estranho no rosto de meu amigo. Algumas contrações. A enfermeira tomou sua pressão ali mesmo na cadeira e disse que ia chamar um médico.



Eu disse à enfermeira que aquele homem precisava de um médico com urgência. Ela concordou. Já estávamos naquele hospital há mais de meia-hora e eu sentia que meu amigo amigo estava cada vez mais ofegante.



Sentei ao seu lado. Ele não conseguia falar. Eu, de total inexperiência, me apavorava a cada segundo. Passaram-se mais uns 15 minutos e nada de médico.



Pensei em voltar ao atendimento, mas senti que o corpo de meu amigo caia lentamente sobre meus ombros. E nada de médico ou enfermeira.



Lá fora ouvia o ruído de carros da Polícia e do Corpo de Bombeiros. Nos quartos não havia lugar para nenhum paciente. Os que chegavam era colocados em macas no corredor.



Pareciam feridos de alguma uma guerra, todos amontoados pelos corredores, muitos largados e talvez já, muitos mortos.



Um quadro de horror.



O garçom meu amigo, acabava de morrer, esticado numa cadeira. Suas mãos - inertes - sobre o meu ombro.



Não sabia o que fazer e até nem sei se teria forças para fazer algo.



A morte tinha abraçado meu amigo e também a mim. Ele tinha acabado de morrer e o quadro que envolveu sua morte, eu carrego até hoje. Não consigo me livrar desta lembrança.



Logo em seguida chegou um médico com a roupa ensanguentada. Analisou meu amigo de todas as maneiras e me disse secamente:



- Ele acabou de morrer. Problemas de coração - completou secamente.



Nós estávamos no mês de janeiro e no seu bolso foi encontrado um pedido de consulta médica com um cardiologista. Mas, esta consulta médica estava marcada para o mês de maio.



E chegaram os parentes e amigos. A mulher e a filha.



Me afastei lentamente. Procurei a saída sentido o terrível cheiro de éter e morte.



Procurei outro bar e me embebedei. Cheguei em casa quase ao amanhecer. E, pelo efeito do álcool, dormi até sem trocar a roupa.



Ele foi enterrado no dia seguinte. Não fui ao seu enterro.



Dias depois voltei ao hospital e procurei o diretor. Queria explicações de como deixaram um homem morrer sem atendimento.



Ele foi grosso, sincero e incisivo em sua explicação:



- "Olha rapaz, acho melhor você não se meter nisso. Aqui toda noite acontece isso. O governo não nos repassa verbas, não temos material para atendimento e só uma sala de cirurgia. A todo momento chegam fraturados ou baleados, ou vítimas do trânsito além de dezenas de outras causas. O governo diz que arrecada milhões que são distruídos pelas unidades de saúde. O dinheiro chega aqui todo pingado. Uma parte fica com o governo, outra parte com o prefeito, outros com deputados e políticos de toda sorte. O governo diz que com os impostos atende o povo. Nada disso é verdade. Eles colhem dinheiro para eles mesmos."



Tentei publicar esta notícia num jornalzinho local e fui logo brecado. O diretor do jornal me disse.: "sabe o que vai acontecer se a gente publicar esta notícia ? Virão assessores do governo. O Ministério vai dizer que o `fato vai ser severamente apurado...` E sabe o que vai acontecer ? Vamos perder a verba de publicidade da prefeitura, pois ela é a responsável pelo hospital. E sem dinheiro, garanto que o primeiro a ser despedido será você!".



E tudo ficou como antes.



O governo prometendo verba e mais verba para a Saúde.



Os políticos ficando cada dia mais ricos.



No meu Brasil, naquela noite de verão, eu vivi a Sociologia do Terror.









Realmente a questão da saúde sempre foi um problema grave no país. Tanto no passado como nos tempos atuais.



Lembro que quando era pequena meus pais nunca me levavam ao médico quando ficava doente, mas em benzedeiras e curandeiras. Éramos muito pobres e meu pai não tinha como pagar um médico para o atendimento.



Quando eu e meus irmãos eramos acossados por gripes a mãe fazia xaropes com mel e limão. Cozinhava os dois na água até engrossar. Em seguida ia na porta do fogão à lenha, retirava algumas brasas e jogava dentro da panela de xarope enquanto fazia algumas orações que minha vó havia ensinado. Assim o xarope ficava pronto e todos os dias ganhavamos várias colheradas para tomar. Era delicioso e fazia efeito a nosso ver. Logo começavamos a ficar bons.



Lembro de outra ocasião onde fui acometida de uma tal "tosse comprida". Minha mãe fez várias paneladas de xarope que eu tomei durante meses. E meu pai, não sei como, furou uma noz moscada bem no meio, passou um barbante e o amarrou ao meu pescoço. A ordem era pegar na noz moscada várias vezes ao dia e cheirá-la. Como o cheiro era bom eu não me incomodava. E me sentia uma rainha com um lindo colar pendurado no pescoço.



Quando pequena vivia brincando sobre montanhas de tábuas e pedras e amiudamente pisava em pregos. Quando isso acontecia tinha de aguentar a dor no osso pois não havia analgésicos. Até que o pai preparava uma água quente com sal, cinza e vinagre e mergulhava meu pé dentro dela. Ah! O alívio era imediato. E várias vezes ao dia preparava-se aquele caldo para o meu pé. Depois amarrava-se panos limpos e aos poucos a ferida ia sarando. Para mordida de cachorro (já tive umas também) o "remédio" era o mesmo.



Cortes "curava-se" com pó de café e banha de porco. Para furúnculos (também tive) a mãe tinha uma trepadeira que dava "folhas gordas". Pegava essas folhas, aquecia numa frigideira com um pouco de água e depois colocava-a bem quente sobre o maldito furúnculo. O alívio da dor era imediato e logo ele começava a vazar e sarava...



Rachaduras nos pés era tratado com sebo de cabra. Parecia uma pomada que passava-se nas rachaduras e logo elas cicatrizavam. Como eu nunca tive não sei como era, mas vi tias e primas fazendo isso.



Piolhos se exterminava com coca-cola. Banhava-se a cabeça com o refrigerante e forrava-se com uma toalha. Depois, era só lavar e pentear. Não ficava um mísero piollho na cabeça. Nos mesmos moldes usava-se muito o vinagre...



Outro fato curioso que até hoje me intriga... Nasci com uma das mãos e um dos braços cobertos de verrugas. Durante anos convivi com elas e nunca me incomodei. Mesmo quando meus amigos e primos me chamavam de verruguenta eu nunca dava bola. Todos os anos eu passava as férias na casa da minha vó (mãe de minha mãe). E de lá me levavam pra ficar uns dias na casa de minha madrinha (irmã do pai). Numa dessas vezes, eu já adolescente, um dos primos fez uma brincadeira sobre as minhas verrugas. Então eu me senti ofendida e chorei muito no colo da madrinha. No outro dia, enquanto ela preparava o almoço, me chamou na cozinha. Entregou-me um pacote de sal bem grosso e me disse: "conte as tuas verrugas, uma por uma". Eu o fiz. Havia dezenas delas. Então ela disse: "agora pegue no saco o mesmo número de grãos de sal". Eu o fiz novamente. Então ela me disse: "agora jogue os grãos de sal no fogo do fogão e saia correndo pra bem longe da casa. Só volte quando eu te chamar". Fiz tudo que minha madrinha disse. Joguei os grãos pela porta aberta do fogão à lenha e saí em disparada pelas roças. Tempos depois ela me chamou e retornei. Ela me disse que com o tempo minhas verrugas iriam cair. O objetivo de sair correndo pra longe era não ouvir o barulho dos grãos de sal queimando. Se eu ouvisse o barulho as verrugas não cairiam, ela me disse. Bom, aquilo deve ter funcionado porque não tenho mais nenhuma verruga na mão e braço.



Claro, naquela época eu acreditava em benzimentos e curandeiras. Hoje não acredito mais. E nem recomendo que alguém acredite... No entanto, os xaropes caseiros de mel e limão ainda são benéficos e ajudam a aliviar a tosse. A parte da brasa quente a gente dispensa...



E para a beleza sabe o que fazíamos? Nunca vi um creme em toda minha infância ou adolescência. Mas, minha mãe lavava o arroz e guardava aquela água branca. A água ficava com uma espécie de amido dentro dela. Então, eu e minha irmã passavamos isso no rosto, nas mãos e braços. Segundo a mãe, era pra não ganhar rugas quando ficasse velha. Bom, fiz isso por anos. E hoje até já cheguei a pensar se minha face sem rugas (com 50 anos todos dizem que tenho rosto de 35) não seria mesmo resultado desse "tratamento medicinal caseiro".



Tudo isso só para falar como eu era cuidada quando pequena. Que tipo de "medicina" imperava no meu tempo em minha casa.



Já sua experiência com a morte de seu amigo - sua mão sobre teu ombro - e a negligência no atendimento médico, foi traumatizante. Impactou-me deveras...



Infelizmente hoje o caos da saúde pública é uma realidade triste. E os recursos que deveriam ir para a saúde, educação e assistência social, continuam sendo desviados para cofres particulares e para bolsos de larápios e charlatões.



Também me entristece a situação de nosso país. No entanto, não me entrego ao desânimo. Ainda acredito ser possível...



Também sei que algo só mudará com a construção de novos paradigmas. Luto por eles. Acredito que ainda é possível a transformação social. Sim, nisso eu posso ainda acreditar!!!







Pois é, tinha que acontecer comigo. Você até previu antes.



Mas hoje não acreditei no módico pensamento de sinceridades, certezas ou não.



Fui à baila. Arrumei uma amante.



E vou dizendo logo porque assim você não leva susto.



Eu na minha idade, mas ainda com o corpo sano, me apaixonei por outra mulher.



E alguém deve perguntar: e dai ?



E daí porque sou casado, tenho três filhas, que moram comigo aqui no Rio de Janeiro. Três lindas filhas e elas também caminham para a fase de namoro.



Minha mulher, bem minha mulher é igual a outras. Ela faz ginástica, é professora, domina perfeitamente o inglês e o português, dirige sozinha e chega em casa à noitinha.



Geralmente eu não saio nesta hora, à tardinha. Mas, não é que semana passada decidi sair? Depois de andar alguns quarteirões, vi um bar ensolarado e quase vazio. Minha fraqueza despontava luminosa.



Sentei e pedi um refrigerante. Bebida alcóolica nem pensar.



Antes de prosseguir esta pujante, alegórica e luminosa história, devo dizer o que você já está cansada de saber - que vivo muito sozinho. Vejo o mar de minha sacada, ouço música e leio os jornais do dia.



Os livros não fazem muito minha praia, você sabe. E foi minha imensa solidão que me levou à rua.



Depois de uns dez minutos sorvendo minha deliciosa Coca-Cola, alguém me bateu às costas.



Era uma mulher, velha amiga - Ângela - que regulava de idade comigo.



Mas ao sentar, como uma pluma esvoaçante na cadeira de palha, algo me tocou.



Ela ainda guardava traços de sua juventudade. Traços meigos e olhos castanhos e penetrantes.



E trocamos palavras e mais palavras de ontem. E cada vez que falávamos, algo de maravilhoso me despertava naquela mulher.



Era doce e cativante, sem maquiagem, era de um branco-pálido esplendoroso. Achei mais maravilhosa do que nos tempos antigos.



Senti que ela me olhava diferente com gestos e palavras tocantes que comecavam a me enternecer e esquecer da vida.



De Coca-Cola já tinha passado para o terceiro uísque e ela também me acompanhava no beber. Todos sabem a reação de bebida com o amor.



Pois, cara amiga, já tinham-se passado mais de duas horas de conversa e o tempo parecia parado e o resto não existir.



Naquele momento, nós voltávamos à juventude, agora mais maduros e plenos de consciência. Se é que a gente pode chamar de consciente o que estava passando com a gente.



Aos poucos a intimidade nos tomava e o roçar das mãos foi um toque de magia.



Parecia que tremíamos sem saber porque. Alguma coisa de muito forte e grandioso nos tomava.



Nós parecíamos que nos conhecíamos a centenas de anos, tal a facilidade de entendimento, do que eu falava, do que ela falava.



Os toques se multiplicavam e o toque dos lábios foi invevitável.



Era um filme sem início ou fim. Era a gente, e esta descoberta foi pujante, tocante e doce.



Depois de umas três horas estávamos apaixonados, ou reapaixonados, ou procurando guarita para a solidão.



Mas ela tinha que ir embora e eu também. Minha cabeça virou um alvoroço e ela tremia, acho que de alegria, e eu percebia que em cada movimento, em cada sussurro dela, me abstraia do que era. E pouco a pouco, muito lentamente, ela se transformava em mim.



Tava pronto, e ela também, para entrar num novo mundo.



Eu não tinha explicações e nem ela entendia esta explosão de amor.



Na hora de desperdimos ela me beijou, segurando minhas mãos com tanta força, ou terna, ou cândida, que nem sei explicar. Era o furor da montanha que nos inundava de um vento incontrolável.



Ela se levantou meio abalada, mais muito suave e de uma elegância só emergente dos deuses. Num papel sobre a mesa estava o telefone dela.



Me pediu para telefonar num determinado horário. Não queria celulares porque deixava rastros e era facilmente identicável.



Era meu voo secreto.



Eram excelentes suas precauções, era explendoroso meus medos.



Estávamos apaixonados.



Mas a história tem lá seus poréns. Ela também era casada e tinha um filho.



Naquela noite não dormi direito. Em alguns minutos, estava apaixonado por uma mulher casada e com um filho e ela apaixonada por um homem muito bem casado e com três filhas.



Dito isso, no Inferno, era piada.



Eu não sabia se as portas do Céu ou do Inferno estavam se abrindo, ou enquanto uma se abria outra fechava.



Naquele momento era um homem do mundo. Dono de um corpo de outra mulher. Ela, dona de um corpo de homem.



Se não dá poesia, dá cadeia - pensei eu.



Era... era meu louco... louco amor.



E eu estava prestes a entrar no Céu ou no Inferno.



Diga você, minha cara amiga Maria, eu estou entrando no Céu ou Inferno ?







Sua carta me surpreendeu. Primeiro porque não esperava que confessasse sua entrada no inferno, digo, seu caso de paixão passageira logo a mim, pois sabes o que penso a respeito de relações extraconjugais. Segundo que fizeste esta confissão em praça pública. Sabes que daqui para o jornal da cidade é um toque de língua, digo de teclar, e teu segredo já desce pelo ralo.



Sobre tua confissão eu queria dizer que você está certo em tudo. Colocou teus sentimentos pra fora. É isso aí. Falar com sinceridade o que vai na alma é lenitivo de vida pra mim, você sabe. E conforme ia lendo tuas linhas cada vez mais me impressionava a força dos sentimentos que percebia em cada palavra. Você soube expressar com profundidade o que sente e tuas palavras se derramavam puras e límpidas sobre o papel. Pareciam como lava incandescente. Sentia as chamas em meus dedos enquanto segurava sua missiva em minhas mãos.



Conhecendo-te há tantos anos, sinto que realmente algo aconteceu em você. Não parecias o mesmo José de antes. Tuas palavras me pareciam estranhas, como vindo de outro homem. Até pensei que a carta que chegou em minhas mãos havia sido enviada por engano, mas não. Lá estava meu nome no endereço do destinatário e o teu no do remetente.



Ele está mesmo apaixonado, pensei. Senão não se daria ao trabalho de me escrever tudo isso.



Bom, li e reli tua carta. E estive pensando...



Acho que você está certo em tudo que disse. Colocou teu sentimento pra fora. Não há como fugir do que sentimos não é mesmo?



Eu só acho que você está errado quando procura este caminho. Não pode ser por aí, José. Você tem compromissos sérios, é casado e tem três filhas lindas entrando em idade de namoro.



Ela também tem seus compromissos. É casada e tem um filho, conforme você me disse.



Acho, querido amigo, que você deve parar por aí, dar um tempo e refletir sobre o que está acontecendo. Pensa nas tuas filhas. Acho que você não deve magoar os que cercam e vivem com você, principalmente tuas filhas, que mal ou bem você pode ser uma influência negativa para elas.



E ainda tem toda a questão espiritual. Casos fora do casamento são considerados pecados capitais. Você me perguntou o que eu achava, se você estava entrando na porta do céu ou do inferno... Segundo a Bíblia, do inferno. Veja lá, leia e vais encontrar em cada linha a condenação eterna para a permanência em tal infame pecado.



Por isso, acho que o caminho que vocês dois estão trilhando não está indo para o lado certo. Pense nisso e você vai concordar comigo.



Acho que para seu bem e para o bem dela, vocês devem continuar a ser grandes amigos. Não podem avançar no tempo. Nem por isso devem deixar de se falar ou de serem amigos.



Era mais ou menos isso que queria falar. Você leva tua vida e ela leva a dela. Não avancem mais do que isso. Quando precisarem um do outro sabem que sempre estarão por perto, sempre poderão se encontrar e conversar, mas tudo deve ficar assim, na pura e simples amizade.



Não leve isso como ofensa ou coisa parecida. É apenas a vida José. Que se vai fazer?



Talvez agora eu pareça dura, mas são conselhos de uma amiga querida que só quer o teu bem e a tua felicidade.



Sei que às vezes o caminho da solidão é duro e que nem sempre as coisas com tua mulher são como você gostaria que fosse. Ainda mais após tantos anos de casamento, quando a paixão vai cedendo espaço pra rotina e os defeitos do outro vão sendo mais visíveis do que as qualidades.



No entanto, acho que nem tudo está perdido.



Veja tua mulher, por exemplo. Ela é trabalhadeira, autônoma, dá aula o dia inteiro, fala duas línguas com perfeição e você me disse que ela até faz ginástica.



Quando uma mulher faz ginástica é sinal que está preocupada com o corpo, quer ficar bonita e com tudo em cima pra agradar o seu homem.



E veja, você mesmo me disse que ela chega todo dia em casa à noitinha. Significa que após o trabalho só tem olhos para o lar, para o marido e as filhas queridas.



Que tal se você a olhasse com outros olhos? Quem sabe deixar reacender a chama da paixão que me parece, não morta, mas apenas adormecida. Faça uma surpresa pra ela, convide-a para uma viagem especial, ou compre flores, um presente lindo, algo que você sabe que ela vai gostar muito.



Surpreenda-a. Deus sabe o que tudo pode acontecer quando uma mulher recebe de seu homem um gesto de carinho, presentes ou até flores ao abrir os olhos de manhã...



Surpreenda-a. De um chance ao teu amor antigo, teu amor querido...

Se cuida, meu querido amigo.







Mostrei sua carta a Ângela - minha amante. Ela, depois de ler, disse apenas que ninguém imagina, ou pode imaginar, o que acontece com as relações entre um homem e uma mulher.



Ela foi protocolar - me disse Ângela. O protocolo cria regras e regras criam posições e daí surgem os protocolos.



Uma pedra pode ser analisada por milhares de pessoas ao mesmo tempo e nenhuma definição vai bater com a outra, ou nem mesmo poderá haver um conflito.



Fui julgado pelos princípios éticos ou morais de quem tentou julgar o certo e o errado.



E, agora digo eu, não existem regras ou protocolos que possam definir condições de amor.



Ele é uníssono e indivisível.



Resumindo: quem está no fogo é que mede a intensidade do calor, não um expectador, um analista de sintomas morais e éticos.



O amor não se define. Não tem princípio nem fim. É o reflexo do espírito.



O amor é uma coisa tão íntima que deve ser olhado com muito cuidado. E com especial carinho.



Lógico que se uma pessoa mata a outra em nome do amor, a coisa se extrapola, perde sua condição, perde a moral e intensidade, e ganha os arranhos do povo. É coisa diferente.



Agora, se o pulsar é íntimo, não julgue com tendências religiosas ou permeios de leis, de justiça ou de tribunais. Não deve haver julgamentos.



Lógico, seus conselhos me ajudaram, mas não podem mudar o caminho da história.



O que vive dentro de uma pessoa é muito íntimo e ninguém pode penetrar neste círculo onde duas pessoas coalizam suas vidas e não infringem lei nenhuma, que o tribunal do amor possa vir a julgar com as mesmices de parágrafos e apartes.



Quando tudo isso acontece, ninguém tem o direito de cercear a união de dois espíritos nas abóbodas das estrelas.



Este é o caráter íntimo que eu não permito e Ângela também não. Que alguém possa penetrar com avessos filosóficos, com leis religiosas ou de cartório nossa relação.



Agora, há outro lado. As consequências.



Lógico que elas virão. Há esposas traídas e filhos feridos. Este é o problema mais sério, o problema do envolvimento de outras pessoas.



Aí, acho que não fica justo nem para as pessoas traídas nem para os frutos destas.



É um caso a se pensar. Julgar sem tédio.



Sou casado e tenho três filhas. Ela é casada e tem um filho.



Neste caso eu preferiria deixar acontecer. Porque não é justo que outrens, parentes ou não, façam julgamento.



A realidade é que fazendo julgamento deixamos o nosso íntimo e querências à mostra do público.



A verdade é que você não pode fazer julgamento com aparatos religiosos ou de Lei, julgar um fato que não é público, é íntimo.



Neste ponto a porta não está aberta para ninguém.



Concordo em partes, mas não concordo com o todo.



Quando escrevi para você, pedi-lhe um conselho e não um julgamento. São apartes diferentes.



Se tenho uma amante e ela me tem, a história passa a ser nossa.



Eu amo uma mulher casada e ela ama um homem casado. E daí ?



Se estou conquistando coisas maravilhosas com ela e ela comigo, me diga: qual Lei deste pequeno mundo vai nos impedir?



Eu e ela estamos dispostos a enfrentar o mundo.



E quem tem moral para impedir isso ?



Vamos sofrer mil consequências.



Mas, entenda, é nossa vida. É nossa vida.



Eu tenho uma amante que me levou para outro mundo e ela tem um homem que a transformou em deusa.



Desculpe, mas agora o amor está falando mais alto.











De fato as escolhas de cada um... cabe a cada um fazer.



A verdade é que você não me pediu conselhos. Nem pediu aprovação ou não para suas decisões já tomadas.



Analisando mais de perto, percebo que sua pergunta se resumiu a minha opinião sobre você estar entrando na porta do céu ou do inferno com as decisões e ações em prol de um amor que, agora vejo, já tomou proporções gigantescas em sua vida.



Nesta altura do tempo minha opinião não tem mais relevância. Então, que devo dizer se tudo que disse foi um julgamento injusto e impiedoso?



"Que atire a primeira pedra quem não tiver pecados", disse alguém no rodapé desta carta.

Nunca me encontrei nesta categoria.



Vejo que você e Ângela pensam da mesma forma, se amam e decidiram lutar pelo amor um do outro independente das consequências que disso advirem.



Percebo que o que os une é mais profundo do que a vida e mais impactante do que a morte.



Um amor assim não vai morrer, mesmo que o tempo os separe...



Então falar o que, se seus corações estão uníssemos em sentimentos, palavras e ações?



Um amigo de verdade fica do lado, na alegria, felicidade, aplaude as vitórias e conquistas.



E, também fica junto, apoia, carrega na hora da dor, do sofrimento, ajuda nas horas amargas...



Desculpa se o julguei impiedosa e cruelmente. Desculpa se não ouvi o que seu coração estava me dizendo.



Admiro a forma como você está lutando por teus sentimentos.



Quiça todos fizessemos isso em nossa vida, lutar pelo que nos é importante.



Sou sua amiga Joseph.

Apoio suas escolhas concordando ou não com elas. E estarei do seu lado pra quando e sempre que precisar de mim...









Alô Marie, já se passaram algumas semanas desde nossa última troca de cartas quando confessei à você meu caso de amor com Ângela.



De lá para cá muita água rolou neste mar de descambos apaixonados.



Realmente estive meditando sobre suas palavras e percebi que você tem absoluta razão no que disse.



Passei, no arrebatamento e no ímpeto, por cima de todas as coisas, que não havia enxergado. Você, com sua sabedoria e bondade soube me orientar para a realidade.



Me levou para um porto seguro, de onde tinha saído aloucado, sem perceber as consequências que meu ato poderia ocasionar.



Era um círculo sem fim de sentimentos, arrolando outras pessoas no meu insensitivo. E ferindo quem não merecia.



Eu estava me afogando, você jogou a boia da sensatez.



Agradeço a você por tudo, foi muito boa amiga.



Depois que tudo passou, voltei a minha vida. Minhas filhas estão ótimas e minha mulher também.



Nisso tudo estou dando mais valor a todos e reencontrando valores que tinha perdido.



Graças a você estou aprumado.



Agora estou na janela de meu apartamento vendo a tarde cair...



Lá embaixo, um sol ameno rebate nas dezenas de pessoas que circulam pelas calçadas.



E nelas circulam amores e amantes. É a vida pujante, irradiando luzes e luzes.



Depois, fecho a janela, me jogo na poltrona e relaxo enquanto espero minha família.



Ligo a tv e volto a acompanhar as novelas... até tinha esquecido delas.



E volto radiante à minha rotina familiar.



Obrigado pelos conselhos que me deu.

E até uma próxima vez.









Fico feliz que encontraste teu prumo e te deixaste levar pela sensatez.



Muitas vezes num primeiro momento tudo parece certo. Depois, com o tempo, o que era pra ser certo acaba se tornando em dor e sofrimento eternos. E aí muitas vezes a vida não tem mais volta.



Acredito, pelo final conformado demais de sua carta, que a paixão por Ângela não morreu, mas jaz adormecida sob o manto da sensatez.



Mas, se o caso com Ângela fosse de fato algo perene e sério vocês ainda estariam juntos. Nada iria separar vocês.



No entanto, ele não sobreviveu aos meandros da vida, à realidade já construída pelo tempo.



Compreendeste que havia algo muito maior a ser levado em conta: sua família que, segundo dizes, não merecia o sofrimento e a dor que estavas querendo lhes impungir.



Apoio sua decisão José. Até porque vejo que não foi só pela família que decidiste. Tua decisão foi por ti também, pelo amor que tens pelas tuas filhas, pelo sentimento que ainda, no fundo, nutres por tua esposa. Que mesmo não podendo se comparar a paixão que surgiu nesta altura da tua vida ainda é suficiente para manter a relação.



Eu continuo contigo para quando e sempre que precisares de mim.





Alô Marie, já se passaram algumas semanas desde nossa última troca de cartas quando confessei à você meu caso de amor com Ângela.



De lá para cá muita água rolou neste mar de descambos apaixonados.



Realmente estive meditando sobre suas palavras e percebi que você tem absoluta razão no que disse.



Passei, no arrebatamento e no ímpeto, por cima de todas as coisas, que não havia enxergado. Você, com sua sabedoria e bondade soube me orientar para a realidade.



Me levou para um porto seguro, de onde tinha saído aloucado, sem perceber as consequências que meu ato poderia ocasionar.



Era um círculo sem fim de sentimentos, arrolando outras pessoas no meu insensitivo. E ferindo quem não merecia.



Eu estava me afogando, você jogou a boia da sensatez.



Agradeço a você por tudo, foi muito boa amiga.



Depois que tudo passou, voltei a minha vida. Minhas filhas estão ótimas e minha mulher também.



Nisso tudo estou dando mais valor a todos e reencontrando valores que tinha perdido.



Graças a você estou aprumado.



Agora estou na janela de meu apartamento vendo a tarde cair...



Lá embaixo, um sol ameno rebate nas dezenas de pessoas que circulam pelas calçadas.



E nelas circulam amores e amantes. É a vida pujante, irradiando luzes e luzes.



Depois, fecho a janela, me jogo na poltrona e relaxo enquanto espero minha família.



Ligo a tv e volto a acompanhar as novelas... até tinha esquecido delas.



E volto radiante à minha rotina familiar.



Obrigado pelos conselhos que me deu.

E até uma próxima vez.





Fico feliz que encontraste teu prumo e te deixaste levar pela sensatez.



Muitas vezes num primeiro momento tudo parece certo. Depois, com o tempo, o que era pra ser certo acaba se tornando em dor e sofrimento eternos. E aí muitas vezes a vida não tem mais volta.



Acredito, pelo final conformado demais de sua carta, que a paixão por Ângela não morreu, mas jaz adormecida sob o manto da sensatez.



Mas, se o caso com Ângela fosse de fato algo perene e sério vocês ainda estariam juntos. Nada iria separar vocês.



No entanto, ele não sobreviveu aos meandros da vida, à realidade já construída pelo tempo.



Compreendeste que havia algo muito maior a ser levado em conta: sua família que, segundo dizes, não merecia o sofrimento e a dor que estavas querendo lhes impungir.



Apoio sua decisão José. Até porque vejo que não foi só pela família que decidiste. Tua decisão foi por ti também, pelo amor que tens pelas tuas filhas, pelo sentimento que ainda, no fundo, nutres por tua esposa. Que mesmo não podendo se comparar a paixão que surgiu nesta altura da tua vida ainda é suficiente para manter a relação.



Eu continuo contigo para quando e sempre que precisares de mim.

Abraços.

Marie.



Final



“Antigamente existiam carruagens e charretes em minha cidade. Hoje o homem vive embrulhado em seu próprio caos”.

Eram essas as notícias de primeira página quando meus pés pisaram pela primeira vez o teu jardim. De lá até aqui uma centena de anos se passaram. E nós, nossa amizade, apesar dos percalços do tempo, permaneceu.



Uma chama acesa que não se apaga e não extingue jamais. Você vai, você volta, eu vou, eu volto e nossos desencontros sempre se reencontram nos chumaços das saias do tempo. Talvez porque o que nos une foi forjado no aço quente da vida, nas entranhas do mais belo e forte dos sentimentos: a amizade. E assim nos tornamos os melhores amigos. E assim precisamos um do outro pra continuar em frente nos dois passos da vida. Hoje estou feliz. e por isso venho falar disso. Escrever essas tortas linhas nesta parede de eternidade para que você as encontre e saiba que sempre, esteja onde estiver, estarei contigo, meu querido amigo Joseph.



Esta foi a última carta dela. Procurei através de contato com alguns membros de sua família que ainda moram no Brasil. Ele era casada e tinha um filho. os parentes julgam que ela mudou-se para outra vila, mas que certamente iria entrar em contato com eles.



Quando a mim nunca mais recebi nenhuma notícia, nem carta ou qualquer outro tipo de contato.

Resolvi publicar as cartas em homenagem a ela.

Foi o que ficou.


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