Abri os olhos bem devagar. Havia sonhado com imagens de pessoas queridas, que nunca mais havia visto, mas que continuam presentes em mim, indelevelmente. E pensei no extraordinário poder de viver pela memória e pelo pensamento. Um viver mais nostálgico em suas proporções macabras, mas nem por isso menos especial e verdadeiro.
Percorri a semi-escuridão do quarto, sem poder me fixar em nada mais que as figuras apenas delineadas mas tão fortes que se apresentaram em meu sonho. A minha impressão ainda sob a ação do subconsciente ativo é que tínhamos duas realidades e compreendi de forma diferente porque a razão de dizermos que as pessoas não morrem.
Refleti também no que estava sempre presente em mim: A intensidade com que caminhamos de forma diversa e peculiar, a energia que parece nos envolver com um vigor assustador, a certeza que pessoas queridas estão ali e conosco e a vida que subsiste em nosso sono como se fosse outra verdade.
Penso que são essas afirmações tão subjetivas que faz do dia a dia um exercício de sensações vívidas e por vezes incoerentes, de fascinação latente a explodir rápidas em certas ocasiões e momentos pelos quais passamos.
Ainda sob a ação do sono, imersa num sentimento misto de inconsciência e lucidez, almejava ficar ali, sem ser perturbada para que pudesse usufruir as visões guardadas em minha memória. Sabia que ao levantar-me tudo se eclipsaria num instante e na maioria das vezes sem deixar vestígios de suas lembranças.
Por isso fiquei. E fui submergindo como se pudesse tocar nas imagens que apareciam em minha mente. Naquela hora em que o movimento da casa e mesmo lá fora era quase inexistente senti como se fosse personagem do meu próprio sonho embora já estivesse acordada. E vivi em função das circunstàncias ilusórias daquele momento.
Era tão presente e palpável que parecia estar sob o efeito de uma alucinação. Tudo atuava em mim como se fosse real, mas eu sabia que não era e me deixava levar como se estivesse disposta a ver até onde poderia ir a imaginação e a fantasia. Partindo daí conclui com mais veemência que a convivência que tivemos com alguém jamais acaba porque ficará sempre muito viva em nossas lembranças proporcionando-nos instantes maravilhosamente relembrados.
O mais importante é a energia que flui, benéfica, deixando a certeza da presença não física, mas nem por isso menos evidente. E que atua de forma profunda trazendo-nos uma sensação de bem-estar poderoso e enriquecendo experiências vividas como se ainda fizesse parte do contexto de nossas vidas.
E essa sensação nos reconforta nas horas difíceis, impulsiona os momentos vibrantes e nos dão a confirmação de que os entes queridos continuarão a marcar os episódios de nossas vidas e enternecer-nos com seu amor, lembrando-nos sempre a convivência saudosa mas persistente.