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Discursos-->Gestos de grandeza de Miguel Calmon -- 15/08/2005 - 19:52 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Gestos de grandeza de Miguel Calmon (1)


Não fosse a chegada do professor Roberto Santos, nosso querido governador, e esta quase que seria uma reunião íntima do Banco Econômico, a justificar verdadeiramente uma conversa amena, porque aqui estão, por interesses comuns, amigos, parentes, admiradores e pessoas como eu, que têm uma enorme gratidão a doutor Miguel Calmon.
Como doutor Miguel, eu tenho um certo pudor de falar sobre mim próprio, mas esta conversa pede uma introdução que justifique de certa maneira o tema e o título, título que recebeu uma colaboração do professor Calasans, como, via de regra, acontece aqui no Museu.
Eu gostaria de indicar, portanto, que na minha vida ocorreram muitas influências, como na vida de todas as pessoas, mas eu diria que as nfluências básicas da minha vida, aquelas que primeiro marcaram, de modo predominante, o meu caráter, essas influências foram da minha mãe, que morreu muito cedo, aos 33 anos, do meu pai, que é um juiz por formação, por vocação e por deformação também, de meus avós maternos, de Juazeiro, ele, o coronel Antonio Evangelista de Meio, filho do coronel Janjão Evangelista, um personagem de Canudos que o professor Calasans também conhece e, afinal, de "João de Gilu", que tem um nome de romance, um romance não escrito. Esse "João de Gilu" foi um vaqueiro de meu avô, com quem aprendi a amar a natureza agreste do sertão onde vivi.
E as influências definitivas foram, sobretudo, as de meu pai e por último, as de doutor Miguel Calmon. Todas essas influências, que ajudaram a construir o meu caráter, elas vieram de pessoas que eram desambiciosas de poder, de riqueza, pessoas que valorizavam elevados padrões morais e éticos e daí eu encontro a principal razão de minha identificação com doutor Miguel.
Eu conheci dr. Miguel Calmon quando entrei no banco, muito jovem, com 18 anos, em 1953, quando ele já era o presidente do banco.
Já naquela época e de certa maneira até hoje, eu acho que o mais notável atributo do homem é o seu sentimento de grandeza, aquilo que reflete a parte mais essencial de sua dignidade. O homem que possui isso é um homem de espírito superior. Também acho, e aqui está presente um homem de governo, que o verdadeiro estadista é aquele que transcende a si próprio, à sua geração, o homem que não cuida do que é pequeno. Acho que a grandeza é uma forma de elevado desprendimento e de simplicidade, é uma forma de se driblar o egoísmo, o egocentrismo, a vaidade. Doutor Miguel, ao que me lembre, ele não gostava de receber homenagens e eu, na verdade, não me lembro de nenhuma que ele tenha aceito, tipo banquetes, jantares, almoços que são, no mundo oficial, muito comuns. Toda forma de homenagem de caráter permanente que ele recebeu ou que promoveu, ele transferiu para o pai dele, doutor Góes Calmon.
No meu entender, e acho que isso deva ficar muito bem registrado, sobretudo porque esse Museu visa também a preservar a memória da Bahia, da história contemporânea, acho que dr. Miguel foi um dos mais importantes baianos de todos os tempos, o mais extraordinário de sua época, nas áreas em que ele mais atuou, efetivamente.
Ele foi um administrador, foi um organizador e um brilhante planejador. Um homem de notável espírito público. Foi um educador e um formador de talentos. Escolhi contar algumas histórias sobre gestos de grandeza de dr. Miguel, porque nele foram as atitudes que mais me impressionaram durante o tempo em que convivi com ele, no banco e na reitoria da Universidade Federal da Bahia.
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A primeira história é muito pequena, é uma história que mostra seu desprendimento por valores materiais.
Ele veio para o banco, conforme confirma o professor Calasans, em 1940 a 1941 e logo que passou a ter influência aqui dentro ele fez com que os funcionários organizassem uma associação. Ele era um homem autoritário, sem dúvida, um homem que se mantinha muito distante das pessoas, um homem que se escondia na sua privacidade, demasiadamente; parecia ser uma pessoa voltada para o autoritarismo, mas era profundamente democrático e não era paternalista. Ele implantou no Banco, àquela época, um conjunto de instrumentos de política de recursos humanos que precederam efetivamente no tempo, a adoção dessas práticas pela maior parte das empresas no Brasil. É assim que, além de ter constituído, feito com que se organizasse essa associação, dirigida exclusivamente pelos empregados, ele montou uma Cooperativa de Consumo, ele fez um Clube Social, restaurante para empregados (quando eu fui para o Banco, em 1953, almoçava lá mesmo a preços subsidiados, pagando, mas, verdadeiramente, um preço muito baixo). Ele sugeriu aos empregados, através dessa associação, que constituíssem uma Colônia de Férias. Naquela época, a preocupação dele com o lazer, com o conforto, com a comodidade, com o moral dos empregados era muito grande e ele tinha uma grande preocupação com o pessoal do interior, com os funcionários que trabalhavam nas agências do interior. Então essa Colônia de Férias visava, prioritariamente, a hospedar funcionários casados ou solteiros que viessem passar férias aqui. E há, em relatórios, em cartas dele, estudos de custos, em reuniões de gerentes, ele informando quanto iria custar, mais ou menos, uma diária para um funcionário se hospedar e era uma coisa acessível.
Pois bem, doutor Miguel era um homem pobre e isso pode parecer uma blasonaria de minha parte, mas embora ele tivesse um rendimento muito alto para a época, ele ganhava salários, rendas de trabalho muito altas, ele não tinha patrimônio e ele consumia tudo que ele ganhava. Mas, naquela época, ele possuía dois terrenos em Amaralina. Esses terrenos ele os doou à associação dos empregados, chamada Associação Social Desportiva Banco Econômico, para que nesses terrenos se edificasse a "Colônia de Férias Góes Calmon", inaugurada por ele, em 1945.
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A segunda história ocorreu mais tarde, e esta é uma ação dele voltada para o serviço público. para a atividade que predominava em seus interesses.
O governo da Bahia pensou em criar um escritório de representação em São Paulo, escritório que tinha, como até hoje, o objetivo de captar recursos e investimentos para serem aplicados aqui na Bahia. O Estado então, como hoje, muito pobre, não tinha condições de criar esse escritório. Doutor Miguel fez com que se instalasse um escritório na sede do banco em São Paulo, pagas pelo Banco todas as despesas de
funcionamento, comunicações etc. Não pagava aluguel e ainda contratou o primeiro chefe de escritório, que era o senhor Álvaro Pedreira de Cerqueira, um rapaz que conheci, recém saído do curso da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.
Esse rapaz trabalhou algum tempo e seu subseqüente sucessor veio a ser o Chico Pessoa, que terminou vindo trabalhar no próprio Banco e que hoje atua aqui, no Pelourinho, no plano de recuperação do Centro Histórico.
Então, esse é um fato que registra uma ação verdadeiramente generosa dele, em prol do desenvolvimento da Bahia. Nesta mesma época, acredito que no governo Antonio Balbino, ele tinha sido convidado para orientar a instalação da Comissão de Planejamento Econômico e foi o primeiro presidente do Conselho da CPE, do que resultou um verdadeiro levantamento de todas as potencialidades da Bahia, com a realização de projetos que ensejaram efetivamente o começo do nosso desenvolvimento.
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A terceira história também reflete um aspecto muito peculiar da personalidade do doutor Miguel .Doutor Miguel era um administrador extremamente parcimonioso. Ele fiscalizava, com muita severidade, as despesas do Banco e não era largo em relação a nada nesse campo, ele, que era cheio de grandeza, era muito seguro nas despesas, inclusive quanto a salários de empregados. O Banco não pagava salários sequer competitivos para o mercado naquela época, provavelmente, o Banco pagava salários abaixo do mercado. Mas, quando se tratava de investir, em atividades de treinamento, desenvolvimento de pessoal, pesquisas de caráter tecnológico, ele era largo, não havia limites de gastos, porque entendia que isto era a maneira, eram modos de se fazer desenvolvimento, de se promover efetivamente a criação de alguma coisa.
Pois bem, em 1954, ele trouxe à Bahia para um curso de chefia, um especialista paulista. Esse senhor aplicava cursos de TWI. Os cursos de TWI, cursos de formação de chefias dentro do trabalho, foram uma invenção americana espetacular. Durante a 2a. Guerra Mundial os melhores supervisores industriais dos Estados Unidos foram convocados para a guerra e a indústria era chamada a fazer um esforço adicional para produzir material bélico e estava desfalcada dos seus melhores homens, rigorosamente aqueles que comandavam a produção, comandavam os operários. Então, o governo americano encomendou à Universidade de Harvard, a professores dessa escola, um curso que pudesse, rapidamente, agilizar, dar uma alavancagem na formação de chefes de seção, de supervisores industriais e a Harvard criou esse curso, que é uma compactação muito prática, (e aqui está presente um erudito professor de administração da Bahia, que o conhece) chamado TWI, treinamento dentro do trabalho.
Depois da guerra este curso andou pelo mundo afora e chegou à Bahia através desse professor e eu, naquela época, era subchefe do Serviço de Pessoal do banco e fui fazer o tal curso. Era um curso realmente muito interessante, um curso em que até hoje os princípios e os conceitos dele são adotados nas escolas de Administração. O professor passou um mês ou dois dando os cursos dentro do Banco Econômico e quando os concluiu doutor Miguel disse a ele que fosse ao Banco da Bahia oferecer os seus serviços. Nós, que éramos empregados, funcionários do Banco Econômico, participávamos de uma guerra com os funcionários do Banco da Bahia, a gente não gostava do pessoal do Banco da Bahia e gostávamos ainda menos da diretoria deles, que era integrada por personalidades importantíssimas, doutor Clemente Mariani, Fernando Góes, gente que a gente nunca via. Os diretores do Banco Econômico, ao contrário, eram pessoas simples, comuns, andavam nos mesmos elevadores que a gente, não tinham carros, não tinham mordomias e o pessoal do Banco da Bahia era um pessoal muito estranho, muito importante.
Pois bem, o que nós não sabíamos é que ao nível de diretoria, o relacionamento era muito bom, na verdade a gente pensava que havia também uma disputa, uma competição, uma rivalidade tremenda entre os diretores, mas não havia. Doutor Miguel, doutor Alberto Catharino, enfim, todos se relacionavam muito bem com aquele pessoal do Banco da Bahia.
Então, vai o professor paulista ao Banco da Bahia oferecer os seus serviços, mas
enquanto o Banco Econômico era uma empresa muito preocupada em construir uma organização que lhe desse condições de desenvolvimento acelerado no futuro, uma empresa que valorizava tremendamente a administração científica, o treinamento, o Banco da Bahia era uma empresa de oportunidades, era um banco efetivamente voltado para ganhar dinheiro, era um banco com uma sensibilidade extraordinária para negócios.
Então chega lá o professor, não sei se com o dr. Fernando Góes, ou com quem quer que seja, oferece os serviços, discute-se o preço e o professor volta a dr. Miguel para informar que o pessoal de lá não gostou do preço. Ele cobrava por aluno e regatearam e não aprovaram o plano de dar um curso às chefias. Dr. Miguel então aconselhou, disse-Ihe: - "Olhe, faz por esse preço que a gente paga a diferença".
Bom, este caso é um fato que mostra, na verdade, um aspecto curioso, mostra uma percepção que ele tinha com relação a empresas grandes e o banco já era uma empresa grande para a Bahia, na época. Era entendimento dele que ao lado das responsabilidades e dos objetivos operativos de uma grande empresa, há responsabilidades e deveres tão grandes quanto aquelas que se expressam por uma atuação social, por um comprometimento com responsabilidades que são devidas por todo cidadão e uma empresa grande é um grande cidadão, um enorme cidadão, ela tem responsabilidades muito maiores. Então, doutor Miguel entendia que formar quadros no Banco era muito importante, porque isso transbordava para a comunidade e ele jamais reteve pessoas que formou no Banco a pretexto de que lhes tinha dado oportunidades ou lhes tinha concedido cursos, mandado pessoas para o exterior, que já, àquela época, o banco fazia isso com funcionários, não com diretores, mandar pessoas para São Paulo, para as Escolas de Administração de Empresas ou para a Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro ou fazer cursos no Centro de Estudos Econômicos do CIEF, que a Unesco mantém no Chile, cursos de estatísticas monetárias e bancárias, parece que perdemos um rapaz que foi para lá rapidamente e ele se regozijou com isso, porque o rapaz foi trabalhar na Petrobrás e foi servir a uma empresa ainda maior.
Enfim, ele não tinha a mínima preocupação de que os talentos do Banco se evadissem, porque ele estava preparando quadros mais do que suficientes para a empresa e era sua própria responsabilidade fazer com que essas pessoas ajudassem outras empresas a se desenvolver. Então, o Banco foi um formador de talentos e eu lembro que aqui na Bahia, em Salvador, especificamente, o Hilberto Silva trabalhou com ele e chegou à presidência do Banco do Nordeste; Vitor Gradin, que hoje é o vice-
presidente da Norberto Odebrecht, esteve com ele no Banco e no Ministério da Fazenda; Renan Baleeiro, que agora é o presidente, se não me engano, do Tribunal de Contas; Carlos Jesuíno, que é um empresário de sucesso, acaba de vender uma televisão, ganhou alguns milhões de dólares; Luiz Sacchi, que chegou a vice-presidente da Engesa, empresa de grande projeção e alta tecnologia que existe em São Paulo, enfim, tantas pessoas formadas exclusivamente pela experiência no Banco, pela convivência com ele ou através de cursos formais realizados às expensas do Banco que foram prestar serviços e se desenvolver em outras organizações, valorizando, portanto, aquele aprendizado. Ele vibrava com esse tipo de coisa e diferentemente da maior parte das empresas que costumam até celebrar contratos. que obrigam empregados a dar uma contraprestação por qualquer curso que realizem, o banco só veio a exigir isso quando eu próprio assumi a diretoria de Recursos Humanos, renegando um pouco a política que ele havia implantado no Banco.
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O caso talvez mais curioso e aí cabe essa expressão, esse adjetivo, ocorreu numa cidade que ele tinha particular simpatia.
Doutor Miguel não era um homem que gostasse de fazendas, do mato, mas gostava muito de viajar e apesar de se manter sempre um tanto à distância, ele ia ao fato, ele ia às raízes, ele contatava as pessoas, ele tinha naturalidade para tratar com o pequeno, com o modesto, com o pobre, então ele visitava o interior todo várias vezes por ano, doente, em condições de transporte precaríssimas, várias vezes fui com ele a muitas cidades e podia avaliar o esforço que ele fazia.
Uma das cidades que ele gostava, uma das regiões que ele tinha encanto, era a região de Itabuna, a região do cacau. Com a visão que ele tinha, efetivamente. ele a via como um eldorado para a Bahia e volta e meia ele estava em Itabuna. Mas ele era também um engenheiro e um homem do mundo, um homem que viajava todo ano para a Europa. Em Itabuna conversava com muita gente e dizia "porque é que vocês fizeram
a cidade do lado de cá do rio? Esse lugar do lado de cá é doente, é mais baixo, há inundações. O lado bom da cidade é o lado de lá, é o lado alto, o lado da nascente". Ele falava com o prefeito, falava com os líderes e ninguém se mancava. Um dia sugeriu que se fizesse um bairro lá e o prefeito disse: "não temos ponte", aí ele chamou o gerente, que era Clodoaldo Reis e lhe disse: "faz uma ponte". Aí o banco construiu a ponte e ele foi lá inaugurá-la: Ponte Góes Calmon, evidentemente, homenageando o pai. Inaugura-se a ponte e ninguém vai para o outro lado do rio. Ele telefona, vai lá, fala com Clodoaldo e nada. Aí ele manda comprar todo o lado de lá do rio, então se compra todo o lado de lá do rio de Itabuna e se faz um loteamento, o "Loteamento Góes Calmon".
E loteamento tem esse negócio de deixar uma área para a igreja, para a pracinha, supermercado, enfim, com tudo o que tinham e apesar do gerente do banco se esforçar para vender (não tinha uma prática de vender produto naquela época), não venderam um lote. Chama o gerente, ele tem uma conversa com o gerente, ele gostava muito do gerente, Clodoaldo (aliás, o gerente telefonou hoje lamentando não vir à palestra, porque ele está em Itabuna, não é hoje mais nosso funcionário, é um próspero cacauicultor).
Então, o gerente Clodoaldo disse: "doutor Miguel, está difícil, o pessoal não quer, o hábito, atravessar a ponte...". Aí ele disse: "Clodoaldo, você é casado?" Clodoaldo respondeu "Não, sou solteiro". "Tudo bem, mas você tem que fazer uma casa. Você tem uma pensãozinha lá em Itabuna, que eu sei, onde você mora". Enfim, para resumir, Clodoaldo faz a casa, certamente financiada pelo banco ou com sua ajuda, mudou-se para a casa, num outeiro, o lugar mais bonito do bairro e levou alguns amigos, que também compraram lotes e começou a funcionar o tal “Loteamento GóesCalmon".
Passado algum tempo, o loteamento virou um sucesso. Todo mundo queria morar do lado de lá do rio. Fizeram outras pontes, até que um dia doutor Miguel chamou Clodoaldo e o Romildo Fernandes, que é também um próspero cacauicultor, mas na época era chefe do departamento de Engenharia do banco e disse: "Vocês vão comprar o loteamento". Eles ficaram impressionados. "Mas doutor Miguel, agora
que o negócio está vendendo? Agora que todo mundo quer?" Ele disse: "É por isso mesmo, o banco não pode ter loteamentos. Negócio de Banco é se capitalizar, é ter dinheiro para aplicar nos seus próprios negócios, para emprestar, loteamento não é o nosso negócio". Vendeu o loteamento a esses dois funcionários, que até hoje se incumbem de confessar que ganharam dinheiro com os lotes. Esse loteamento é o bairro mais bonito e valorizado da cidade de Itabuna, hoje em dia.
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Doutor Miguel era um aristocrata. Era um Calmon da Bahia. E aqui a gente se permite classificar essa família tão ilustre como uma família aristocrática. Ela não faz parte do "society", ela se mantém como uma casta, como uma família fechada e doutor Miguel foi um esplêndido representante dessa família. Era um homem que recebia muito bem e gostava de receber.
Pois bem, apesar dos gerentes do Banco do interior da Bahia serem pessoas socialmente modestas, eles eram fazendeiros, comerciantes, gozavam da estima e do respeito de doutor Miguel.
Àquela época o banco no interior era mais conhecido em razão do nome do gerente do que da sua própria identidade. Tínhamos o "banco de seu Hortélio", em Conquista; o "banco do seu Joaquim Moreira", em Coaraci; o "banco do seu Amado Barberino", em Jacobina; do "seu Vitor Nascimento", em Alagoinhas, e assim por diante. Como já disse, eram figuras também muito respeitadas nas cidades, mas eram homens modestos, homens sem traquejo social.
Doutor Miguel recebia essas pessoas todos os anos em sua casa, com um jantar do melhor nível, cercado pelos principais amigos dele, aqui em Salvador, e pelos seus parentes. Doutor Luiz Viana, com sua esposa, o professor Wanderlei de Pinho, além de outros, e eu me lembro porque eu também ia a esses jantares com minha noiva e depois com a minha mulher e a gente era tratada muito bem. Esses jantares serviam para honrar essas pessoas, para elevá-los, para valorizá-los. Era, positivamente, uma forma extraordinária de alcançar esses objetivos. É bom dizer que nessas ocasiões ou mais tarde, quando ele também oferecia outras recepções de caráter oficial, tudo corria por conta dele. Todas as despesas eram custeadas pessoalmente por ele.
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Eu tinha mais seis histórias para contar, mas reservarei para uma segunda sessão.
Gostaria de encerrar esta palestra contando a história que denominei de "a recíproca gradiloquente".
Foi um gesto do Banco da Bahia, que no meu entender marcou uma grande homenagem e um reconhecimento elevadíssimo ao espírito público e à grandeza de doutor Miguel.
Quando doutor Miguel morreu, morreu muito pobre, está aqui doutor Alberto Catharino que era seu companheiro de diretoria e seu amigo, que pode confirmar.
O Banco Econômico, através de uma assembléia dos acionistas, autorizou a diretoria a pagar as dívidas dele.
Foi-se ao Banco da Bahia, se não me engano foi doutor Alberto, procurou o doutor Fernando Góes e sabia-se que ele devia uma certa importância, porque um dos diretores do Banco Econômico, senhor Jayme Tarquínio Bittencourt fazia o imposto de renda dele, e perguntaram quanto ele estava devendo. Doutor Fernando Góes disse que ele tinha quitado esse empréstimo poucos dias antes de morrer, não devia nada.
Doutor Alberto voltou à diretoria e falou: "Olha, parece que Miguel pagou o empréstimo". Aí seu Jayme disse: "Não, de jeito nenhum. Está aqui, quem paga as coisas dele sou eu, eu é que cuido de todas essas coisas pessoais de Miguel".
A diretoria do Banco Econômico voltou lá e, efetivamente, conseguiu do Banco da Bahia que lhe desse a honra de pagar a divida do seu presidente.
Acho que esse gesto do Banco da Bahia foi efetivamente a forma mais elevada de reconhecer a grandeza de doutor Miguel Calmon.
Muito obrigado!
_____________________________________________
(1) – Palestra proferida no auditório do Museu Eugênio Teixeira Leal, em 16/06/88, gravada e revista pelo autor.
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