Fragrância Feminina na Poesia
Semanalmente, estaremos publicando pequenos artigos que visam mostrar um pouco da escrita poética feminina no cenário nacional e mundial.
Pretendemos, tão somente, falar da emoção de nossas descobertas literárias ao nos depararmos com a vasta produção feminina na construção de uma identidade poética.
É antes de tudo, uma gota de perfume que permitirá ao leitor curioso, buscar outras essências, a partir da publicação destes textos.
Lya Luft
Penso que um dos objetivos da escrita é instigar o leitor, fazendo-o revisitar conceitos e lugares silenciosos, onde seus passos caminham ao lado das mãos do escritor. Um vôo sem fronteiras, onde a emoção é a inquietude maior...Assim é que me sinto ao ler Lya Luft.
“Lya é uma mulher que não faz concessões a qualquer facilidade. Na vida e na literatura. Os olhos são profundamente azuis. Tem-se a impressão de que todo o seu corpo tem a mesma cor. O rosto, a pele do rosto, as sobrancelhas, as unhas. Uma cara de estrangeira”. (Álvaro Alves de Faria, jornalista, poeta e escritor)
Nasceu em Santa Cruz do Sul, cidade de colonização alemã, em 1938. Em função disto,quase todas as crianças da cidade falavam o alemão. Assim , com apenas 11 anos, Lya decorava poemas de Goethe e Schiller.
Em Porto Alegre (RS), formou-se em Pedagogia e Letras anglo-germânicas.
Sua vida literária começou nos anos 60, como tradutora de literatura em alemão e inglês. Entre suas traduções destacamos: Brecht, Virginia Wolf, Reiner Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho Strauss e Thomas Mann.
Em 1963 casou-se com Celso Luft, um irmão marista que abandonou a batina para com ela viver. Esse amor levaria Lya a escrever poesia. Os primeiros poemas foram reunidos no livro "Canções de Limiar" (1964).
Em 1978 lança seu primeiro livro de contos, "Matéria do Cotidiano".
Separou-se de Celso Luft em 1985, passando a viver com o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino que ela conheceu num Congresso de Escritores, no Rio de Janeiro, apresentado por Nélida Piñón. Hélio morreu três anos depois. Em 1992 voltou a casar-se com o primeiro marido, de quem ficou viúva em 1995.
Lya Luft por Lya Luft: "Tento entender a vida, o mundo e o mistério e para isso escrevo. Não conseguirei jamais entender, mas tentar me dá uma enorme alegria. Além disso, sou uma mulher simples, em busca cada vez mais de mais simplicidade. Amo a vida, os amigos, os filhos, a arte, minha casa, o amanhecer. Sou uma amadora da vida”.
“A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada
Lya diz que sua obra poderia ser resumida num livro de indagações.
Bibliografia:
- No Brasil:
- Canções de Limiar, 1964
- Flauta Doce, 1972
- Matéria do Cotidiano, 1978
- As Parceiras, 1980
- A Asa Esquerda do Anjo, 1981
- Reunião de Família, 1982
- O Quarto Fechado, 1984
- Mulher no Palco, 1984
- Exílio, 1987
- O Lado Fatal, 1989
- O Rio do Meio, 1996
- Secreta Mirada, 1997
- O Ponto Cego, 1999
- Histórias do Tempo, 2000
- No exterior:
- The Island of the Dead (O Quarto Fechado), E. U. A.
Poemas do Livro Mulher no Palco
TANTO
Para Lygia F. Telles
Nada entendo de signos:
se digo flor é flor, se digo àgua
é àgua. ( Mas pode ser disfarce de um segredo.)
Se não podem sentir, não torçam
a àrvore-de-coral do meu silêncio:
deixem que eu represente meu papel.
Não me queiram prender como a um inseto
no alfinete da interpretação:
se não me podem amar, me esqueçam.
Sou uma mulher sozinha num palco,
e já me pesa demais todo esse ofício.
Basta que a torturada vida das palavras
deite seu fogo ou mel na folha quieta,
num texto qualquer com o meu nome embaixo.
TÃO SUTILMENTE EM TANTOS BREVES ANOS
Tão sutilmente em tantos breves ano
foram se trocando sobre os muros
mais que desigualdades, semelhanças,
que aos poucos dois são um, sem que no entanto
deixem de ser plurais:
talvez as asas de um só anjo, inseparáveis.
Presenças, solidões que vão tecendo a vida,
o filho que se faz, uma árvore plantada,
o tempo gotejando do telhado.
Beleza perseguida a cada hora, para que não baixe
o pó de um cotidiano desencanto.
Tão fielmente adaptam-se as almas destes corpos
que uma em outra pode se trocar,
sem que alguém de fora o percebesse nunca.
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Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim, e passa
sobre meu coração a asa mansa,
como se fosse meu melhor amigo.
Esse fantasma que chega e me abraça
(asas cobrindo a ferida do flanco)
é todo o amor que resta
entre ti e mim, e está comigo.
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Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
Não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.
Nem acredites se pensas que te falo:
palavras
são meu jeito mais secreto de calar.
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Não é verdade a tua solidão. A um canto,
do lado de fora, meu coração espera:
fênix dolorosa, consome-se e renasce,
fiel. Quem sabe,
quando abrires uma fresta em tua porta,
te alegrarás vendo-o aí, guardando
essa luz que se alastrará por rios sem fim
de uma geografia desconhecida:
e só os escolhidos entenderão.
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Do Livro O lado fatal, Editora Siciliano, 1991 - S.Paulo, Brasil
CANÇÃO DA PLENITUDE
Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a enteder-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força -- que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés -- mesmo se fogem -- retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.
ESTRANHO TAMBÉM ESSE AMOR
Estranho também esse amor,
com hora marcada para a mutilação
da morte, o minuto acertado,
e o fim consultando o relógio
para nos golpear.
Estranho esse amor de agora,
com meu amado atrás de um espelho baço
onde às vezes penso divisar seu vulto
como num aquário.
Enrolado em silêncio,
mais que nunca o meu amor comanda a minha vida.
Fonte de Pesquisa:
- Sites:
http://www.releituras.com/lyaluft_bio.asp
http://www.nuitblanche.com/archives/b/bresil_luft_1.htm
http://www.artelivre.net/html/literatura/al_literatura_lya_luft.htm
http://chat5.terra.com.br:9781/lyaluft.htm
http://www.zeliars.hpg.ig.com.br/lya.html
© Fernanda Guimarães
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http://br.geocities.com/nandinhaguimaraes
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