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Discursos-->ENTREVISTA... Antes que seja tarde !... -- 29/06/2005 - 20:47 (António Torre da Guia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


ENTREVISTA a ANTÓNIO TORRE DA GUIA

Conheci o poeta portuense Torre da Guia num daqueles acasos que o inesperado bom convívio proporciona, em meados de 1999, no muito acessível e familiar Café Novo, local de velhos hábitos onde ainda é possível tertuliar tranquilamente sobre a diversidade das coisas e dos casos da vida sem se estar sujeito à impositiva pressão do consumismo.

Desde aí, aos fins de semana, porque sentia uma curiosa atracção pelo ambiente do Fado e de seus intérpretes, comecei a fazer companhia ao poeta, à tarde, à noite e madrugadas adentro por tudo quanto fosse retiro fadista na cidade do Porto. Por variadíssimas vezes, em deslocações mais amplas, fui ouvir e apreciar o Fado fora de portas, fruindo emotivos e agradáveis serões.

Estabeleceu-se assim entre nós uma sã e fluente amizade que naturalmente se foi sedimentando em confiança tácita e que constitui hoje um exemplar e sólido relacionamento. Quanto a mim, segundo o que bem conheço e avalio, tenho o privilégio de ser amigo de um grande poeta português vivo, como de resto se pode constatar, indagando sobre o seu nome entre os adeptos do arauto cântico da portugalidade.

No ensejo, para satisfazer um dos requisitos do curso de jornalismo, que estou prestes a concluir, decidi entrevistar o Torre da Guia, colocando-lhe objectivamente algumas simples e globalizantes perguntas.

Torre, o mais sucintamente possível, identifica-te e tenta resumir num ápice a tua vida.

Oriundo de família mindelense, em Vila do Conde, nasci na rua dr. Alves da Veiga nº. 13, em Santo Ildefonso, cerca das 14 horas de 4 de Junho de 1939. Estudei no Grande Colégio Universal, no Porto, e no Colégio Dom Nuno, na Póvoa de Varzim. Durante quase três anos, prestei serviço militar em Vendas Novas, Beja, Évora e Lisboa. Após um período de seis anos como quadro administrativo comercial, fui em 1969 trabalhar na obra da grande barragem de Cabora-Bassa, em Moçambique, na qualidade de secretário técnico do Departamento de Mecânica e Electricidade. Logo que senti que a vida me corria bem, vim casar a Queluz e retornei a África com a minha mulher. Tivemos duas filhas. Em Janeiro de 1975, dada a gravidade da situação política, despojados de teres e haveres, fomos obrigados a regressar à metrópole. Como então a vida decorria confusa e estava mesmo muito difícil, decidimos instalar-nos em França. Em 1981, vicissitudes de índole particular levaram-me ao divórcio e regressei ao Porto, onde me tenho mantido permanentemente e vivo sob uma reforma à ponta da unha sem chorar muito e a rir quanto baste.

Da memórica viagem no tempo, que tão bem acabaste de condensar, quais os mais relevantes factos que consideras ao longo dos teus 66 anos?

Deveras, pelo lado positivo, o mais deslumbrante de todos, foi sem dúvida o nascimento de minha primeira filha, Paula Ximenes, que faleceu estupidamente com apenas três anos e pico de idade, dois meses após o meu regresso a Portugal, o que desde logo acresce ao lado negativo, o passamento de minha mãe em 1992, infaustas ocorrências estas que ainda hoje me sobrecarregam o espírito e me colocam de todo desprendido em face da existência. Tanto me faz viver mais como menos. Não atribuo importância alguma ao futuro e tão só aspiro que o meu desaparecimento seja assaz repentino e suave. Em cômputo primordial, como cidadão português, sinto-me inequivocamente traído por todos aqueles que estúpida ou ardilosamente, em nome da liberdade dos povos, entregaram Portugal e os portugueses ao sub reptício domínio da economia globalizante que não cessa de fomentar a fome, a miséria e a morte no mundo.

Poesia... Torre, o que tens tu a ver com a Poesia? Numa frase muito tua, como é que a defines?...

Oh... A Poesia, independentemente de servir para o que sirva - creio que serve para tudo - é para mim uma espécie de dilecto balsamo e constante exercício intelectual que desenvolvo, buscando-a nas pessoas, nos animais e nas coisas para dentro e para fora das palavras. Queres que a defina?... Poesia é um milagroso unguento espiritual para o perfeito enlace do corpo com a alma, sendo, sobretudo e além do mais, uma deliciosa e inestimável companhia.

Estou curioso de saber como encontraste o hábito de fazer Poesia, ou mais efectivamente: como conseguiste ser poeta?...

Bem... A Poesia... Andei muito tempo sem saber o que era, sujeito ao significado genérico que se propala. Só por volta dos 30 anos comecei a senti-la, a defini-la e a definir-me com ela, após ler e escrever largos milhares de versos, o que me permitiu dominar a métrica, a rima, as estrofes e os diversos modos da apresentação clássica dos textos. Versejar e rimar é uma coisa e produzir Poesia é algo que só se alcança com inspirada e meditada predisposição. Todavia, as doces e ternas cantilenas de João de Deus, que apreendi nos meus verdes anos escolares, tiveram decisiva influência para que eu pendesse e tomasse gosto pelo versejo rimado. De resto, não fui eu que consegui ser poeta. Foram os outros, porque eu escrevia versos, que assim começaram a considerar-me. No entanto, a maioria deles sequer sabe aproximadamente o que é Poesia...

E o Fado... Como foi que te integraste no ambiente fadista e adquiriste o estatuto que te é reconhecido?...

Quanto ao Fado, onde detenho um largo repertório interpretado pelos mais famosos nomes da modalidade contemporânea, a intervenção inicial deparou-se-me sem dar por isso, o que me arrastou para o fulcro do sistema. Em 1962, a pedido de um companheiro que fez tropa comigo - porque andava sempre a cantarolar, foi apelidado ironicamente de "estraga-o-fado" - escrevi umas estrofes ao Bairro Alto, longe de prever aonde os versos iriam parar. Uns três anos adiante, quando passava defronte a um bar de miúdas, pareceu-me ouvir, através de uma daquelas máquinas que davam música por dez tostões, alguém cantar os meus esquecidos versos. Entrei de imediato no estranho recinto para confirmar se era eu ou não o autor da letra da cantiga. Consegui convencer a patroa do bar a mostrar-me a capa do disco. Lá estava a foto do meu amigo de tropa, então Nuno de Aguiar, na sua primeira gravação comercial, advinda do grande concurso anual de fado que tinha vencido em Lisboa: "Bairro Alto e os seus amores tão delicados / Certa noite deu nas vistas / E sairam os trovadores mais o fado / Pra fazer suas conquistas...". Uns meses passados, diligenciei a vinda do Nuno para o Porto, para o retiro "A Candeia". Se hoje o Nuno começar a cantar exclusivamente versos meus, bem morre sem os conseguir recantar todos.

Importas-te de citar pelo menos dez importantes nomes do Fado e da Canção que tenham cantado poemas teus?...

Por ordem alfabética: António Calvário, Beatriz da Conceição, Carlos do Carmo, Carlos Zel, Chico Martinho, Fernando Maurício, Maria da Fé, Nuno de Aguiar, Nuno da Câmara Pereira e Tony de Matos, dentre as centenas de outros que de forma alguma menosprezo, claro...

Tens porventura algum poema preferido que te apraza referir?...

Tenho... Ocorre-me o singelo "Pão de Gestos" que concebi em 1966 e foi musicado pelo exímio mestre de guitarra portuguesa, Álvaro Martins, entretanto infelizmente falecido, que foi meu parceiro musical em muitíssimas composições:

Cresce farto e dourado
Por esses campos o pão
E há tanto mal espalhado
No gesto de cada mão...

Cada mão, cada senhor
Fazendo gestos à gente
Como se gestos na dor
Fossem do pão a semente...

A semente que germina
Gesto bom na semeada
E transforma cada sina
Numa cruz menos pesada...

Menos pesada que aquela
Que o povo tem carregado
Sem saber que será nela
Um dia crucificado...


Esclareço que só a partir do 25 de Abril, após centenas de diferentes gravações discográficas, é que surgiram interpretações gravadas que incluiram a última estrofe, até aí censurada e proibida pela polícia política que integrava a Direcção Geral de Espectáculos.

Torre... A terminar, não abusando da tua musa e agradecendo-te desde já a disponibilidade que me concedeste, relativamente a esta interessante entrevista, poderás conceber um curto poemeto?...

Claro...Dá-me só um minutinho para reflexão... Então, lá vai:

ENTREVISTA

Perguntaste
Eu respondi
Sincero
Minhas facetas
Com gosto
Que me desgosta...
Situações
Que vivi
Mas à vida
Dos Poetas
Só a morte
Dá resposta !...



Parabéns... Dona Poesia!...

Porto - Junho de 2005
António Luis Guimarães Costa


Som = António Chainho à guitarra portuguesa em "Conversa""
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