Usina de Letras
Usina de Letras
202 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140785)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6176)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Meu mais recente amor eterno. -- 01/12/2001 - 13:43 (Edson Marques) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Meu mais recente amor eterno.

Por mulheres já me apaixonei quatro vezes de forma profunda. Por homem, esta é a primeira. O processo desse amor pode ter sido longo, mas a percepção que dele tenho se deu agora, amparada em inocências complementares. Vejo-o deitado de costas, um terno de linho antigo, escuro e sem gravata, olhos fechados, como pensasse nas coisas dessa vida. E quando muda sua boca me fala por antes: "No céu não há luta de classes".

Questão pertinente. No fundo, é o comunista mais sentimental que eu conheço. Apesar de ter engordado demais, continuou amante da lógica. Seu raciocínio é quase perfeito.

"Contradições, tenho-as, mas todas não-antagônicas".

É noite.

Acho que também não suportaria a santa austeridade celestial: nenhuma mulher pelada, só jejuns e orações, padres por todo lado, freiras, irmãs, cardeais...

Realmente, comunista no céu não tem função.

Amanhece devagar, meio sem querer.

"Melhor que teu sorriso, só orgasmo da tua mãe". (Gosto da frase, detesto a comparação).

Interrompem nosso diálogo mudo, atarraxam-se os parafusos da tampa, mas ainda há tempo de escorrer, pela fresta que se fez, bela, sua frase mais marcante: "É sempre bom um pouco de ficção para realçar a verdade". Sufocam minha esperança, engasga-se a minha dor. Sinto falta de ar.

Que me dessem só mais um minuto, para um último abraço, para um beijo de amor, para um simples aceno de mãos desesperadas...

Levam-no, porém. Discreto, silencioso. Definitivo.

— Vou junto?

Meu mundo fica fora de foco, misturo visão e memória, o chuvisqueiro, enviesado, me bate suavemente na cara. Lembro-me do nosso último abraço, com força, com emoção. Abraço comprometido. Lembro-me das abobrinhas verdes colhidas no barranco alheio, e da lição de honestidade. Aquela charrete azul imaginária passa por mim outra vez puxada por uma estrela. Uma cruz de cimento, fria, pálida e sem mãos, me acena com insistência. Desnaturam-se os critérios, falseiam-se-me as perspectivas. Tento me afastar.

Mas, de novo, a cruz me acena.

Como fogo, ela me chama. Disfarço então a falta de coragem, empurro as pessoas que estão perto, subo no túmulo ainda aberto e deixo lá, crucificada em azul fraquinho e desbotado de caneta bic, minha última e trêmula mensagem de amor ao meu pai:


— Espero que tenhas ido para o inferno!




Edson Marques.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui