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Cronicas-->A VIDA DE UMA MULHER SOLIÁRIA -- 03/05/2023 - 19:41 (Benedito Generoso da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A VIDA DE UMA MULHER SOLITÁRIA

- Filho, ainda bem que chegou. Não estou passando bem. Mas não se preocupe, é só uma falta de ar. Eu estava fazendo o almoço. Veja se o arroz não está queimando no fogão.

Sentei-me na cadeira quando o ar me faltou e senti que ia cair.

- O almoço é só o feijão que está quente e já desliguei o botão do bujão. O arroz ainda está cozinhando e não sei se até já não estorricou na panela.

Enquanto o filho ia até o fogão verificar o pedido da velha mãe, ouviu um ai acompanhado de um gemido. Desligou o botão do fogão e correu para acudir a mãe que estava se agitando e quase caindo da cadeira.

- Mãe, mãe...! Estou aqui, A senhora está bem?

A vida não tem começo e nem fim. Passei a crer na eternidade da vida para ter forças de viver minha própria vida. Depois de muitos percalços, que neste conto não vem ao caso, creio que “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena” nos versos imortais do poeta português Fernando Pessoa.

O que proponho contar é a vida de uma mulher, que é a história de tantas outras mulheres desconhecidas, cujas vidas quase sempre são iguais na existência e na morte.

- Eu fui a sexta filha dentre irmãs e irmãos. Minha mãe deu à Luz quatorze filhos. Uma filha, a primogênita nasceu não sobreviveu. O quarto filho igualmente nasceu, viu a luz do dia e não sobreviveu também.

“Daqui pra frente, é a minha história de existência, desde que me conheci em vida, até alguns minutos antes de minha morte.

Como já lhes disse, sou filha de um pai e de uma mãe que criaram e educaram doze filhos.

Minha mãe deu a luz quatorze. Mas a primeira e o quarto, uma irmã e um irmão não tiveram a sorte de sobreviver e conhecer tanto as maravilhas quanto as mazelas deste mundo.

Mas graças a Deus eu tive uma irmã acima de mim e uma outra bem mais nova. Ao todo formamos uma família de nove irmãos homens e três irmãs mulheres, no total doze irmãos.

Uma grande família unida, cada irmão e irmã se casando e, enfim, chegou minha vez de casar no dia marcado, depois de ter namorado, trocando alianças num noivado com meu noivo, um pracinha. Batalhou na Itália, voltou ao Brasil vencedor ostentando no peito a medalha que nosso país se orgulha até hoje da vitória, ao lado dos aliados, vencendo a 2ª grande guerra.

Isso eu escrevia no meu caderno diário, toda noite antes de dormir, mas antes de me deitar eu rezava e pedia pelo fim da guerra. No meu diário tudo o que escrevi acima, era o sonho que eu sonhava. Será que meu amor voltará? Ou morrerei de saudade?

Durante a guerra, quantas cartas nós dois trocávamos. Tantas juras de amor, promessas de fidelidade. Sonhos de um futuro lar descrevíamos, sonhando com filhos num lar de paz, porém sempre temendo o incerto, pois numa guerra tudo pode acontecer.

E se ele derramar seu sangue pela Pátria e não mais voltar? Não o terei em meus braços, mas dele me orgulharei por toda vida.

Não sei o que mais dizer. Derramei tantas lágrimas e meus olhos se fecharão no ultimo batido de meu coração.

Felizmente a Guerra acabou. E ele voltou. As homenagens, medalhas pela vitória, já lhes disse em sonho, que eu esperava que se realizasse.

O fato é que nos casamos. Meu sonho era ter muitos filhos, assim como minha mãe os teve. Não tive a mesma sorte. Depois de casada descobri que era infértil.

Minha mãe deu à luz quatorze filhos. Um casal não sobreviveu. Mas ela criou nove filhos e três filhas, dentre doze, uma sou eu. A única infértil.

Casei-me por puro amor com meu namorado, um pracinha que voltava da grande guerra. Festa de casamento, pouco a mim me interessa. O que eu mais queria e sonhava era ter filhos, tantos quantos minha mãe os teve.

Nenhum filho nasceu de minhas entranhas. Até meu útero foi extraído cirurgicamente.

Fazer o quê.

Para me sentir mãe, adotei um filho. Um menino sem pai nem mãe. Seu pai um irresponsável, sua mãe mulher da rua.

Eu e meu marido o adotamos de um parente distante que veio até nossa casa trazendo nos braços o menino, tão magrinho que era só couro e ossos.

Esse parente confessou-nos que não podia cria-lo e lembrando que não podíamos gerar filhos, achou por bem nos trazê-lo para adoção.

Emocionado, e eu e meu marido também, falou lacrimejando, ao mesmo tempo que parecia confessar-nos um caso intrigante:

“Lá no meu sítio, no meio dos cafezais, eu odiava tico ticos e enquanto fui destruir o último ninho, os filhotinhos abriram os bicos pedindo comida.

Como sempre, destruí o ninho sem piedade.

Aqui devo lhes confessar e a Deus pedir perdão. Sabem por quê?

- Quando apanhei este menino para trazê-lo até vocês, ele abriu a boca igualmente aos filhotes dos tico ticos, quase morrendo de fome. Sinto-me por isso grande remorso e, depois desse fato, nunca mais destruí o ninho dos pássaros.

Nada disso me importava. Nos braços eu tinha um filho, meu primeiro e único filho, ao lado de meu marido, um pracinha, vencedor na segunda grande guerra. O que o compadre dizia eram coisas do passado e errar, todo mundo erra. Para tudo se dá um jeito, mas ele se despediu e partiu chorando.

Eu e meu marido ficamos felizes com nosso menino e o registramos como filho natural. Vivemos uma vida feliz numa casinha modesta em um sítio num bairro rural. Ao redor da casa um pomar de laranjeiras, figueiras e um parreiral de uvas, limeiras e limoeiros.

Um dia nos mudamos pra cidade, depois de vendermos o sítio e o filho adotivo foi convocado pra ser um soldado do exército. Na despedida, quantos abraços e beijos! Quanta saudade dele, só amenizada pelas cartas que trocávamos toda semana.

Como seu pai, ele foi um soldado que serviu à pátria.

Quando ao nosso lar retornou, já não era mais o mesmo, um filho frio e indiferente que mal recebeu da mãe e do pai o abraço da saudade, já dizendo que estava de partida para ir trabalhar em Angra dos Reis, na construção das Usinas Nucleares.

Deste dia em diante, ele vinha e voltava, viajando sempre, pouco tempo num emprego ficava. Fez muitas coisas erradas e foi preso várias vezes, tanto que quando seu pai adotivo faleceu, ele estava na prisão e teve permissão para vir ao velório.

Chegou acompanhado de amigos, ajoelhou diante do caixão, rezou enquanto suas lágrimas escorria de seus olhos, molhando sua face. Veio até mim, sua mãe adotiva e me abraçou soluçando, mas o resto da noite passou bebendo com os amigos, lamentando seu desgosto pela morte de mais um pracinha, seu querido pai adotivo.

Eu fiquei viúva e sozinha, recebendo um salário mínimo de pensão do INSS. O filho voltou para a cadeia, da qual saiu pouco tempo depois.

Mas em vez de ficar comigo, sua mãe adotiva, voltou a viajar e se associou com traficantes, mas sempre me visitava e me dava muito dinheiro. Dizia que estava fazendo negócios, comprando e vendendo terras e eu não duvidava de nada.

Num belo dia, por sinal o Dia das Mães, recebi um comunicado de que meu único filho, por sinal adotivo, havia sido preso em flagrante em Campo Grande no Mato Groso do Sul. Só posso dizer que chorei, caí de joelhos e rezei.

Todas a minhas noites, depois disso, foram sempre mal dormidas. Fiquei depressiva, tomando remédios que o médico do SUS me receitava. Perdi o gosto de viver. Eu só queria morrer, desde que a morte chegasse pelas mãos de Deus.

Estou agora fazendo o almoço de domingo. É só um feijão com arroz e sardinhas em latas que me deu vontade de comer. O Caldeirão de feijão ferveu e eu já desliguei o botão de gás do fogão. O arroz ainda está cozinhando, enquanto espero o paraíso sentada aqui nesta cadeira.

Ouço batidas na porta. A porta está destrancada, e eu digo: - Pode entrar, anjo de Deus.

Eis que abre a porta e o que vejo? Meu filho adotivo voltando para casa, num largo sorriso vindo me abraçar. Abraços e abraços, beijos e beijos. O último encontro de mãe e filho...

- Filho, filho, ai, ai, ai! Vai depressa desligar o fogão. Não deixe queimar o arroz, pois infelizmente não teremos um depois. Ai, ai, ai!

Assim morreu mais uma mãe, que depois de ficar viúva, viveu sozinha e deprimida e sempre com saudades do falecido marido e também do filhos adotivo sempre sumido, que justamente no seu último dia de vida reaparece.

Seu filho adotivo nunca ficava em casa para fazer companhia à mãe que o adotou e o amava muito e tanto dele cuidou.

Por sorte ou graças divinas, desta vez ele estava em liberdade, depois de muitos meses e anos na prisão.

Todos achavam que sua mãe velha e viúva, um dia morreria sem vela.

Mas não foi o que aconteceu. Deus providenciou que este seu filho adotivo, já homem feito, que havia se libertado da penitenciária e estava ali com ela nos seus braços, ouvindo seus gemidos e o último suspiro, que o fez chorar e correr, chorando e gritando para avisar os parentes próximos.

Refletindo sobre este fato, concluí que Deus é providencial e a mulher é sempre mãe amorosa, seja para os filhos que deu à luz, ou para os que adotou e amou e cuidou por toda sua vida. Assim é o amor da mulher que deseja ser mãe.

Muito trabalho e desgosto, com certeza. Mas disso ela nunca se arrepende. O seu amor está no coração feminino, que vem de Deus e o guarda até o fim de sua vida.

Em fim , isso tudo só nos explica, talvez quem sabe, na vida depois da morte nesta vida, tão cheia de maldades e sofrimentos, haja somente justiça e paz.

Que Deus nos abençoe e nos proteja de todos os males deste mundo. Amém

 

Benedito Generoso da Costa

 

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