“Nada nos humilha mais do que a coragem alheia”
(*Nelson Rodrigues)
Por mais que se queira ser “espiritual” o caminho não é negar a carne, mas compreender os desejos dela. A nossa carne (corpo), mesmo que apodreça e morra, também faz parte da alma (ao menos nessa orbita). É mais ou menos como prega Santo Agostinho :a consciência de que todo drama do corpo é em si um drama da alma.Ou como Freud: sexo é o centro dilacerante da alma.São nossos conflitos, e não o contrário, que nos mantém vivos e lutando.
Eu não vivo num aquário vendo televisão e me olhando no espelho o dia todo. Sim a vida cotidiana encurta o meu vôo, abrevia a minha fantasia e adia a realização dos meus sonhos. Constato hoje que para sobreviver neste mundo preciso parecer comum, vestir as mesmas roupas que todos vestem, trabalhar nos mesmos empregos que todos trabalham e rir e chorar das mesmas coisas com as quais todos se emocionam. Mas mesmo assim eu não vou assinar Eros, eu o mantenho em um lugar seguro, dentro de uma torre de marfim em algum lugar da minha consciência. Porque Eros é o meu tesão pela vida.
A essa altura eu devo estar parecendo um idiota moral, porque o meu senso do certo, de honestidade, de justiça e do bem se choca frontalmente com o senso comum que é o de ser o “esperto, de ser “o bom” e aquele que leva vantagem sobre os outros trapaceando e os passando para trás. Posso ainda não ser um sucesso neste mundo, mas durmo tranqüilo por viver de acordo com o meu coração. Cumpro minhas responsabilidades de pessoa comum mesmo elas estando em conflito com meu lado desvairado.
Por isso, você ainda vai ouvir muito não falarem de mim.
*Nelson Rodrigues nasceu 23 de agosto de 1912 e foi um dos maiores dramaturgos que o Brasil já viu, leu e encenou. O “Anjo pornográfico” desnudou a alma brasileira de maneira explicita e viceral, não apenas nos chocando, mas sobretudo nos fazendo refletir sobre o que há de mais intimo em nosso coração.