Usina de Letras
Usina de Letras
299 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62174 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50578)

Humor (20028)

Infantil (5424)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->34. PELO TELEFONE -- 26/06/2002 - 05:09 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ao regressar do almoço, tomado ali, no mesmo restaurante vegetariano, Fernando estava disposto a pôr em ação o plano que havia arquitetado para ajudar a desconhecida prostituta.

Ligou primeiro para o apartamento de Judite. Mas fê-lo sem esperar nada de positivo. Não acontecera coisa alguma que pudesse mudar a deliberação de Dolores. Surpreendentemente, foi ela mesma quem atendeu, francamente hostil.

— Querida...

— Não me venha com agradinhos. Estou avisando somente que não regressarei para casa. Vá se preparando...

— Dolores, pelo amor de Deus!...

— Que Deus o quê! Você é a última pessoa que pode falar em nome dele. Está simplesmente usando o sagrado nome em vão.

— Mas, querida...

— Vá se preparando para receber o meu advogado. Ainda hoje irá ligar-lhe, para marcar entrevista. Só estou adiantando...

— Dolores, não seja precipitada. Vamos ter uma conversa antes. Só nós dois. Vamos jantar juntos. Você escolhe o restaurante.

— Nem pensar. Estou decidida. Todos os meus assuntos serão resolvidos judicialmente.

— Mas eu não lhe dei nenhum motivo.

— Quem vai decidir isso é o juiz.

Disse e bateu o fone.

A Fernando restava tomar uma única providência: preparar a defesa. Ligou imediatamente para o advogado da firma e pediu-lhe orientação.

— Esse caso está parecendo-me infenso de julgamento por juiz togado. Se cair nas mãos de algum “da pá virada”, vai descarregar o mau humor no pobre advogado da constituinte. E se ela abrir o bico, vai ouvir poucas e boas.

— Não entendi.

— Pelo que você me diz, há apenas problemas religiosos...

— Certamente, se eles não inventarem nada.
— Então?! E a liberdade de culto determinada pela Constituição? Sua esposa vai ter de revelar segredos de alcova, para justificar a separação litigiosa. Do contrário, o caso vai pelas boas e ela não leva nada, a não ser o de direito pela comunhão de bens.

— Você me defende?

— Acho que o causídico contratado por Dolores irá aconselhá-la a desistir, a menos que seja daqueles rábulas aproveitadores. Em todo caso, não é meu ramo. Ligue para o Doutor Antunes. José de Carlos Antunes. É meu amigo e não irá escorchá-lo. Se ganhar a causa, o pagamento dele, quase com certeza, sairá dos bolsos da reclamante.

— Do jeito que você fala a separação é certa.

— Só depende da vontade dela. Ninguém é obrigado a conviver com ninguém. A lei do divórcio decretou a falência do casamento.

Fernando agradeceu. Havia sido esclarecido de aspectos sobre que não meditara. Mas via a coisa muito mais séria e perigosa. Justamente num momento de grandes gastos, aquela ameaça negra de repartição de bens.

— Doutor Antunes?

— Quem gostaria?

— Fernando, sob recomendação do Doutor Edmundo Soldato.

— Só um instante, por favor.

Enquanto aguardava, escutava suave melodia através da linha. Precisaria adotar o sistema na firma, se bem que não era tão...

— Pronto! Doutor Antunes.

— Poderia representar-me em caso de separação conjugal?

— Litigiosa?

— Não sei, Possivelmente.

— Esteja aqui segunda-feira, às dez.

— Obriga...

Fernando não chegou a concluir e já ouvia a batida do telefone,

— Esse Doutor Antunes deve ser muito positivo. Se for essa sua atuação no tribunal...

Pensou em que era boa oportunidade de conversar com Joaquim. A saída apressada dava a ele desvantagem moral.

— Confecções “Santa Rosa de Saveiral”.

— Joaquim está?

— Quem gostaria?

— Fernando...

— Ah! Senhor Fernando. Já vou completar a ligação.

Fernando teve a sensação de ter ouvido um “Doutor Joaquim”. Será que o homem está tão importante? Da noite pro dia?

— Olá, caro chefe, que manda?

— Preciso de ajuda, mas, por telefone, não dá para explicar.

— Passe uma pista.

O tratante o punha como igual.

— É sobre Jeremias. Tenho projeto de ajudar as pessoas que mantiveram contacto com ele, que é possível...

De repente, Fernando percebeu que estava dando com a língua nos dentes. A doença não seria segredo da família?

— Como?

— Você teve conhecimento da doença...

— AIDS.

— Quem lhe contou?

— Dona Maria.

— Pois quero descobrir quem lhe passou o vírus. Apenas para avisar.

— Compreendo. Mas como poderei dizer-lhe...

— Não se faça de desentendido. Você está a par de todas as casas. Não foi você mesmo quem me disse?

— São vários endereços...

— Quero todos.

— Vou mandar um “boy”, com envelope lacrado. Mas aviso que não vai ser fácil.

— Deixe comigo. Mas quero começar a investigação ainda hoje.

Fernando não compreendia a razão da solicitude. Talvez o velhaco esperasse uma raspança, o que seria desagradável para todos. Percebera, pois, que fora respeitado o seu direito constitucional de ir e vir.

— Os contactos com os advogados estão fazendo-me pensar em termos jurídicos. Sim, senhor! Vamos descartar Leonel desde logo.

— Quem gostaria?

As atendentes estavam expandindo essa nova forma de contacto telefônico.

— Caro Fernando, o que manda?

Fernando foi sucinto na exposição do plano. Não acreditava no concunhado do compadre para tal empreendimento.

— Às ordens. Eu ia mesmo convidá-lo para qualquer coisa nesse sentido. Não que esteja movido por sensação de piedade. É que estou curioso para desvendar o lado oculto de pessoa tão chegada. Quem será que, na escuridão da noite, o deleitava... Desculpe. Talvez você pense que esteja sendo mórbido. Afinal, a sua nova crença...

“O que não estarão dizendo de mim nas rodinhas?!”

Em voz alta:

— “Escuridão da noite”, coisa nenhuma. Pretendo fazer tudo à luz do dia. Assim que tiver algo de concreto, eu ligo.

Fernando não sabia o que poderia estar incentivando o abjeto materialista, candidato certo às chamas eternais do Inferno. Lembrou-se do capitão do Exército.

— O aposentado poderá dar uma força, mas não vou esperar até segunda ou quinta. Vou pedir o telefone ao João. Assim adianto o expediente.

João não estava no almoxarifado. Nem nenhum dos contabilistas. Teriam terminado o levantamento, com certeza. Ligou para o escritório:

— Quem gostaria?

— Fernando...

— Um momento, por favor...

Enquanto esperava, rabiscava sobre a fotografia de uma peça de banheiro, em um prospecto colorido. Não percebeu, mas colocou uma senhora sentada na latrina. “Seria Dolores?” Ficou envergonhado e riscou o desenho. Estaria perdendo a compostura em relação à esposa?

— O Senhor João não está. Serve o Eduardo?

— Ligo mais tarde. Obrigado.

Quem poderia fornecer-lhe o endereço do médium? Será que o Centro Espírita teria um telefone? Não se lembrava de ter visto nenhum aparelho na secretaria. Não perderia tempo. Voltou a ligar para o escritório de contabilidade. Mandou vir o Eduardo.

— Será que você teria como me informar o número do telefone do Capitão Francisco?

— O amigo de papai, lá do Centro?

— Esse mesmo.

— Um momento.

Fernando estava aborrecendo-se com as primeiras providências. Se, para ajudar os outros, fossem necessárias tantas iniciativas, todas as vezes, era melhor desistir. Afinal, tinha coisas mais importantes relativas à própria estabilidade na vida. Ficar aguardando um número...

— Pronto!

— Foi difícil de localizar, mas achei nas anotações de papai.

Antes que ligasse para o capitão, soou o telefone.

— É da loja de artigos sanitários...

— Sim.

— O Senhor Fernando, por favor...

— Quem gostaria?

— Diga que é o advogado de sua esposa. Doutor Libório.

— Aqui é o Fernando. Que deseja, Doutor?

— Uma entrevista para estipularmos os itens do contrato de separação.

— Não sabia que era assim que se denominava...

— É desagradável de dizer processo de divórcio...

— Pois diga. Mas vai dizer ao meu advogado.

— Basta dizer quem é. Entrarei em contacto.

— Doutor Antunes.

— José de Carlos Antunes?

— Esse mesmo.

— Tudo bem. Muito obrigado, Senhor.

Fernando estava abobalhado. Imaginou a mesma situação sendo enfrentada por Allan Kardec. No século dezenove. Será que tudo se passava com a mesma rapidez?

— Sem telefone, sem televisão e sem trânsito, dá até para escrever livros e revistas filosóficos. Neste século, tudo se facilita, mas o que se acumula de temas...

Pela vidraça do mezanino, divisou João adentrando a loja. Vinha acompanhado. Um desconhecido. Muito bem arrumado. Terno e gravata. “Na estica.”

— Este é o Doutor Onofre. Veio para uma conferência. Não podia ser por telefone.

— Pois não.

— Estimo que o Senhor esteja querendo ajustar as contas com o fisco. É nobilitante e extraordinário. João me fez ver claro que tudo está sendo feito com o máximo de lisura. Acredito, inclusive, em que o Senhor não devesse estar a par de todas as falcatruas dos agentes. Falemos, contudo, de modo o mais realista possível. Nem a Corregedoria Fiscal teria condições de levantar todas as falsificações e demais atos dos abutres do tesouro. Aconselho, pois, que o Senhor não leve a cabo o intento de envolver os fornecedores.

— Não havia decidido nada.

— Mas, sendo o Senhor espírita, como eu e João, seria tentado a fazê-lo, a bem do restabelecimento da verdade. Há que se saldarem os débitos, o quanto antes. Essa é a idéia. Isso é crístico. É mandamento evangélico de ordem superior. Mas, no caso, estaríamos envolvendo a organização governamental, onde estão assentados os leões das propinas e os lobos da corrupção. Que me perdoem os pobres bichos, pela infeliz imagem. Mas a verdade é que não temos recursos para enfrentar juridicamente os poderosos do setor, que estão por toda a parte.

— Vai ficar por isso mesmo?

— Não me interprete mal. Não queremos precipitações. As investigações estão adiantadas e o “dossier” se compõe de milhares de folhas. Tudo, porém, tem de vir em época oportuna. O seu caso particular é migalhinha. Não irá figurar no processo. O melhor é esquecer os débitos relativos ao “caixa dois” e acertar as diferenças constatáveis nos balanços anuais, conforme apreciação da contabilidade. Da minha parte, receberei e despacharei favorável a que os atrasados sejam ressarcidos em parcimoniosas prestações. Nada que leve ninguém à falência.

— E quanto ao Silvano?

— Já está em Brasília, transferido por ato do Ministério. Acredite, se quiser, todavia o ministro não estava a par das licitações e das propinas do “por fora”. Quando soube, ficou furioso. Mas, político, não quis escândalo. Uma ordem interna resolveu a questão. Silvano voltou para as funções originais.

— E se quiser desforrar-se, levantando a lebre junto à imprensa?

— Improvável. Temos farto material relativo às tramóias. Em tempo hábil, recebeu amostragem significativa. Existe expressão popular saborosíssima para retratar-lhe a personalidade: “Malandro não bronqueia”. Não irá querer queimar-se por algo que não recebeu, acendendo os estopins das bombas que tem em casa, nos automóveis, na fazenda, no iate...

— Tanto assim?

— O amigo iria espantar-se com as “obras de caridade” que se fazem para esses energúmenos postados no poder. Vim buscar a garantia de que poderemos continuar trabalhando silenciosamente.

— Ponho-me nas mãos do companheiro João. O que fizer, estará bem feito.

— Muito obrigado, confrade Fernando. Posso chamá-lo assim, pois não?!

— À vontade.

— Qualquer dia, iremos levá-lo para a nossa reunião lá em casa. Estamos precisando de médium de efeitos físicos. João será a ponte que unirá nossas margens, por sobre o rio desta vida de lutas e...

Não continuou. Julgou a imagem frágil demais. Própria dos “despenseiros do rei”, que era como chamava aos funcionários dos escalões maiores.

Fernando acompanhou o novel amigo até a saída. João quedaria na loja para as providências necessárias ao restabelecimento contábil da empresa.

Nesse instante, chegava um jovenzinho. Estendia um recibo e um envelope:

— Da parte do Doutor Joaquim.

Fernando assinou e devolveu.

— Viu só? Nem saiu daqui e já é “doutor”...

— A minha empresa está sob a espada de Dâmocles.

— ?

— Se Dona Maria autorizar, Joaquim nos dispensa.

— Ah!

Fernando ainda estava sob impressão do jorro vernáculo de Onofre e começava a impacientar-se com as espadas do João. Dâmocles? Estava bem arranjado.

Quando subiam as escadas, lembrou-se do Capitão Francisco.

— Será que aquele médium do vozeirão poderia ajudar-me numa investigação delicada?

Estava introduzida a conversa que terminaria com mais um telefonema.

— Quem gostaria?

Fernando, mais do que João, se aborreceu com a negativa do antigo militar. Estava muito velho. O coração não batia com a regularidade dos moços. Atender aos mortos, vá lá. Enfrentar, todavia, os vivos... Na próxima encarnação. Se fosse para a indicação de nomes e patentes, poderia ajudar. Mas não contasse com muita coisa, que os quadros da ativa estavam muito alterados, desde que entrara para a reserva. Em suma, gostaria de ajudar no que fosse possível, desde que não se envolvesse em peripécias emocionais.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui