(Escrito a pedido de um amigo = Nilo - já nas cercanias dos 80 anos, e entregue por ele àquela jovem e então esquiva amante). Parece que funcionou, pois ele, a seguir, me pediu pra fazer algo por um primo que estava em situação amorosa também complicada. Pra namorada desse primo dele, eu fiz um acróstico com o nopme da moça - SOLANGE. Esse acróstico está entre as minhas poesias neste site.
Querida
A cumplicidade exerce fascínio sobre o homem; tanto que não há sociedade que não resvale para alguma cumplicidade. O acumpliciamento, porém, exige condições excitativas. E aí chegamos ao ponto nevrálgico da questão.
Posto em suas dimensões normais e não acima delas, o ser humano raramente se excita diante da possibilidade de ser correto, ético, leal, etc., até porque quase todos nós temos a cansativa sensação de que sempre fomos assim. Em suma, o que se define por bem não instiga o homem comum. O que vai excitá-lo é a perspectiva de passar, ainda que de leve, por fora desse balizamento moral e quebrar a rotina...
Os mais vividos, ou mais enfadados, costumam ser seduzidos pela perspectiva de cometer um pecadinho qualquer, por menor que seja, pois que até um pequenino acaba representando um reencontro com a sua essência juvenil, fazendo-os sentir-se íntegros em seus instintos naturais e capazes de concretizá-los.
Um homem mais maduro pode ser, e quase sempre é, vencido por essa ânsia de acumpliciar-se quando tem a oportunidade de estabelecer uma segunda sociedade e secreta, na vigência de sociedade mais antiga. O fascínio dessa situação já é garantido pela proeza de superar a barreira etária; o gozo redobrado resulta da sensação de que tudo isso, ao ser desfrutado, ainda lhe dá a chance de afirmar-se duplamente, como amante e como pai. E, na segunda condição, ele até se convence de que resgata a dignidade mais ou menos perdida na primeira.
Eu agradeço a você por haver sido, num momento meu de extremo cansaço existencial, aquela mulher irresistível, aquela fada que me fez, à noite, acordar de uma rotina sepulcral, para ressuscitar com sonhador de todos os sonhos mais delirantes, dos quais eu agora desperto tocado pela inquietante intuição de que já não sou eu quem atende o seu anseio de, por sua vez, ter um cúmplice, mas sim de que já sou o seu próprio cansaço, do qual você vai descansar em outra companhia.
Não faz mal. Eu lhe agradeço, mesmo assim. Tanto que continuo seu pai sem lhe pedir licença, pois que desta só precisaria para voltar a ser seu cúmplice sem o sentimento impeditivo da humilhação.
Nilo
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