Usina de Letras
Usina de Letras
204 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140785)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6176)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->DOM XICOTE - ORALIDADE E IMAGEM CRONOTRÓPICA -- 10/01/2004 - 12:52 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
D. XICOTE – ORALIDADE E IMAGEM CRONOTÓPICA



Moura Lima*



“Um escritor se firma e permanece na lembrança de seus contemporâneos especialmente em função de sua inventiva, de sua técnica, de sua linguagem e/ou de seu poder renovador.”

Almeida Fischer



Francisco Miguel de Moura é romancista, poeta, contista e crítico literário dos mais atuantes, hoje, entre os laureados de maior destaque no cenário das letras do país, graças ao seu talento e à seriedade na elaboração de sua vasta obra, que o projeta acima de seu tempo e de seus contemporâneos. O seu sucesso como escritor é marcado por vários prêmios, inclusive de âmbito nacional, figurando também em antologias editadas no Brasil e no exterior.

Como crítico literário de acentuada militância na imprensa, notadamente em seu Estado, já publicou, com sucesso editorial, dois livros de ensaios: Moura Lima – Do Romance ao Conto e Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho. A sua crítica é refletida, impressionista, simples, sem o vazio inibidor que camufla a linguagem erudita de muitas publicações.

Porém, o novíssimo romance D.Xicote, de Francisco Miguel de Moura, é o registro da síntese literária de toda a sua obra, é como se o víssemos percorrendo uma extensa planície e, no final, o divisássemos bem no topo de uma montanha, estático, de gesto sereno, de quem não tem pressa; com o rosto voltado para o poente, mas pleno de satisfação, e contemplando, de forma definitiva, o resultado de sua vitoriosa carreira de escritor bem sucedido, na ficção brasileira. O novo romance do festejado escritor piauiense já nasceu predestinado ao sucesso, foi ungido no nascedouro com o prêmio nacional “Fontes Ibiapina” de Literatura, da Fundação Cultural do Estado do Piauí.

Mas é bom que se diga: o que garante o sucesso de uma obra literária é o conteúdo artístico – nada se altera ou se acrescenta, se o Autor é rico ou pobre, político, feio, bonito, nobre, plebeu. Graças ao soberano dos mundos, é um jogo de inteligência e competência, onde não entra o domínio corrompido do poder material-temporal da sociedade.

De fato, o que garante, em literatura, a imortalidade da obra de arte são os requisitos da técnica de construção, o estilo, o enfoque profundo, a competência de movimentar personagens como seres vivos, de carne e osso.

Se no romance Laços de Poder, o romancista maior do Piauí atingiu a plenitude de sua obra ficcional, com uma narrativa fragmentada, dialógica, em que as vozes dos personagens vão-se interligando, numa atmosfera de denúncia e conflitos existenciais, e agora, com o novo romance, qual foi o caminho palmilhado pelo notável escritor? Responderão, naturalmente, os senhores da escrita: - Foi o caminho da maturidade e da experiência com o texto acabado.

Da nossa parte, creio eu que o escritor Francisco Miguel de Moura, simplesmente, deu uma pausa na sua já consagrada obra literária, para atender o apelo secular de Tolstói:

- Volte para a sua aldeia, e serás universal!

E assim o fez o brilhante escritor, para cantar e decantar em D.Xicote a região do Curral Novo, fazenda Jenipapeiro, reduto do seu nascimento, no sertão agreste do Piauí.

O romance é bem estruturado, com diálogos bem elaborados, frases melodiosas, tudo o que, no dizer de Gilberto Freyre, dá vida ao estilo do escritor. E tem personalidade própria, pois uma obra sem personalidade é uma obra morta. O romance, sem embargo, resiste de forma convicta a qualquer desmontagem ou análise de texto que se lhe faça. Os elementos de literariedade, que lhe assinalam toda a arquitetura, respondem com vitalidade os questionamentos que lhe sejam feitos. A visão da sociedade sertaneja que comunica é a da vivência do Autor. O personagem central, D. Xicote com X, que não é o Dom Quixote, de Cervantes, mas foi alcunhado pela namorada Amanda, no fundo, não passa do alter-ego do Autor, que, num processo de assunção psíquica, volta a sua infância sofrida, naquele chão bruto, onde campeava a fome e a negra pobreza. E a única alegria do menino Xicote (CHICO), de aspecto magricelo, verdadeiro cipó de dar em alma, era quando a mãe se dirigia para a casa da rica tia, a tia Rosa, que na verdade não passava de uma unha-de-fome , uma muquirana, pois, na hora de o pobre Xicote matar a fome, de pronto advertia:

- “Zefa, este menino seu come demais. Eu não suporto.”

Portanto, em D. Xicote encontram-se duas vertentes da ficção de Francisco Miguel de Moura. A primeira é a do romancista voltado para o drama psicológico das personagens. A segunda é a do escritor preocupado com os problemas sociais do seu tempo. E essas projeções introspectivas devem ter assinalado ao Autor como orientação de suas premonições artísticas. Afinal, seus personagens – tipo predominante ao longo do romance, e também de sua produção literária – podem ser rotulados como “pacatos”, “predadores” e “oprimidos”, e estão cheios da timidez e da compunção moral, como fator de uma mentalidade atormentada pelo agravante do meio, aliás, extremamente corrupto, degenerado e cruel.

A arquitetura social do romance se reveste de superioridade, em razão da unidade alcançada, bem como do cronotopo delineado, e enquadra-se com uma série de enquetes, memória pessoal, documental, e constituindo, assim uma forma mista. Com efeito, o Autor misturou o erudito, o burlesco e o popular. Com isto, dentro de sua intuição artística, criou uma acentuada sátira menipéia dos sertões brasileiros.

No romance está presente o discurso polifônico, que o torna uma manifestação multívoca, em que as mais diversas vozes sociais encontram espaço de emissão. O Autor, no seu processo criativo, usou o enobrecimento da linguagem através dos recursos estilísticos consagrados pela língua culta, isto é, a literaturidade.

Não pense o leitor, porém, que este é um romance picaresco. Pelo contrário, D. Xicote é, sobretudo, um romance de ritmo, de clima, de ambiente, e de atmosfera carregada, onde a morte é uma presença constante, como também a morte espiritual, simbolizada pelo estiolamento psicológico dos personagens. É uma narrativa sombria, pesada, que envolve os personagens numa solidão asfixiante.

Assim sendo, nada melhor do que ilustrarmos o presente ensaio com subsídios do próprio texto do Autor. Vejamos, porém, a seguir uma passagem do Autor de poder imagético, que nos faz lembrar de Dostoiévski, no seu romance Recordação da Casa dos Mortos; a cena soberba da expulsão da águia ferida, que estava impossibilitada de voar por causa de uma asa quebrada. A ave recusa-se a ser amansada, negando-se até mesmo a comer. Os forçados (prisioneiros) logo se cansaram da novidade, em razão do espírito indomável da águia, que os levou a libertá-la:

- “Que morra, mas não na prisão!” – E um forçado a soltou para a liberdade, naquele dia frio, de final de outono, na tenebrosa paisagem da Sibéria, que no fundo simbolizava o sonho de liberdade de todos os prisioneiros. Os forçados observavam-na, curiosos, sua cabeça esvoaçando por cima da grama.

- “Olhem para ela!” – disse um deles sonhador... – “Ela está voando!”

- “Ah, é certamente a liberdade. É a liberdade que ela está farejando.”

Vejamos, agora, um recorte do texto de Francisco Miguel de Moura:

- “Só tenho raiva de Zé Bila porque roubou meu canário. Estava resolvido a soltá-lo; queria, sim, vê-lo tirando um vôo grande de liberdade!”

E esse “vôo grande de liberdade” é a voz subjetiva do narrador, que tenta, de forma sutil, a libertação dos grilhões sufocantes que o prendem ainda, inconscientemente, na masmorra da pobre infância e do círculo dos excluídos sociais.

Vejamos outro fragmento revelador dessa atmosfera densa e opressiva:

- “Os ricos... Eles não trabalham. Só comem, são o esmeril da humanidade.”

E, assim, o Autor vai marcando o tempo psicológico com unidades de recordações e criando personagens marcantes como a do falso médico Crucifon, que enganava aquela sociedade sertaneja, no dizer do narrador –“a Terra dos Condenados.” – “Era um lugar carente de tudo, de dentista, de padre, de médico...”

E, concluindo, devemos ressaltar que a oralidade está presente na transposição linguística e na irradiação semântica, que marca a ação combinatória ou sintagmática do torneio frasal, e cria efeitos de grande poder expressivo, talvez reflexo do que lhe ficou dos autores que o marcaram como William Faulkner Thomas Hardy. Não há dúvida de que o romance é marcado pela dor, pela angústia, pelo ceticismo, mas aponta para posteridade como obra profunda e de exuberante riqueza estilística, que certamente conduzirá o Autor para o panteão da moderna literatura brasileira.



___________________________

*Moura Lima é advogado, pós-graduado em língua portuguesa, romancista, ensaísta e membro das Academias Tocantinense de Letras e Piauiense de Letras. Reside em Gurupi – TO.



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui