Usina de Letras
Usina de Letras
241 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50555)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140788)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6177)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->FRANCISCO MIGUEL DE MOURA (ENTREVISTADO) -- 27/12/2003 - 21:48 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
LITERATURA:

SE ME PERGUNTAREM, EU DIGO



Entrevista a

Francisco Miguel de Moura (Chico Miguel)



UM poeta jamais será celebrado se seus poemas não o celebrizarem, ou seja, se não escreveu e publicou a melhor poesia entre os de sua época – para todas as épocas, diz um dos nossos críticos e com muita razão.

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA, na intimidade CHICO MIGUEL, teve a felicidade de publicar uma obra que reúne seu fazer poético de 30 anos, ao qual junta estudo consagrador de Nelly Novaes Coelho, professora da USP e crítica de renome nacional.

Mas essa trajetória de 30 anos não conta tudo. Por exemplo, o tempo de gestação do seu primeiro livro «Areias». Ele começou a exercitar a poesia desde os 15 anos. Viveu no interior da Bahia e no Rio de Janeiro, por algum tempo, até voltar para seu Estado de origem e publicar a primeira obra. Apesar do forte acento social e sentimental de seus poemas, como verificou Assis Brasil em «A Poesia Piauiense no Século XX», Chico Miguel não é apenas «um poeta da sua aldeia». Nas suas andanças, se enriquece, torna-se plural.

Diante do farto material que o poeta agora apresenta, de fato pode o leitor constatar sua linha estética, sua criação. Carlos Nejar, gaúcho, membro da Academia Brasileira de Letras, escreveu-lhe certa vez: «Poeta, você sabe trabalhar o grito e o cântico das palavras, e ver, através dos silêncios, a estranheza da condição humana.» Henriqueta Lisboa já houvera dito que «os poemas de Francisco Miguel de Moura impressionam pela severidade e justeza de tons.» Enquanto isto, Lygia Fagundes Telles proclama que «Miguel de Moura é originalíssimo, chega a ser insólito».

O objetivo do grande poeta é ser único, oferecer beleza e espiritualidade. Se vier a ser imitado, ótimo para ele, não para os imitadores. É que, como o Pã da mitologia grega, sua flauta teve o dom de enfeitiçar e de encantar. Mas, de todos os gêneros, é a poesia que exige maior pureza e menor grau de imitação. Poesia é raiz, ser poeta é ser radical. Daí dizer-se com certa ironia que “todo poeta é o maior poeta de si mesmo”, considera o poeta CHICO MIGUEL bem humorado – o que não deixa de ser uma grande verdade. Na poesia não há personagens senão idealmente. E, assim, toda a ficção poética concentra-se no próprio autor, com as infinitas gradações que o fenômeno pode assumir.

Conversando com o poeta, aqui vai o resumo de suas opiniões, um pouco de sua vida e de seu conhecimento da arte da poesia e dos percalços para levá-la ao público.

Jornal de Picos - Poeta, por que o título «Poesia in Completa»?

CHICO - Com esse título pretendi reunir minha poesia mas não toda. Não é propriamente seleção nem poesia completa. Logo, «poesia incompleta». O «in», separado, diz que ao mesmo tempo que não é completa, é também completa mas com a qualidade «in». Dá pra entender? Dos inéditos, coloquei os poemas que considero melhores, e com eles inicio o livro. Há também um livro que não publiquei na época - 1980 - por questão política, de nome «A(r)fogo», que agora sai, completo, com a explicação correspondente.

Jornal de Picos - O que são 30 anos de poesia?

CHICO - São toda a minha vida de luta em busca da origem e do destino humanos, através da palavra muda, no papel. Desde que se começa a aprender a falar descobre-se o fio da poesia. A fala é comunicação e expressão juntas. Na poesia, a expressão separa-se da comunicação (ou quase), ganha densidade, finura, e despoja-se dos convencionalismos da prática, assumindo outra vida. Pensamento, palavra e ação vivem juntos, formam sua alma. Porque poesia é também ação, mas uma ação não empírica.

Jornal de Picos - E para que serve a poesia?

CHICO - Se eu soubesse, não seria poeta. Sei onde está. Sinto o seu cheiro e o seu sabor. Pode estar em tudo. De modo especial nas pessoas despojadas de preconceitos, nas crianças, nas coisas simples, na natureza, nas relações humanas ainda não codificadas pela sociedade. E, essencialmente, na palavra, no dizer substantivo. Está na peça de teatro, no bom filme, na boa propaganda comercial, na música popular mais refinada, na prosa escrita com estilo. A poesia está em nós, nos nossos estados emocionais mais profundos, quando somos felizes sem saber ou quando sofremos o sofrimento alheio. Mas a poesia está melhor ainda nos livros de poesia, quando é forte, quando é boa, quando é profunda e viva. É preciso captá-la pela leitura silenciosa que é quase uma oração.

Jornal de Picos - Quantos livros já escreveu? Qual o melhor? Qual o seu preferido? Comente-os.

CHICO - Perdi a conta. Somente de poemas, para ficar dentro do assunto, foram oito. Este volume de poesia incompleta, podemos dizer que compreende três: «Poesia in Completa» propriamente dita, «A(r)fogo» e «Seleção» (de todos os livros anteriores). Se há um melhor do que outro, não sei. Quem poderá dizer é a crítica do futuro, a crítica histórica. Como todo autor, gosto mais do último.

Jornal de Picos - Por que a crítica do futuro e não a de hoje? Você não acredita na crítica?

CHICO - Que irrisão! Pode um crítico não acreditar na crítica? Acredito mais na história. Quando de mim não restar nem osso nem cabelo, se alguém me lembrar será pelo que fiz, pelo que deixei de bom e de bem feito na minha poesia, e, possivelmente, por minhas outras obras, porque sou romancista, contista, escrevo crônicas semanalmente na imprensa. Meu penúltimo livro foi nesse gênero: «E a vida se fez crônica».

Quando os inimigos e os concorrentes de hoje também já estiverem no outro lado do mistério, como se diz, daí levantarão a crítica histórica, sem susto. Poderá ser justa. A crítica dos contemporâneos ou é somente de elogios, e neste caso peca por generosidade, ou é muito contrária e injuriosa, e, nesta vertente, se perde por vaidade e pelos interesses (normalmente extraliterários) que o criticador defende. Há ainda um terceiro tipo que fica em cima do muro, cita doutrinas e autores tais e quais, entra por outros caminhos e termina não chegando ao essencial da obra - que é o que interessa. É a crítica dos «enrolões».

Jornal de Picos - Você citaria alguns desses críticos, das três categorias, para a gente se situar melhor?

CHICO - Não gosto de citar nomes, a gente termina sendo injusto, esquecendo alguém. Na verdade a crítica é uma atividade em baixa, no Brasil e no mundo, em virtude mesmo da descaracterização das culturas, da «internacionalização» dos costumes, da «filosofia» mercadológica, onde o produto humano (a coisa, a mercadoria) vale mais que o produtor, e o produtor já não é mais o homem, porém a máquina. Os valores humanos estão rebaixados e a crítica é ciência do reconhecimento, distinção e caracterização dos valores, na vida como na literatura, e nas outras artes. Acredito que Nelly Novaes Coelho, Fábio Lucas, Fausto Cunha, Assis Brasil, Eduardo Portela, Antônio Cândido, Wilson Martins e Afrânio Coutinho são os melhores, participam da crítica atual com vistas a seu efeito na história, com vistas ao permanente, ao duradouro. Com exceção dos quatro primeiros, os demais estão aposentados ou em caminho de se aposentarem, infelizmente. A crítica é uma atividade que deve ser paga, pois bastante árdua. Qual o jornal que quer e pode manter um crítico literário, hoje? Talvez a «Folha de São Paulo», talvez o «Jornal do Brasil» e nada mais. A revista «Veja» paga escritores para exercitarem a sua vaidade e escreverem umas resenhas que são a contrafação da crítica. Bem que esse órgão poderia escolher outro critério, uma página permanente sobre temas e livros, com rotatividade de autores. Para ser crítico é necessário ser culto, muito culto. E cultura é aquilo que Cossio, um clássico italiano, definiu como «o que resta quando nada mais restar do que se decorou, do que se aprendeu na escola.» Não vejo saída para a crítica. E isto é péssimo para a literatura.

Jornal de Picos - No seu modo de entender, o que é literatura? A literatura popular, de cordel, também pode ser arte? E a literatura de massa, esses romances que se vendem nas bancas, chamados outrora de capa e espada? E a ficção científica? E o romance policial?

CHICO - É muita pergunta numa só. Vamos por partes. É difícil, numa entrevista, explicar o que é literatura. Há dois sentidos para a palavra «literatura». Literalmente literatura é letra e assim estaria excluída a literatura oral. Agora, quando se fala em literatura é preciso saber se o que se indica é a instituição no seu sentido coletivo, ou se a obra em si, a literatura especificamente. Neste último caso, tenho ainda como correta a definição de Fidelino de Figueiredo, esposada por Soares Amora, Dino del Piño e Massaud Moisés, entre outros. Ou seja, que «a arte literária é ficção, é criação de uma para ou supra-realidade, através da intuição do artista.» A palavra, a língua escrita é o veículo. O ser da literatura é a forma específica que a língua toma na mão dos escritores - a literariedade. Os dados serão sempre singulares e profundos, apanhados da realidade e da mundivivência do artista, de modo que possam transmitir emoções. É uma forma superior de conhecimento, por isto separou-se da ciência e da filosofia. Claro que há outras definições. «Literatura é o texto literário, e somente o texto literário», de Raul Castagnino, por exemplo.

Literatura como conjunto de obras, num local e num tempo específico, para estudo comparado nas escolas, é uma instituição coletiva. Nesse caso, não há literatura de um só autor. É sempre um conjunto de autores e obras em linha que apresente similitude, cujo conjunto nasce, cresce, morre e fica como história, com o nome de escola, corrente, geração, movimento...

Não creio que a literatura de cordel, primitiva ou atual, misturada com as impurezas da linguagem do quotidiano, feita por gente simples e sem um posterior aprofundamento, possa ser considerada literatura, no sentido específico. Como conteúdo é básica, mas serve a muitos propósitos. Como forma, nunca. As demais espécies literárias citadas - o romance policial e a ficção científica - serão a contrafação da literatura, porque nelas a liberdade de criação fica comprometida, em proveito da informação, do factual. Descarto todos esses gêneros, inclusive os romances de massa. Evidentemente que, num sentido bem amplo, pode-se dizer que «Crime e Castigo», de Dostoiévski, é um romance policial e tem ótima literariedade. Objetarei, entretanto, que «Crime e Castigo» deixa muito a desejar como romance policial, pois desde a primeira página o leitor já sabe quem é o assassino, e mesmo assim a leitura não diminui de interesse. Isto é excelência na arte.

Jornal de Picos - Quais são seus poetas e escritores preferidos?

CHICO MIGUEL - Procurei ler os melhores. Porém, é bom frisar, o grosso de minhas leituras vem dos vinte anos. Hoje, quase não leio, pelo menos com a gula e a satisfação de antes. Desde quando o interesse crítico me assaltou, nunca mais li um romance despreocupadamente, ou mesmo um livro de poemas. Sempre penso em fazer um trabalho de análise depois. E na maioria das vezes faço, se não me perco em anotações, comparações etc. etc. Mas já sei onde você quer chegar, quer saber quais foram as minhas primeiras leituras, minha formação poética, não é? Então, lá vai: Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Castro Alves, Fagundes Varela, Junqueira Freire, Olavo Bilac, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho e muitos outros, até chegar ao modernismo, onde me dei com Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa, João Cabral de Melo Neto, etc. Não vou citar os mais novos. Em prosa, tenho lido quase tudo, de Joaquim Manuel de Macedo a Érico Veríssimo, passando por Manuel Antônio de Almeida, Lima Barreto, Raul Pompéia, Machado de Assis, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Guimarães Rosa e muito mais. O primeiro romance que li foi «Inocência», de Visconde de Taunay. Ele me marcou muito. Depois vieram José de Alencar, Eça de Queiroz, Jorge Amado, Vitor Hugo, Flaubert, Balzac, Sartre, Camus, Dostoiévski, G.G. Marquez e, novamente, Machado de Assis. Estrangeiros, tenho lido quase sempre em traduções, pois não consigo ler com desembaraço noutro idioma, exceto em espanhol.

Jornal de Picos - E os piauienses?

CHICO MIGUEL - Fontes Ibiapina, O. G. Rego de Carvalho e Assis Brasil, são os principais entre os prosadores. Dos poetas, Da Costa e Silva, Celso Pinheiro, Mário Faustino. Mas o último só é piauiense pelo nascimento. É um enorme poeta do Brasil, e seria do mundo se não houvesse sido arrebatado desta vida tão cedo. Os demais escritores piauienses tenho lido esporadicamente, quando solicitado a fazer algum trabalho. Não vou citá-los. Entre os mais novos, da minha geração e da seguinte, a maioria é de amigos meus. Não querendo cometer injustiças nem praticar a política de grupinho a que todos nós somos tentados, o melhor é deixar para momentos mais propícios.

Entrevistador - Quando, por exemplo?

CHICO MIGUEL - Quando estiver escrevendo o livro de «Literatura do Piauí».

Jornal de Picos - Está com medo, fugindo... Não quer falar sobre a atualidade!...

CHICO MIGUEL - Não. Não tenho medo de nada. Já falei muito nos nossos valores. Fui censurado, publicamente, por um animador e representante da «novissíssima» geração, de estar fazendo proselitismo, de estar eu mais preocupado em construir igrejinha literária do que em escrever uma obra. Não é verdade. Quero deixar uma obra sólida, um estilo forte, que me identifique como artista da palavra. Fui, quando tinha força e juventude, também animador cultural, mas sem a vaidade de me colocar como mestre ou condutor. Nada disto. Fazer poesia, escrever romances, contos e crônicas, essas coisas não me bastavam. Saí então aliciando os novos para entrarem comigo no jogo, essa grande cachaça que é a literatura. Quem me conhece, sabe: fui brigão, defendia minhas convicções. Participei, com Hardi Filho e Herculano Morais, em 1967, do CLIP (Círcuclo Literário Piauiense), há 30 anos, portanto. Fui um dos fundadores da UBE, no Piauí. Editei uma revista aberta à participação de todos os que tivessem qualidade («Cirandinha», 10 números, de 1979 a 1984), mas não me julgava (nem me julgo) o dono da verdade. A verdade absoluta está com Deus, ou com ninguém. Nós, humanos, quem somos nós para ter orgulho?

Jornal de Picos - Mas eu provoco: Que é que você diz de H. Dobal? E de Leonardo das Dores Castelo Branco? Seriam eles o primeiro e último grandes poetas piauienses?

CHICO MIGUEL - Não, nada disto. No Piauí houve e há muitos bons poetas. Das antologias dos Estados nordestinos organizadas por Assis Brasil (refiro-me às dedicadas ao Maranhão, Piauí e Ceará), talvez a nossa seja uma das melhores. Melhor que a do Ceará certamente é. Os cearenses, sem dúvida, são melhores na prosa do que na poesia, haja vista a obra de José de Alencar no passado, e, no presente, a de Raquel de Queiroz, a de Nilto Maciel e tantos outros. Na pesquisa histórica, no humor, também eles são ótimos. Já os maranhenses, todos nós sabemos, vão bem com a poesia, de Gonçalves Dias a Ferreira Gullar, escorrem como um rio. Mas quero dizer que não sou «caçador de gênios». Preparo uma história da «Literatura do Piauí» para estudo nas escolas do curso médio e superior, sem o propósito de colocar só os geniais. Gênios são poucos no mundo. Não considero Leonardo de N. S. das Dores Castelo Branco um gênio, como alguns da geração mais nova tentam fazer crer. Ele foi certamente um poeta, o primeiro poeta piauiense, não somente por nascimento. Mas vivia e trabalhava isolado, sua poesia mediana é, hoje, quase ilegível, perdeu a graça (se é que teve graça no seu tempo). Pelas informações que temos, nunca foi festejado, nem antes nem depois de sua morte. Ele é mais personagem da história política que da literatura. Aí, sim, foi realmente digno de figurar entre aqueles que fizeram o melhor. Com relação a H. Dobal, posso dizer que é um grande poeta. Estaria entre os melhores do Brasil, em todas as antologias escolares, em todas as livrarias e bibliotecas, se fosse divulgado nacionalmente. Não posso concordar, entretanto, que seja considerado da «Geração de 45». Sua poesia muito pouco tem a ver com aqueles «formalistas» e, em algum sentido, «passadistas» de 1945. É uma pena a falta de divulgação dos grandes autores. Mas esse é outro problema. Eu me acredito um bom poeta e igualmente bom romancista e cronista, impressão comprovada na crítica positiva que recebo. Mas falta-me oportunidade. Morei no Rio apenas por um ano, atarefado com tratamento de saúde de meu primeiro filho. Poderia ter-me fixado lá. Resolvi o contrário. Se tivesse ficado, quem sabe o que aconteceria?...

A vaga de Carlos Drummond de Andrade, no «Jornal do Brasil», foi ocupado por Affonso Romano de Sant Anna. Poeta, depois de Drummond, só o João Cabral de Melo Neto, pois o Mário Quintana morava na província e o Affonso Romano de Sant Anna pode ser tudo, menos grande poeta. Todos sabemos como são construídas as glórias, os ídolos, a fama: em parte pelo valor, mas também em grande parte pelas circunstâncias e oportunidades. H. Dobal é um ídolo em Teresina, por seu valor, por seu amor, por tudo. Creio que ficará na nossa história. Torquato Neto ficou. Talvez por ter morrido muito jovem e em circunstância muito especial (suicídio). Foi mais poeta como homem do que como escritor, deixou uma obra reduzida.

Jornal de Picos - Por que você não quis escrever outros livros de crítica literária como aquele sobre O. G. Rego de Carvalho? Outros piauienses não merecem?

CHICO MIGUEL - Cinéas Santos, doublé de editor e escritor, tem um projeto de lançar monografias sobre autores piauienses, à semelhança do que foi feito com os autores nacionais pela Abril Cultural. Até me consultou sobre a possibilidade de escrever sobre Assis Brasil. Sobre Fontes Ibiapina, escrevi um pequeno ensaio, publicado em revista do Piauí, ao qual pretendo acrescentar outros que abarquem o universo de sua linguagem, se algum dia me surgir a oportunidade de publicação. Ficaria, assim, contemplada a trindade piauiense da ficção: O. G. Rego, Assis Brasil e Fontes Ibiapina. Que outros ficcionistas deveriam ser lembrados para isto? Creio que Alvina Gameiro («Curral de Serras») e José Expedito Rego («Né de Sousa»). E acho que são os melhores mesmo.

Não desejei tornar-me conhecido apenas como crítico. Foi como crítico que saí nacionalmente primeiro, daí estar registrado na história da «Crítica Literária no Brasil», do Prof. Wilson Martins. Minha estréia, em 1977 (embora o livro tenha saído com data de 1966), foi em poesia, com o livro «Areias», prefaciado por Fontes Ibiapina. São, portanto, 30 anos que estamos comemorando. É bom acrescentar que no meu segundo livro de poemas, «Pedra em Sobressalto», 1974, recebi elogios de O. G. Rego e de H. Dobal. No terceiro, que foi «Universo das Águas», 1979, foi a vez de Drummond tecer comentários, por carta, onde declara que “sua poesia é variada e sugestiva». Partindo de quem partiu, foi o reconhecimento e uma glória.

Jornal de Picos - Você apresenta uma trindade de prosadores piauienses (Fontes Ibiapina, Assis Brasil, O. G. Rego de Carvalho) e depois acrescenta outros dois (Alvina Gameiro e José Expedito Rego) como os melhores. E se alguém quisesse juntar você a esse quinteto?

CHICO MIGUEL - Ficaria feliz. Tanto sou poeta como prosador, não faço distinção aos que praticam bem a literatura desta ou daquela forma. Aliás, uma das maiores críticas literárias deste país, Nelly Novaes Coelho, num estudo sobre minha «POESIA in COMPLETA», faz um dos maiores elogios ao romance «LAÇOS DE PODER», justo o que obteve o prêmio «Fontes Ibiapina». É ele o da minha preferência, na prosa. Fiquei muito satisfeito.

Jornal de Picos - Que coisa não fez nos seus 30 anos de literatura e desejaria fazer ainda?

CHICO MIGUEL - Escrever uma peça de teatro. E mais, quando ela fosse representada, gostaria de figurar como ator, nem que fosse numa pontinha de nada.

N(entrevistador )- Já tentou?

CHICO MIGUEL - Sim, mas não consegui. Tenho uns três projetos iniciados, parados, reiniciados, mas nenhum concluído. Inclusive um monólogo, em poesia. Aquele desejo corresponde a uma frustração de minha juventude. Quando fazia o ginásio, os colegas inventaram de encenar uma peça teatral. Eu peguei o papel de um criado. Não passamos dos dois primeiros ensaios. Não chegou a ser levada a público.

Jornal de Picos - E os projetos futuros de romances, contos, crônicas? Não pensa em escrever também suas memórias?

CHICO MIGUEL - Um dia desses, conversando com o escritor e amigo, acadêmico William Palha Dias, depois que li seu «Memorial de um lutador obstinado», eu disse que ele já havia escrito minhas memórias, tão semelhante são as nossas vidas de rapazes pobres do interior que vencem na cidade por força da ferrenha vontade. Talvez um romance memorialístico possa vir a escrever. Porque reconheço que não sou personalidade importante para merecer um livro de memórias. Também não me sinto com jeito para contar o factual, o real. Gosto da ficção ou da poesia. Tenho dois romances planejados, «O Crime Perfeito» e «Xicote». Já escrevi a primeira versão deles, mas até chegar no ponto temos um longo caminho. Pronto mesmo, para publicação, tenho um livro de contos, «Por que Petrônio não Ganhou o Céu». Projetos, tenho dois, mas para público restrito: «Miguel Guarani, Biografia de meu Pai» e «Picos, meu Município».

N(entrevistador )- O livro de contos que você citou tem alguma coisa a ver com o político Petrônio Portela, Ministro da Justiça do Presidente Geisel e, dizem, principal promotor da abertura política do Regime Militar?

CHICO MIGUEL - Nada. Já pensei até em mudar o nome, por causa disto. Mas é tão sugestivo! Não acha? Petrônio é apenas um nome. Ficção mesmo. No conto me sinto mais à vontade para brincar, para o humor. Não se trata de anedota. São histórias mesmo, são contos. Nem sempre realistas. A maioria parece surrealismo ou fantasia. Faço o jogo do perdedor que ganha e do ganhador que perde. Alguns contos foram premiados, outros são inéditos. Dois ou três fazem parte de livros de contos coletivos ou estão incluídos nos meus romances.

Jornal de Picos - Você não disse quando nem onde nasceu. Teria sido em Picos, no Estado do Piauí? Quando?

CHICO MIGUEL - Você também não perguntou. Nasci no município de Picos, sim, mas num lugarejo chamado «Curral Novo», data Jenipapeiro, hoje município de Francisco Santos - Piauí. Tenho, assim, duas cidadanias: picoense e franciscossantense. Nasci a 16 de junho de 1933. A casa onde nasci já não mais existe, era de taipa, derribaram-na, ou o tempo a consumiu. Nem era casa nem nada, era uma choupana, em cima do alto. Como Manuel Bandeira, guardo-a na imaginação, suspensa no ar. Diferentemente de Bandeira, não sei como a guardo, pois sequer a conheci. Só sei do lugar. Todo poeta busca, de volta, sua aldeia, sua casa, seu útero. Sua mãe. A poesia é iluminadora por isto.

Jornal de Picos - Sim, continue. Diga mais sobre a Poesia.

CHICO MIGUEL - A poesia é eterna. Em períodos de cansaço ou enjôo a gente diz para si mesmo que vai abandoná-la. Vão-se as noites e os dias, lá uma tarde - eu costumo escrever à tarde e à noite, por isto minha poesia é triste, talvez - lá vem uma tarde com os seus motivos, e então pega-se novamente o papel e a caneta e comete-se a devassa dos sentimentos através da brincadeira do verso, da rima, do som e do silêncio. O crime é novamente cometido, o crime de mexer com a palavra na tentativa de mais uma vez torná-la não apenas veículo mas poesia pura, organicamente tirando-lhe um raio de luz como se acende um fósforo ou uma vela na escuridão. Pode ser um estalido, uma pontada no coração, passos na escada, sombra de alguém não pressentido nem presente como uma velha que se espevita ou uma menina que se encolhe, uma roupa na corda ou uma pedra na vidraça. Tudo dá poesia como tudo dá samba. É preciso que o poeta esteja atento e no seu momento de atirar. Um grito na escuridão. A poesia salva.

Jornal de Picos - Fora da poesia não há salvação?

CHICO MIGUEL - A literatura salva. Sem poesia, a vida é uma imbecilidade. Sem poesia não há Deus. A utilidade nos massacra. O inútil é divino. É felicidade, prazer, ternura, carinho, compreensão, amor, graça. Viva a poesia!





(Publicada no “Jornal de Picos”, 18 de dezembro de 1998)

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui