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Artigos-->OS CAETÉS & A CANA: CONFRONTO DESIGUAL -- 27/12/2003 - 07:46 (LUIZ ALBERTO MACHADO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Desde início da década de 80 que tenho me dedicado a estudar a região que nasci e que está situada no trecho nordestino compreendido entre o rio Una, onde nasci na mata sul pernambucana, até o rio São Francisco, na divisa entre Alagoas e Sergipe, mais propriamente na cidade de Penedo. Este território compreende, como disse, a mata sul de Pernambuco, passando pelas matas norte e sul de Alagoas, onde se desenvolveu desde o descobrimento até os nossos dias, a famigerada monocultura da cana-de--açúcar, resultando o predomínio sucroalcooleiro de hoje. Além disso, também foi cenário de importantes acontecimentos históricos, a exemplo dos Quilombos dos Palmares, dentre outros.

De antemão, advirto que não sou nenhum historiador nem pretendo ser, apenas, um curioso que gosta de queimar pestana em cima de livros, hábito este adquirido desde tenra idade. E também, ainda, quero deixar claro que não sou o dono da verdade, mas um pitaqueiro inveterado que gosta de dar trabalho a si próprio e aos outros, buscando sempre o debate esclarecedor.

Pois bem, estudando minhas raízes, tudo começou quando meu pai me chegou com o volume "Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil" de Jaon Nieuhof, traduzido pelo Moacir Vasconcelos e anotado e comparado por José Honório Rodrigues, numa edição de 1942 da Livraria Martins. Desse passei avidamente para a leitura de outras obras, como as de Caio Prado Junior, Nelson Werneck Sodré, José Antonio Gonsalves de Mello, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Décio Freitas, Francisco A P Costa, Nelson Barbalho, José Honório Rodrigues, Manuel Diégues Júnior, Moacir Medeiros de Sant´Ana, Robert Southey, Francisco Varnhagem, Hermann Wätjen, dentre muitos outros ao longo desses mais de vinte anos de leituras assíduas.

Dessas leituras, se me permitem, duas coisas me remoem as catracas: a primeira delas, referente aos caetés serem antropofágicos; a segunda, a vocação dessa região, para a cana-de-açúcar.

Dos primeiros, ou seja, dos índios caetés, dentre muitas outras coisas, duas ficaram marcantes: a da farra na comilança do bispo Sardinha e a das narrações de "Caetés" de Graciliano Ramos. Claro que muitas outras ficaram, mas me reporto a essas duas pela distância de ocorrência entre elas.

Ora, se os caetés eram verdadeiramente canibais, por que só comiam portugueses, quando se relacionavam muito bem com franceses, holandeses e demais exploradores que por aqui passavam? Vendo os registros efetuados pelos historiadores que aqui vieram na época do descobrimentos e das explorações, são poucos os que atestam serem verdadeiras as informações de canibalismo entre os índios daqui. Ao contrário, são quase unânimes as informações de que os nossos nativos eram dóceis e receptivos, mas não subordinados.

Resultado disso, enxerido como sou, devo dizer que índio e cana nunca tiveram uma relação amistosa. Ao contrário, sempre foi bastante recheada de hostilidades. Claro, os portugueses quando aqui chegaram que encontraram esse mundão exótico, bem diferente dos costumes, principalmente alimentares, que eles mantinham na metrópole, logo vieram invadindo e submetendo tudo e todos. Daí, muitos conflitos deram pano para as mangas e fizeram o zoadeiro medonho na nossa história. Além do mais, sempre quem conta são os vencedores, aos vencidos o silêncio de dizimados.

Reunindo determinadas incongruências da nossa história oficial quanto a afirmação categórica de que os índios caetés eram antropofágicos, a meu ver e no meu estrabismo intelectual, devo assimilar que, ao contrário, os índios é que pagaram o pato da ganância predominante da cana. É só atentar para o tráfico e o contrabando do produto no período de nossa colonização, que a gente vai ver que muita coisa está mal explicada. Por exemplo, para ficar num só: como é que o bispo Sardinha sai de Salvador carregado de denúncias contra o donatário de Pernambuco, indo direto para Portugal, é surpreendido com um naufrágio e depois é "papado" pelos índios caetés? Tem boi na linha, num tem? Eu acho. É o mesmo caso da defesa pela vocação da cana na região, tão combatida por Maurício de Nassau na época e tão defendida pelos colonizadores e, mais ainda, pelos poderosos mamoeiros do parque industrial açucareiro de hoje.

Tenho para mim, nos meus delirantes arroubos, que a cana de lucro mesmo só trouxe dinheirama farta para os bolsos dos seus industriais, porque para o resto da população, os prejuízos centenários se acumulam e deixam em colapso a sobrevivência de uma série de comunidades e municípios. E digo mais: sob o império da cana, muita mentira foi forjada em nome de sua magnitude duvidosa. E isso eu já venho constatando, desde da vivência pessoal no meio dos canaviais até escrever "No reino do mamoeiro", depois "Onde a fumaça, há fogo" sobre o livro homônimo de José Moura e depois de conhecer o texto do doutorando Luciano Galdino, sobre os "Reflexos da colonização holandesa no desenvolvimento econômico e social de Alagoas - 1630/1654", onde é debatido justamente a questão da vocação da cana em Alagoas, defendendo a diversidade.

Confesso minhas limitações e ignorância, mas tenho procurado estudos acadêmicos que abordem o antropofagismo indígena, notadamente das tribos nordestinas, como estudos mais lúcidos sobre o histórico e o reflexo da indústria canavieira nos municípios nordestinos e não tenho encontrado.

Da minha parte, ou melhor, como juízo pessoal que não merece crédito de primeira e sim estudos aprofundados dos pesquisadores, em primeiro lugar os caetés não eram canibais, mas sim, que se fizeram papadores-de--bispo ao encontrarem portugueses famintos que não se adaptavam ao paladar brasileiro e, por isso, partiam, então, para além de trepar com as índias, ainda assavam o índio e comiam. Ou seja, faziam uma verdadeira farra geral. Daí, acho que os índios diziam: se branco papa índio, índio papa branco também.

Em segundo: o atraso endêmico que esta região sofre, notadamente na constatação de que tudo está nas mãos de pouquíssimos ricaços, enquanto todo o resto não detém nada absolutamente, está exatamente na vocação equivocada e no predomínio da monocultura da cana-de-açúcar. Se duvidarem, mergulhem fundo na questão e confrontem prós e contras, e me digam o resultado.

Mediante isso, reforço a idéia de que falta se conhecer melhor o Brasil para se explicar essa jeringonça toda da realidade deste país. Vamos nessa? Vambora.



© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.



Veja também sobre o mesmo assunto:

No Reino do Mamoeiro:

http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=6245&cat=Crônicas

&

Onde há fumaça, há fogo:

http://www.sobresites.com/poesia/resenha/fumaca.htm



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