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Artigos-->Pós-Modernidade e o Fim Dos Estereótipos Sociais -- 26/12/2003 - 12:29 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Neopragmatismo e as vozes Sociais do Mundo Contemporâneo



Paulo Ghiraldelli Jr.

Centro de Estudos em Filosofia Americana

CEFA – http://www.cefa.org.br/



A perspectiva tipicamente moderna ensinou os intelectuais a olhar para a sociedade na busca de "sujeitos sociais". A idéia era, então, a de que os chamados "movimentos sociais", cada qual com suas reivindicações e, portanto, "ideologias" ou "ideários", fossem constituídos por "indivíduos". A noção de "indivíduo" para a sociologia e a noção de "sujeito" para a filosofia davam para os profissionais do Serviço Social e áreas correlatas, como a Educação por exemplo, o modo pelo qual era possível de entender a atuação de homens e mulheres no interior de "movimentos sociais". Cada participante tinha de ter, antes de qualquer coisa, uma "identidade", sem ela ele não era um autêntico participante do movimento ao qual ela estava mais ou menos inserido.



Sendo assim, cada profissional da área de Serviço Social (ou de Educação) ficava esperando que aquele que ele chamava de "negro" viesse a ter uma identidade cultural afro-brasileira, que aquele que ele chamava de "mulher" viesse a ter uma identidade cultural feminista, que aquele que ele chamava de "homossexual" viesse a ter uma identidade cultural "gay" ou "lésbica" e assim por diante para "índios", "operários", "presidiários", "crianças" etc. O profissional do Serviço Social (e da Educação) não acreditava que um "movimento social" podia fazer algo de valor, algo eficaz, se essa identidade não estivesse aflorada, manifesta em uma boa maioria dos participantes do "movimento" em questão. Tudo era feito, então, em cima da palavra "conscientização", ou seja, havia mil e uma maneiras de se trabalhar com os "movimentos sociais" no sentido de cultivar em seus membros a identidade cultural respectiva ao movimento no qual ele participava. Todos queriam encontrar um melhor método para se trabalhar no interior do "movimeno social", e o objetivo era único: "conscientização" da "identidade social". Quando o "movimento social" não obtinha o que queria, após uma jornada de lutas, dizia-se que a grande falha estava no fato dos participantes ainda não estarem "conscientizados". Ou seja, os "gays" não se viam como "gays" de maneira suficiente, os "índios" não se tomavam como "índios", as "mulheres" não abraçavam o feminismo como deveriam abraçar etc. etc. etc. Não passava pela cabeça do profissional do Serviço Social (e da Educação) a idéia de que poderia não existir o "negro", a "mulher", o "pobre", o "operário" etc; e que, portanto, o fracasso de qualquer jornada de lutas de um dado "movimento social" não era pela falta de "sujeitos sociais" ou indivíduos com "identidade" corretamente formada.



O pós-modernismo, que tomou forma nas discussões acadêmicas no Brasil nos anos oitenta e noventa, nos ensinou que a noção de "sujeito" e de "indivíduo", como estavam postas pela modernidade, estavam complicando nossa forma de ver os "movimentos sociais". Ou seja, começou-se a perceber o que hoje é quase óbvio para vários: o que existe na trama social são discursos, são vocabulários, são vozes, não substâncias. "Sujeito" e "indivíduo" estavam substancializados, ontologizados em excesso, mas o que se tinha deles na prática social e política não era nada além do que vozes – vozes contingentes. Ou seja, há um "pacifista" quando há uma voz contra a guerra, há um "feminismo" quando há um discurso por ampliação de direitos do chamado "o segundo sexo" (o termo usado pelos existencialistas). Há o "anti-racismo" quando existe um discurso que denuncia as humilhações de etnias etc. Mas ninguém é eterna e substancialmente "pacifista", "mulher-feminista", "negro" – ninguém é, por definição metafísica ou positivista, "minoria". A filósofa Elizabeth Ascombe foi uma mulher conservadora em costumes, mas foi uma voz corajosa capaz de dizer ao Presidente Truman que ele estava errado ao jogar as bombas atômicas contra o Japão. Um "gay" pode ser anti-semita, detestar judeus tanto quanto Hitler, mas achar que Hitler exagerou quando quis também eliminar "ciganos", "gays", "doentes" etc. O pós-moderno, entre outras coisas, nos ensinou a ver os "movimentos sociais" como transformações discursivas contingentes, capazes de mobilizar energias, e não mais como conglomerados de seres humanos que, para agir corretamente, deveriam estar "conscientizados" de sua "identidade cultural" ou, ao menos, capazes de obedecer líderes que já estavam "conscientizados".



Para alguns profissionais do Serviço Social (e da Educação), o pós-moderno trouxe, então, um ensinamento novo e um desafio. Para outros, o pós moderno trouxe desesperança e raiva. Os que ficaram desesperançados e raivosos são os que, hoje em dia, estão achando que o norte-americano é "imperialista". Ou seja, são aqueles que acham que os Estados Unidos, ao jogar bombas no Iraque, revela a identidade guerreira, má, imperialista de homens e mulheres nascidos entre o México e o Canadá. Os profissionais do Serviço Social (e da Educação) que não ficaram com raiva ou com desesperança com as novidades do pós-moderno, são os que, hoje em dia, conseguem ver que um norte-americano pode ser preso em uma passeata pacifista sem ser, no entanto, um traidor da pátria ou um "amante de Saddam", como querem os jornais conservadores nos Estados Unidos.



Em outras palavras: foi possível aprender com Foucault que o "Homem" não existia, que o "sujeito" havia sido uma construção de discursos, mas também foi possível aprender com Rorty e Davidson que a não existência do "Homem" e do "sujeito" não implicava na desistência de detectar bons discursos, de criar bons discursos em favor de causas que antes estiveram ancoradas filosoficamente na idéia de "Homem" e na idéia de "sujeito".



A redefinição que o pós-moderno trouxe ao Serviço Social (e à Educação) foi, pelo menos no que tange os que estudaram comigo, em certo sentido, em favor de uma perspectiva filosófica que havia sido defendida por John Dewey e William James no passado, e que atualmente vem sendo defendida por filósofos como Richard Rorty, Hilary Putnam, Donald Davidson e outros. No Brasil, desde há muito, viemos construindo algo no sentido das reformulações pós-modernas, e chegamos agora a um momento feliz, ao elegermos um presidente pós-moderno. Lula, desde há muito, é pós-moderno. Sempre quando perguntado se era "socialista", "marxista" etc., respondia claramente que era "torneiro mecânico". Ou seja, ao recusar a "identidade" dada por um "idéario" racionalista e moderno, ao se dizer simplesmente que era "torneiro mecânico", é óbvio que ele não estava assumindo uma "identidade profissional" no lugar de uma "identidade" que seria mais sofisticada, dada por uma suposta "conscientização". O que Lula fazia era um jogo negativo com quem o interrogava, de modo a desmobilizar aqueles que queriam receber uma resposta tipicamente moderna, uma resposta fechada, uma resposta que viesse, mais tarde, a se tornar uma camisa-de-força. Assim, em certo sentido, nesse tipo de desconstrução da "identidade moderna", Lula se mostrava, antes mesmo da discussão do pós-moderno na academia, como um político pós-moderno, como um pessoa muito inteligente. Talvez esteja aí um de seus trunfos eleitorais e, enfim, um dos elementos que o fez durar tanto tempo na política brasileira como líder trabalhista sem se tornar "pelego". Somente ele poderia vir, de fato, a ser acolhido pelos homens e mulheres que são tudo e não são nada, que são o que as vozes contingentes podem dizer segundo necessidades momentâneas. Lula, assim fazendo, cultivou uma prática política querida do neopragmatismo enquanto filosofia, ou seja, a prática de eliminar o uso excessivo de definições e, até mesmo, de conceitos. O neopragmatismo, no campo da filosofia social, é sim uma teoria ad hoc, ou seja, uma teoria que qualquer um pode usar, mas não obrigatoriamente precisa usar, quando quer enfrentar algumas situações do mundo pós-moderno, em especial a situação em que sabemos que vozes determinam comportamentos, que linguagens determinam descrições e que estas, por sua vez, dizem o que iremos fazer, sentir e pensar.



O profissional do Serviço Social (e da Educação), se quer tomar o neopragmatismo como uma teoria ad hoc, não tem nada a perder, somente a ganhar. Não perde nada, porque não precisa abandonar certas verdades iluministas radicalizadas, que Marx incorporou quando disse que a justiça liberal não era tão justa quanto poderia parecer, que a fraternidade liberal não era tão fraterna quanto se pretendia e que a igualdade liberal poderia ser mais ousada que a conseguida pelas "revoluções burguesas" clássicas. Nenhum neopragmatista precisa negar isso. Mas o neopragmatismo ajuda a aceitarmos que quem fala em favor disso não precisa estar "conscientizado", não precisa ser um "sujeito" ou "indivíduo", isto é, uma mônada social que garante uma certa "natureza" ou "segunda natureza" que justificaria ser "gay", ser "índio", ser "negro" etc. e, por causa disso, ter direitos. O neopragmatismo dá ao profissional do Serviço Social a chance de dizer: "não preciso de uma ontologia dos membros do movimento social para justificar a reivindicação que ele faz, preciso apenas de ver se há um bom discurso que está incomodando os que estão negando novos e velhos direitos para nós".



O profissional do Serviço Social (e da Educação) não tem mais de dizer que alguém é "oprimido", que há uma "opressão", ele apenas precisa dizer que para conquistar direitos já concedidos, e para criar novos direitos nunca antes sonhados, é bom que comecemos por uma revolução – uma revolução que é sempre semântica. Se temos condições de criarmos novas palavras, novas sentenças, novos discursos e, mais que isso, se temos condições de jogar com novas metáforas, temos grandes chances de ver os "movimentos sociais" se aproveitando disso tudo para escandalizar conservadores, acuar reacionários, transformar os que estavam mais propensos a serem transformados.



O profissional do Serviço Social (e da Educação) – e isso está nas teses de doutoramento de Regina Suely e Maria José, professoras da UCG – pode, com audácia, ser suficientemente imaginativo para usar e abusar das metáforas no sentido de criar um campo semântico capaz de gerar uma meia volta nos demais comportamentos lingüísticos e não lingüísticos. São os novos discursos que vão dizer quais são as reivindicações, e não necessariamente os "sujeitos sociais" ou os "atores sociais" ou os "indivíduos conscientizados". "Sujeitos", "atores" e "indivíduos" ainda reclamam por uma ontologia, ou até mesmo a constroem. Discursos reivindicativos não são válidos porque são ontologizados, são válidos na medida em que cativam os outros, que atingem as entranhas dos outros, que atiçam sentimentos, que evocam compaixão, que aguçam o intelecto, que mudam cabeças, que forçam aprendizados, que arrancam lágrimas e gritos. Ninguém nasce "negro" nem pode ser "conscientizado" de que é "negro", e, afinal, como mensuraríamos quem é e quem não é "negro"? Mas há um discurso, ou vários, que pode ser atribuído à história dos "negros". Em várias sociedades ocidentais, em favor da liberdade e da igualdade do negro escravo, e depois em favor do negro discriminado, e depois em favor do negro que sofre preconceito, houveram discursos que não precisaram ser pronunciados por um "militante do movimento negro", que é um "ator social conscientizado", mas que apareceram nas mais variadas e diferentes bocas. Alguém se disse abolicionista mesmo sendo um senhor de escravos, pois talvez quisesse acabar com a escravidão porque a achava socialmente hedionda, ou inútil para seus negócios. Alguém se disse abolicionista e, como um militar, teve a certeza que só poderia acabar com isso matando negros, ou seja, afundando navios negreiros! Assim, amanhã, o discurso de alguns ingleses e norte-americanos em favor da guerra contra o Iraque poderá se desenvolver na mesma linha daquele que se fez em relação ao Japão. O que se disse foi que era necessário libertar o Japão de sua própria doutrina fascista, no final da II Guerra Mundial. Para libertar o Japão de sua própria doutrina fascista foram necessárias duas bombas atômicas e, em seguida, a reconstrução do Japão, sua ocidentalização. Ora, um discurso como este pode ter seus opositores, e creio que muitos de nós somos opositores a ele, mas nenhum de nós vai poder dizer que quem proclama tais discursos é, por "natureza" ou por "determinação social" que se transforma em "segunda natureza", um imperialista.



Assim, parece que o neopragmatismo em Serviço Social (e em Educação) é, sim, uma doutrina pragmática, que pode fazer uma área que é par excellence pragmática, dar passos seguros com o respaldo de um teoria coerente. E ser racionalmente coerente, para quem está refletindo sobre uma prática, não é pouca coisa. O Serviço Social é coerente, na proposta do neopragmatismo, na medida em que pode acreditar na força dos "movimentos sociais" mesmo não acreditando mais que essa força, ou o fracasso, advém de perfeição ou imperfeição de "sujeitos", de "atores sociais" ou de "indivíduos conscientizados". O Serviço Social neopragmático prefere ouvir e criar vozes. Num mundo em que Marx disse que tudo que é sólido se desmancha no ar, as vozes, que não são sólidas, talvez possam durar mais tempo!



Goiânia, 06 de abril de 2003

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