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Artigos-->O Conservador de Apipucos -- 19/12/2003 - 13:33 (Fernando Garcia de Faria) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Pensamento Político de Gilberto Freyre

O Conservador de Apipucos



"Sempre me intrigou, e me intriga ainda, que Gilberto Freyre sendo tão tacanhamente reacionário no plano político (...) tenha podido escrever esse livro [Casa Grande & Senzala]generoso, tolerante, forte e belo"



Darcy Ribeiro



Os caminhos da reflexão que geraram a idéia deste texto estão intimamente ligados a uma carta: "Para um programa da ARENA (sugestões do Prof. Gilberto Freyre)", de 10 de maio de 1972 para o então presidente da ARENA, o senador Filinto Müller. Nesta data, o Brasil acabara de entrar no oitavo ano consecutivo do chamado regime militar, a pouco mais de um mês as forças armadas se engalfinhavam com guerrilheiros comunistas na selvas do sul do Pará; e três meses antes do mesmo presidente da ARENA ser proibido pela Censura de dizer que não havia censura no Brasil.



O remetente



O autor de Casa Grade & Senzala caminhava para a quarta década de vida intelectual pública em âmbito nacional. Aos 39 anos de sua obra inaugural ele segue à risca o ideal de produção científica com fins de possível revolução intelectual, como se virasse a página da produção das ciências sociais no Brasil, que poderiam ser exemplificados tanto no Manifesto Regionalista de 1924, como na participação do governo de Estácio de Albuquerque Coimbra. Inicia sua grande obra com mérito político: "Em outubro de 1930, ocorreu-me a aventura do exílio"[1]. Exílio provocado pela deposição do presidente da província de Pernambuco, Estácio Coimbra.



Gilberto Freyre, que havia sido alfabetizado na língua inglesa aos oito anos por um padre, foi estudar nos Estados Unidos, Portugal e Inglaterra e em 1924, junto com um punhado de intelectuais e artistas nordestinos, solta o Manifesto Regionalista. O documento foi considerado uma pequena fissura à Semana de Arte Moderna pois, como Gilberto Freyre colocou já no final da vida, "a Semana de Arte Moderna representou uma introdução arbitrária, no Brasil, de modernices européias, sobretudo francesas. Sem dúvida, cultura brasileira em geral e as artes brasileiras em particular precisavam na época de serem modernizadas, revigoradas - mas levando-se em conta a realidade regional brasileira, suas tradições características às quais se poderia adaptar inovações européias. Isso não se fez em São Paulo, mas sim no Recife, num movimento muito menos badalado, como se diria hoje, do que a Semana de Arte Moderna de São Paulo. Esse movimento foi regionalista, tradicionalista e, a seu modo, modernista, ao qual estiveram ligados artistas como Vicente do Rego Monteiro, um renovador da pintura e da escultura"[2].



Esse manifesto segue a linha antropofágica dos modernistas ao sabor nordestino. Mas em vez de aclimatar um ambiente cosmopolita ressaltava a importância da expressão sob um sentimento regional, destacando a necessidade de mostrar o nordeste como ele é.





Após quase uma década do surgimento dos ideais do manifesto regionalista e os anos de pesquisa dentro e fora do Brasil, Gilberto Freyre lançou, em dezembro de 1933, Casa Grande e Senzala. Que Darcy Ribeiro considerou que "poderíamos passar sem qualquer dos nossos ensaios e romances. Mas não passaríamos sem Casa Grande & Senzala sem sermos outros"[3]. Para aqueles anos em que o Partido Socialista Nacional Alemão conquistaria o poder máximo da Alemanha, a publicação das centenas de páginas gilbertianas foi uma explosão de deslumbramento, como caracterizou Jorge Amado.



A obra "aconteceu em 1933 como algo explosivo, de insólito, de realmente novo, a romper anos e anos de rotina e chão batido" como foi descrito pelo marxista Astrojildo Pereira. Das palavras chulas foram construídos arcabouços narrativos presos à grande especulação documental e de expressões pornográficas foi-se reconstituindo o passado colonial por vias ainda não experimentadas.



Nestes tempos a teoria do cientificismo racista tinha patamar oficial. Nina Rodrigues era intelectual de primeiro escalão das ciências sociais do Brasil. A família patriarcal fizera em Gilberto Freyre uma referência paradigmática daí nasceu seu prazer, como o próprio autor colocara, em escrever a obra. Seus avós tinham sido donos de engenho e senhores de escravo, aliás os homenageados com Casa Grande & Senzala, já que o autor dedica a eles. Esse ambiente da família patriarcal, dos muitos empregados mulatos e negros, que podiam ser vistos dos parapeitos e sacadas da casa grande, formaram a curiosidade pelo objeto de estudo futuro de Gilberto Freyre.



É possível perceber que o autor nos conta a narrativa do resultado de suas pesquisas com um cigarro numa mão e o frasquinho do alambique de cachaça fina na outra, do alto da sacada da casa grande. Às vezes parece uma saudade de tempos contados por mucamas, negras empregadas (agora assalariadas) nas fazendas onde passou infância e parte da juventude. Onde tudo era mais risonho, os doces mais saborosos, o gozo mais entorpecente.



O autor escreve do seu próprio olhar sobre o objeto, narra como branco, colonizador, morador da Casa Grande, patrão de muitos empregados negros. Mas depois que voltou da aventura do exílio sentiu dificuldades para a readaptação no Brasil. Sentiu-se mais estrangeiro do que já sentira em qualquer outro país, como pôde pronunciar anos mais tarde. Foi assim que o crítico literário Otto Maria Carpeaux se identificou com a obra de Gilberto Freyre, "ali descobri uma página que me fascinou por muitos motivos, inclusive pelo exemplo do europeu, que sucumbe no Brasil a forças invencíveis de uma vida nova em terra nova"[4].



Gilberto Freyre voltou e lutou contra a derrota de uma geração, vendo que os desdobramentos da Revolução de 1930 daria condições para o sucesso de suas idéias. Na própria Casa Grande & Senzala foi rascunhando seu pensamento político, já com certa influência das idéias de Oliveira Viana. Tinha como hipótese, o pernambucano, que o português teria uma natureza psicológica sado, enquanto o índio e o negro pendiam mais para o masoquismo. Então concluiu que a relação social deveria seguir as mesmas características. Enquanto o branco português, da elite, estaria "gozando ao torturar seu moleque de brinquedo, depois viria o gozo de machucar escravos, por fim, cairia no gozo maior que é o de oprimir quem quer que esteja por baixo; o outro, fruindo ser torturado e machucado. No exercício mesmo desses papéis recíprocos, brasileiro da classe dominante teria ganho seu traço mais característico - o mandonismo - e sua contraparte social, o povo-massa, nomenclatura largamente usada por Oliveira Viana) seu gosto também mais típico - o masoquismo - expresso no gozo da pressão sobre ele de um governo másculo, corajosamente autocrático"[5]. Darcy Ribeiro desenvolve ainda, que para Gilberto Freyre, "o despotismo - que viabiliza a preservação da ordem numa sociedade brutalmente desigualitária e injusta como a brasileira do passado e do presente - não seria mais do que um atavismo social, um laivo do puro gosto de sofrer, de ser vítima ou de sacrificar-se, que singulariza o brasileiro comum"[6].



Assim como outro homem de saquarema[7], Francisco Adolfo de Varnhagen, Gilberto Freyre também justificava as ações do poder público - seja ele imperial ou republicano - tornando a história mais estática quando o assunto for conflitos. Nos tempos em que morou nos Estados Unidos, fez profunda amizade com um historiador muito conhecedor da obra do "Pai da História do Brasil", Oliveira Lima.



Mas quem mais influenciou Gilberto Freyre nos Estados Unidos, foi o antropólogo judeu alemão Franz Boas. Nas pesquisas desenvolvidas na Universidade de Columbia aprendeu a diferenciar os conceitos de raça e cultura, "aprendi (...) a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio"[8]. Gilberto Freyre falhou quando disse que fora o primeiro a citar Boas no Brasil. Antes dele, Alberto Torres já havia mencionado o antropólogo.



A extensão e originalidade da obra de Gilberto Freyre lhe trouxe gabarito para enfrentar seus inúmeros opositores, tanto no campo intelectual quanto no político. Suas relações com o regime militar no Brasil e o salazarianismo em Portugal o tornaram alvo de ataques políticos e uma maior coesão com esses governos. Mas o Regime Militar sofreu perdas de adesões logo no início, quando as eleições para presidente em 1965 não aconteceram e a repressão começou a ser rotina. O apoio de um intelectual como Gilberto Freyre amainava críticas e dividia o setor dos intelectuais, ao ponto de ter sido convidado a ocupar a pasta do Ministério da Educação. Não aceitou, pois já teria dado seu adeus à vida política em 1950 e só voltaria se pudesse ter sido governador de Pernambuco, como afirmaria anos antes de sua morte.



O governo tinha mais interesse de mostrar um regime de conciliação nacional do que os resultados que podia obter com Gilberto Freyre à frente da Educação. Os "quadros" intelectuais do país estavam se aposentando, presos, exilados ou bastante recatados. O sociólogo de Apipucos continuou apoiando o regime até final da década de 1970.



Na carta endereçada a Filinto Müller, Gilberto Freyre usa uma linguagem formal bastante diferente da usada em Casa Grande & Senzala, apesar de que é preciso lembrar do tom aristocrático que o eclético Casa Grande & Senzala também contém. O antropólogo Ricardo Benzaquem nos mostra que até mesmo a linguagem concilia o vocabulário dos bacharéis com a dos caboclos, "a forma moderada de equilibrar os antagonismos conservada pelas mulheres nas cozinhas patriarcais: celebrando os seus antepassados nobres, mas escrevendo mais ou menos como um escravo falava, ele explicita, um pouco como nos casos dos pronomes, a possibilidade de uma convivência relativamente harmônica de diferentes tradições dentro de si mesmo, acentuando a sua identidade como um intelectual e um aristocrata nada requintado "[9].



O texto da carta é formal beirando a timidez, de um simplicidade que pouco deixa transparecer a vaidade tão característica do autor. A carta tem um bilhete no início em que Gilberto Freyre situa o presidente da ARENA do que se trata e como foi o caminho para que o pedido chegasse ao autor.



Com um caráter bastante pontual, as linhas políticas enaltecem a necessidade da construção de um partido renovador para a fase que o Brasil passava no ano de 1972.



A carta tem um teor consultivo, opinativo que mostra a relação aberta que existia entre o autor e o regime. Daqueles dirigentes do governo, vários o autor tinha afinidades de longa data. Principalmente da sua participação na constituinte de 1946, que o levou a ser um intelectual destacado da ala dos conservadores, apesar de não ser o intuito deste texto, valeria uma análise mais aprofundada nos autos do Congresso Nacional.



Em certo momento o autor, na sua enrijecida carta, deixa ser percebida sua preocupação à Arena precisa "desenvolver suas próprias formas inclusive as políticas - de organização social, independente de qualquer cópia ou arremedo de organizações estrangeiras desse tipo"[10]. Deixando claro que o Brasil tem uma especificidade única pela sua formação híbrida de três "raças", o índio, o negro e o branco.



É válido destacar que o autor se auto denominava "Cabral Moderno" pelo fato do seu "redescobrimento do Brasil" fundado na tese do hibridismo; que antes dele foi levantada pela primeira vez, por Karl Friedrich Philip von Martius em 1844, quando premiado por um concurso de linhas gerais para o estudo da história do Brasil patrocinado pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Seria mais rigoroso "Martius Moderno".



O envolvimento das concepções do autor estão bastante expostas na carta, o hibridismo tese revisitada com ampla criatividade, é apresentada quando ele defende na carta a necessidade do Brasil afirmar-se "perante si mesmo e perante as demais nações ativamente consciente de valores que são próprios, entre os quais, sua crescente superação de diferenças raciais pela tendência crescente para se afirmar o seu povo uma além-raça"[11]. A conciliação de extremos chega ao seu limite quando ele nega a existência de preconceito racial histórico, devido aos quase quatrocentos anos de escravidão pelo que passou o país, e que não houve até então políticas eficientes de inclusão até então.



De começo ao fim ele toca na questão da modernização dos vários setores da sociedade, deixando a certeza que mesmo com todos os avanços feitos pelo "milagre econômico" dever-se-ia completar a chamada segunda revolução industrial, no que ele chama de "promoção de interesses nacionais básicos".



Em momento nenhum ele se coloca como um intelectual independente da estrutura ou mesmo de oposição. Seu posicionamento é construído como o de intelectual orgânico do partido renovador, dos interesses do partido é às vezes apontado antes mesmo dos da nação, sendo que em nenhum momento, também, esses interesses se chocam.





O ano de 1964 é colocado como um marco, em que "ao refletir as idéias da revolução de 64, a ARENA será o construtor de uma situação política que possa servir, no futuro, para ampliar, entre os brasileiros, instituições brasileiramente democráticas"[12].





Preocupa a oscilação da massa de apoios constituídos pela ARENA, "entendemos ser necessário um recrutamento constante, pela ARENA, de elementos capazes de representarem novas lideranças partidárias nos diversos setores da vida nacional"; a adesão de novos apoios e formação de novas referências políticas para a ARENA, parecia ser um ponto essencial para o autor que via o crescimento de sua agremiação e (também oscilante) do MDB. E com esse fator, mesmo com um caminho para a resolução, devia para o autor, "caber à ARENA, de acordo com a Revolução de 31 de Março, quanto antes promover a formulação de novo processo eleitoral que tenda a revitalização de lideranças partidárias adequadas ao processo do desenvolvimento brasileiro"[13].



A questão da eleição e da crescente institucionalização da ARENA é ligada a dois outros fatos contidos na carta do autor: 1) "pelos períodos críticos de transição" passados pelo país nos últimos anos e 2) pelo fato de o país se encontrar ainda "dramaticamente, num processo, do que um de nós (leia-se membros da Fundação Joaquim Nabuco que prepararam junto com Gilberto Freyre a carta endereçada ao senador Filinto Müller) vem denominando autocolonização"[14]. Mostrando que há "diferentes situações regionais" que enxerga depois de quase quarenta anos da publicação de Casa Grande & Senzala, da mesma forma. Olha o Brasil através do colonizador, e quem sabe a ARENA como os bandeirantes? Mas Gilberto Freyre sabia o que significou as bandeiras, que: "se é certo o furor expansionista dos bandeirantes conquistou-nos verdadeiros luxos de terras, é também exato que nesse desadoro de expansão comprometeu-se a nossa saúde econômica e quase se comprometia a nossa unidade política"[15].



O destinatário



Filinto Strubing Muller nascera no mesmo ano que Gilberto Freyre, 1900. Ambos da mesma idade, passaram pelos mesmos momentos decisivos da história do Brasil. Filinto cursou a escola do exército na década de 1910, participou da movimentação tenentista de 1922 e 1924 exilando-se na Argentina após os cercos finais contra os rebelados; há contradições nesta parte da sua biografia. Alguns historiadores afirmam que Filinto participou da Coluna Prestes, como comandante e desertou. Mas é certo que participou timidamente das mobilizações de 1930 e teve atuação destacada na repressão contra os paulistas em 1932. No ano seguinte foi promovido para chefe da polícia do Distrito Federal.



Neste posto participou das perseguições contra integralistas e comunistas para a manutenção do Estado Novo, visitou oficialmente Heinrich Himmler, chefe da polícia nazista e reprimiu manifestações pró aliados em 1942. Em 1945, ajudou a fundar o Partido Social Democrático (PSD) que lhe deu legenda em 1947 para o senado em 1947 por Mato Grosso, que tinha grande eleitorado vindo da época em que fora prefeito de Cuiabá, algumas vezes, antes de se tornar tenente. Em 1950 foi derrotado nas urnas, mas se reelege em 1955 com outra vitória em 1962. Com o bipartidarismo depois do golpe, ajuda a fundar a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Sua última eleição para o senado foi vitoriosa em 1970 e no mesmo ano assumiu o cargo de presidente da ARENA, por mérito de destaque em suas articulações, principalmente no campo da linha dura do regime. Morreu no ano seguinte da carta em acidente aéreo em Paris.



Aqueles dias



Naqueles dias era possível (ou não! devido às censuras) ver nos jornais as conseqüências da crise do petróleo e os resultados do milagre econômico. O que dava um alto crédito para o regime, principalmente com a imprensa censurada. A guerrilha urbana estava praticamente extinta e a rural exigiu mais ou menos dois anos para o regime vencer. E mais censura.



Com o crescimento do país a ARENA tinha caminho livre para poder se tornar um partido cada vez mais influente na política do país, também pela interferência das fissuras dos militares não foi tão alcançado esse êxito. O deputado Flávio Marcílio defendia, já, a reeleição de Médici para as eleições de 1974.



O deputado pernambucano de imensa característica orgânica, de bastidores, organizacional, Marco Antonio Maciel, usou do seu extenso cabedal de contatos em Pernambuco para convidar o ilustre sociólogo, Gilberto Freyre, para fazer uns apontamentos sobre o futuro do país e da ARENA. Prontamente o sociólogo conhecido como referente ao que foi Sartre, Jorge Luis Borges, Camões em seus países, reuniu intelectuais da sua confiança da Fundação Joaquim Nabuco para a confecção de tal documento. Era importante para o regime ter Gilberto Freyre como um colaborador, até mesmo para atrair os possíveis outros colaboradores de peso que estavam intimidados com o governo.



Enquanto isso, organizações terroristas como Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e Esquadrão da Morte pululavam pelo país com apoio de parcela do aparato do Estado. Mortes e desaparecimentos estavam virando uma rotina em que se perdera o controle. A imprensa censurada não podia nem noticiar as quedas das bolsas, para não comprometer a credibilidade do governo. Como foi lembrado pelo jornalista Elio Gaspari, Médici tinha o poder de mandar e desmandar num país que tinha crescimento econômico relativo e hegemonia política.



O pensamento político de Gilberto Freyre aparentemente é muito confuso e às vezes beira contradições. Mesmo que embaraçada a linhagem da sua obra segue o conservadorismo da conciliação de contrários. Na mesma carta, ele afirma que no Brasil, por estar dentro do rol do "mundo democrático", do "sistema americano de nações", é tarefa do Exército manter a "tendência ao equilíbrio de antagonismos" no país.



Alguns pontos da carta é possível ser encontrado similares em Casa Grande & Senzala: o esforço de tornar a ARENA um partido renovador de articulações nacionais como fora colocado na carta, pode ter sido uma grande influência do que fora os padres jesuítas que "estavam em toda parte; moviam-se de um extremo a outro do vasto território colonial; estabeleciam permanente contato entre os focos esporádicos de colonização, através da língua-geral , entre os vários grupos de aborígenes"[16]. Talvez fosse para o autor esse o espírito que a ARENA tivesse de ter. Mas a já mencionada "diferentes situações regionais", no âmbito social mostram que a realidade física influi fundamentalmente no caráter, nas ações e no ser social do Homem.



Essa é uma característica essencial do pensamento gilbertiano, que pode ser comprovada na sua obra maior, quando indaga: "que condições, senão as físicas e químicas, de solo e de clima, determinam o caráter da vegetação espontânea e as possibilidades agrícolas, e através desse caráter e dessas possibilidades, o caráter e as possibilidades do homem?"





É por essas e outras que com tanta vaidade o sociólogo de Apipucos se deliciava com as respostas às críticas e sorvia como a bombons os elogios. Talvez Darcy Ribeiro tenha exagerado quanto a não sermos os mesmos sem Casa Grande & Senzala, mas seria um enorme vácuo, para as ciências humanas, se não tivesse explodido em deslumbramentos naquele momento.



A instabilidade política própria do autor e a do país fizeram com que no final do governo Geisel, Gilberto Freyre deixasse de apoiar e criticar por algumas vezes o governo através da imprensa. A partir daí se autodenominou anarquista construtivo e rascunhar alguns pontos programáticos para a sua nova ideologia.



Notas



[1] Primeira frase do prefácio à primeira edição de Casa Grande & Senzala.



[2] Entrevista concedida à revista Playboy em março de 1980.



[3] RIBEIRO, Darcy - "Casa Grande & Senzala", Introdução, Rio de Janeiro/ São Paulo, 46ª Edição, Editora Record, 2002, pp 12. Introdução feita por Darcy Ribeiro para uma edição venezuelana em que Gilberto Freyre se refere em entrevista à revista Playboy: "o antropólogo Darci Ribeiro, um grande antropólogo, escreveu uma introdução para a edição venezuelana de meu livro Casa-Grande e Senzala, que é talvez o que de melhor já se escreveu a respeito, do ponto de vista antropológico e sociológico".



[4] CARPEAUX, Otto Maria - "O Inventor do Brasil", O Estado de São Paulo, Caderno 2, 12 de março de 2000.



[5] RIBEIRO, Darcy - "Introdução", In: FREYRE, Gilberto - "Casa Grande & Senzala", Rio de Janeiro/ São Paulo, 46ª Edição, Editora Record, 2002, pp 17.



[6] Idem.



[7] Os homens de Saquarema são os pensadores que se comprometeram em elaboração política, de determinado governo no Brasil. Figuras que em muitos momentos decisivos fizeram falta, isso sem contar as concepções à qual serviam.





[8] FREYRE, Gilberto - "Casa Grande & Senzala", Rio de Janeiro/ São Paulo, 46ª Edição, Editora Record, 2002.





[9] Benzaquem, Ricardo - "Paz e Terra - Casa Grande & Senzala e a Obra de Gilberto Freyre nos anos 30", Rio de janeiro, Editora 34, 1994, pp. 187-188.



[10] FREYRE, Gilberto - "Para um Programa da ARENA", in: http://www.fgf.org.br



[11] Idem.



[12] Idem.



[13] Idem.



[14] Idem.



[15] FREYRE, Gilberto - "Casa Grande & Senzala", Introdução, Rio de Janeiro/ São Paulo, 46ª Edição, Editora Record, 2002, pp. 100.



[16] FREYRE, Gilberto - "Casa Grande & Senzala", Introdução, Rio de Janeiro/ São Paulo, 46ª Edição, Editora Record, 2002, pp. 101.



Bibliografia



FAERMAN, Marcos. O mulherengo Gilberto Freyre. Status. São Paulo, p.26-34, set. 1985.



BASTOS, Mauro. O anarquista construtivo. Veja. São Paulo, 04 jan. 1981.



"EU deixei sempre portas abertas". Folha de São Paulo. São Paulo, 09 mar. 1980. Ilustrada



Entrevista concedida a Arnon de Mello e publicada no Diário de Pernambuco de 12 de janeiro de 1942.



Entrevista concedida a Renato Carneiro Campos, Recife 1970.



RIVAS, Lêda. Parceiros do tempo. Recife: Universitária, 1997. p.179-191.



COUTINHO, Edilberto (Org.). Gilberto Freyre. Rio de Janeiro: Agir, 1994. p.87-94.



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FREYRE, Gilberto "Casa Grande & Senzala", Introdução, Rio de Janeiro/ São Paulo, 46ª Edição, Editora Record, 2002.



Benzaquem, Ricardo - "Paz e Terra - Casa Grande & Senzala e a Obra de Gilberto Freyre nos anos 30", Rio de janeiro, Editora 34, 1994.



FREYRE, Gilberto. Para um Programa da ARENA: sugestões do Prof. Gilberto Freyre. Recife: Alcântara Publicidade, 1972. 17p.



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REBELO, Aldo. 100 anos de Gilberto Freyre: um homem que entendeu o Brasil. Disponível na Internet http://www.camara.gov.br/aldorebelo



REALE, Miguel. Gilberto Freyre, um intérprete do Brasil. Jornal da Tarde. São Paulo, 21 out. 2000.



CARPEAUX, Otto Maria – “O Inventor do Brasil”, O Estado de São Paulo, Caderno 2, 12 de março de 2000.



MELLO, Evaldo Cabral de. O ovo de Colombo gilbertiano Folha de São Paulo. São Paulo, 12 mar. 2000. Mais!



BURKE, Peter. Uma história da intimidade. Folha de São Paulo. São Paulo, 12 mar 2000. Mais!



LOREM, Falcão. Gilberto Freyre: o homem que decifrou o Brasil. Manchete. Rio de Janeiro, n.1841, p. 12-14, ago. 1987.



FREYRE, Gilberto. Adeus à Câmara. Discurso proferido na Câmara Federal,Rio de Janeiro, 8 nov. 1950.



FLORESTAN: Não há democracia nem para branco. O GLOBO. Rio de Janeiro, 29 out. 1977.



Grande parte deste material está disponível na íntegra no sítio oficial da Fundação Gilberto Freyre (http://www.fgf.org.br)



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