Amor, amor, amor,
amor que nunca se acaba,
amor que, se ele desaba,
fá-lo-á morrer de dor.
Isso aí é do meu amigo Bocage:
aquele mesmo beberrão de cerveja
e de outros álcoois
e que joga no palito a despesa
e paga muitas vezes.
Bêbedo,
inteiramente transformado,
ele, o lírico Bocage, bêbedo,
e por quê?
Porque lhe levaram a mulher que se lhe havia recusado,
porque só sabe dar amor.;
não há quem lho dê.
Talvez queira o impossível,
ou, talvez, não saiba receber o amor.
Fato é que é lírico
e, por isso, bebe.;
pensa e bebe.;
pensa, fala e bebe.;
e é o melhor contador de piadas que conheço!
É tragicômico —
ou melodramático?
Sim, sua alma canta, vibra, transmuda-se
e ele sofre
a dor mais dolorida: a dor da alma.;
mas ri, tristemente, é certo,
mas ri,
e consegue ver o bem no mundo,
embora não veja Deus.
Ó Bocage, só agora consigo compreender-te!
Ó meu amigo,
só agora começo a sofrer contigo,
pulsar junto ao teu o meu coração!
Pérfida mulher: culta e ignorante mulher,
que lhe custaria volver os olhos ao meu amigo,
levantar a cabeça para poder vê-lo, tão alto ele está?
Seria dar-lhe a vida inteira?
E que importância tem o fato quando a transmudação do mundo para ela ele saberia mostrar?
Mulher, mulher — loira e delicada mulher —
perdeste a felicidade quando não no quiseste.
É pena, porque existe para ele agora o sofrimento.
Fizeste mal, ó mulher,
abriste a porta da descrença ao meu amigo,
a Bocage,
ao lírico,
ao bêbedo de hoje.
E como ele a seguia com os olhos,
e segue,
e o carinho de seu olhar.
e a vontade da súplica,
a voz e a fala revoltada que hoje tem,
e as injúrias que ele lhe diz...
Amor, amor, amor,
amor que nunca se acaba,
amor que, se ele desaba,
fá-lo-á morrer de dor.
15.10.58.
|