A Flor Bela Mineira
Raymundo Silveira
Ler os versos de Elane Tomich é um privilégio, mas pode ser também muito perigoso! A sensação que se tem ao ler os seus poemas é a de que eles teriam sido escritos especificamente para aquele determinado leitor. O risco? O risco é o de que este se torne enfeitiçado, do mesmo modo que o canto da sereia dos penedos de Lorelei enfeitiçava os marinheiros que desciam ou subiam o rio Reno e estes se espatifavam contra o rochedo no qual ela habitava. Em outras palavras, ler os poemas de Elane é se expor ao perigo de se apaixonar por ela.
Com efeito, os versos desta linda sereia mineira são intrinsecamente musicais; eles possuem em si mesmo, melodia, harmonia e ritmo, não havendo, portanto, nenhuma necessidade de recursos de mídia a fim de se escutá-los embevecido; pelo contrário, quem quiser sentir em plenitude, a sua musicalidade encantadora, deveria agir como age o autor deste texto: desligar todos os equipamentos sonoros, isolar-se de qualquer ruído e se deixar invadir pelos sons das suas sonatas, sinfonias, prelúdios, fugas e cantatas. Como os desta “Estranha Alquimia”, por exemplo:
De tanto em mim ficares,
fez-se paz na minha espera.
Teu assobio vizinho
desmistifica a esquina.
Quebra-me a taça de vinho
entornando meus pesares.
Sem saber eu esperava
páscoa e natal de menina.
Teu incenso de quereres
envolve-me de ser, mulher.
Teu andar é balançado,
um braço pra cada lado
palpita em teu peito o horizonte.
No exercício do aconchego.
ligas cabeças de pontes
na festa do quando chego.
A gente se funde ao meio,
entre uma vala e dois seios.
Praticas estranha alquimia
num jeito de misturar
cozinha com filosofia,
gosto e cheiro de iguarias
Frutas, flores e poesias.
Tocaste nas cercanias
de um sentimento cativo
decretando sua alforria.
Se digo, paras pensativo,
teus olhos vagam a esmo
em busca de alguma magia
dás meia volta em ti mesmo
de amor supor, decerto,
planto rosas no deserto.
Como se pode ver, escutar qualquer som simultaneamente ao ler este poema, ainda que seja o de uma “Manhã de Carnaval”, “Feelings”, “White Christmas, “Let It Be”, “Woman”, “Yesterday” ou de qualquer que seja a canção, é incompatível com a musicalidade destes versos. Seria como se tentar ouvir todas elas ao mesmo tempo.
Um outro detalhe que me surpreende na poética de Elane Tomich é que ela não precisa ser erótica para motivar aquela magia da sereia de Lorelei. O erotismo é, sem dúvida, um chamariz importante em todo Poema, sobretudo quando escrito por uma mulher, e este pormenor é, na minha ótica, a razão do sucesso de muitas poetisas no “reino encantado” da Internet. Não se está a querer negar o valor das formatações luxuriosas, das melodias sensuais e do versejar erótico das nossas demais poetas. Nem também se está a afirmar que Elane não utiliza o erotismo em seus poemas. As diferenças, contudo, são evidentes e as mesmas quanto às demais composições. Para que um poema erótico de Elane Tomich deixe homens e mulheres enfeitiçados, ele não necessita de imagens de nudez, sexo explícito, poses sensuais ou pornográficas, embora não se esteja aqui a exorcizar o valor da utilização de tais recursos. O que se quer demonstrar é tão somente o valor intrínseco das palavras que ornam o seu versejar. Bastam, portanto, os vocábulos entretecidos no bordado divino dos seus versos para que o erotismo transborde à flor da pele do leitor. Se duvidarem confiram nesta “Fome de Amor”
Você , de me amar liquefeito,
pegue a matéria prima
do gozo e me recomece,
me molda, morda e comprima.
Me ame daquele jeito!
Coma-me como uma fera
feroz e devagarinho,
desgovernando o carinho.
Ache em minha carne a espera
e o destino da espécie.
Beba-me com carinho
ou, se a sede for voraz,
acabe de um trago o vinho
de costas, bebo a dor da paz.
Descole da pele o arrepio
e reconstrua meu cio.
A porta da carne é certa
no vértice do ângulo reto,
das minhas coxas abertas.
O perto ficou tão perto
que o aperto estala certo.
Voarei nos seus calafrios
colhidos na flor dos delírios...
Me faça sentir colorido!
Não pare, que o meu gemido
é o começo do sentido,
da paixão que nos consome.
Atávica carne em tormento
de encontrar no infinito a fome
de meu sangue de mulher,
que neste exato momento
você deve estancar e moldar.
Este não é o primeiro texto que escrevo sobre uma das minhas Poetas prediletas. Em outros deles cheguei a escrever: Dizer que Elane Tomich é a maior poeta viva das ”Minas dos Matos Gerais” não sou eu também sozinho quem o faz, mas os seus próprios versos. Já li com estes olhos que o fogo há de incinerar (Insh Alah), um texto de uma afamada poeta portuguesa que chama Elane de a “Florbela Espanca brasileira”. Com efeito, tal qual a poesia da “belíssima flor” de Matosinhos, a desta mineira linda de Teófilo Otoni contém um quê de magia e de encantamento. São poemas os quais, mesmo que não queiramos, com eles nos envolvemos de tal sorte, que nos sentimos transportados para outras esferas, outras galáxias, outras dimensões deste desconhecido universo. Todavia, ao mesmo tempo, são tão simples ao ponto de tornarem sublimes as coisas simples. Ela faz de um “Licor de Tamarindo”, um bálsamo suave para as dores da alma. Faz este vale de lágrimas que é a Terra voltar a ser o Paraíso. Torna as misérias da condição humana mais do que toleráveis: aproxima-as do divino. Sinto, todavia, as minhas palavras caírem no vazio; sinto-as como se fossem absolutamente dispensáveis. Chego mesmo a escutar as Musas a se rirem de mim enquanto balbuciam: “Que diferença faz tu teres ou não escrito tantas palavras para dizeres algo completamente inútil? Para destacar o valor poético da sua obra; para despertar a atenção e a cobiça de qualquer leitor, basta lhe dizer: ‘Toma. Lê. É de Elane Tomich!’. Para que mais?”
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