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Contos-->A primeira transa de Kate -- 09/11/2001 - 14:49 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ela tremia. Pernas, mãos, o corpo inteiro. Seus passos se tornaram desengonçados, inseguros. Os clientes começariam a chegar por volta das oito da noite. Só faltavam quinze minutos e, mais de uma vez, pensou em abandonar tudo. E se alguém conhecido aparecesse por lá, meu Deus? Pensamento positivo, pensamento positivo. Estava a quilômetros de seu bairro. Estava na Zona Sul e ela morava na Zona Leste. Não, não apareceria ninguém. Além do mais, estava irreconhecível. O melhor daquele emprego, até então, era ter conseguido aquele trato todo. Cabelos, unhas, perfumes. Justificou para Dona Eugênia – a mãe – que conseguira emprego numa lanchonete de um posto de serviços na Anchieta. “E como você vai para lá, menina? É tão longe...” Pediu para a mãe não se preocupar. Ela pegaria carona com um frentista, o Paulo Roberto – “aquele do fusquinha azul, lembra?”. E chegaria cedo, por volta das 7 horas da manhã. Já estaria claro e a mãe não precisava ficar tão nervosa. O primeiro cliente entrou pela porta dupla. Ela presenciou o segurança o revistando. Havia dezenas de garotas. E o cliente foi direto ao american bar. Monique, sua instrutora, se aproximou do rapaz. Ele parecia assustado, envergonhado. Pediu uma bebida qualquer. Pareceu um Campari. Sim, era um Campari. Com gelo e limão. Monique alisava a cabeleira do rapaz. Sorria, sempre. Sorria e o alisava. Kate observava. Tinha sido orientada pelo patrão a não pegar nenhum cliente antes de ver Monique em cena. Monique era bacana, diferente das demais veteranas, que soltavam piadinhas para ela desde que fora contratada. Ela mesma se propôs a ensinar os primeiros passos para Kate. O segredo, amiga, é o sorriso contínuo. Sempre sorrindo, entendeu?

Mais rapazes foram chegando. Alguns pareciam conhecer as cortesãs. Abraçavam. Beijavam. Faziam pequenas carícias em seus cabelos. Outros vinham em duplas. Eram mais discontraídos. Os que chegavam sós eram mais arredios. Perscrutavam o ambiente, investigando se um vizinho ou parente não estava por lá. Depois de algum tempo relaxavam. Bebiam. Aproximavam-se, aos poucos, dos outros solitários. Até começarem a investir nas garotas. Monique largou o primeiro rapaz. Despediu-se friamente e foi em direção à Kate.

- O viado deve estar com medo, Kate. Babaca! Tá vendo aquele ali, de camisa vermelha. Parece um bom cliente. Agora é a sua vez. Vai lá, menina, vai logo! Antes que alguma piranha chegue junto.

As mãos de Kate suaram. Mas não havia mais como adiar. Armando, o gerente, sinalizou com a cabeça que ela deveria ir. Deu uma leve arrumada no vestido transparente, apertando o busto farto. Aproximou-se. “Oi, gatão! Posso tomar uma bebida?” Sentou-se ao lado do gatão, que retribuiu a pergunta com um sorriso e com a promessa de que, mais tarde, assim que o irmão chegasse, ele pagaria um Martini. Ele devia ter mais de quarenta anos, era moreno, cabelo crespo, preto. Além da camisa vermelha, vestia uma calça branca bem apertada, limpa. E um par de botas de cano alto. Tinha uma larga falha entre os dentes da frente. Kate repousou sua mão miúda sobre as coxas do homem. Ele, por sua vez, começou a alisar os cabelos negros de Kate, suavemente, sem pressa.

- Você é nova aqui, não é princesa?

- Hoje é minha estréia, para dizer a verdade. E eu escolhi você, gato...

- Como você é linda. Sabia que você é linda, princesa?

- Obrigada, são seus olhos, gato. E então, veio se distrair um pouco?

- Fui despedido. Mas eu não queria mesmo continuar naquela espelunca. Meu chefe é um idiota. Um babaca. Burro que só vendo... Aposto que não conseguirá tocar a loja por um mês. Sempre se escorou em mim, o fdp!

- Não fica assim nervoso não! Relaxa. Toma mais uma bebida. Desabafa pra mim.

- Obrigado, princesa. Você é muito atenciosa. Mas, me conta: como veio parar aqui?

Naquele momento Kate insinuou se entristecer. Abaixou a cabeça. Em seguida olhou para o lado. Olhou para o nada. Fez mistério antes de pronunciar a primeira frase. O homem apertou-lhe levemente a mão e fez cara de quem está curioso para saber. Ela contou que também tinha perdido o emprego. Trabalhava num escritório na Rua São Bento, mas a firma faliu e ela não recebeu seus direitos. Isto há quase cinco meses. E, por mais que procurasse outro trabalho, não conseguiu encontrar. Tinha uma filha de quatro anos e a avó doente para sustentar – perdera os pais num acidente de carro quando ainda era adolescente. Estava passando por muitas dificuldades, estava quase enlouquecendo, quando uma velha amiga lhe contou sobre aquele trabalho. Pensou mil vezes antes de dizer sim. Acabou aceitando porque pensou no futuro da filha. Mas era temporário. Voltaria para a faculdade e arranjaria um emprego, tinha certeza. Os olhos do cliente lacrimejaram. Ele tomou mais um gole e deu-lhe um beijo carinhoso na face morena. Depois abraçou-a fraternalmente. Ela recebeu o sinal do gerente de que seu tempo tinha se esgotado. Ao se desgrudarem, ela perguntou se ele queria fazer o programa.

- Você faz tudo, amor?

- Tudo o que quiser, gato! Quer dizer, tudo, menos anal.

- Então não quero. Fica para a próxima.

Despediram-se e ela correu atrás da amiga. Monique estava com um cliente. Demoraria mais meia hora. Kate ficou perdida. Queria fugir do olhar provocador do Armando, que a perseguia. Não sabia o que fazer. Só se tranqüilizou quando viu Monique descer de mãos dadas com um rapaz loiro, esguio. Contou como fora sua abordagem. Um desastre, o cara é um tarado fdp!

- E a história da filhinha e da avó?

- Não colou. Acho que precisamos inventar outra história!... – sorriu.

Somente as duas da madrugada Kate conseguiu levar um cliente para o quarto número 7, que ficava no segundo andar. Era um bêbado imundo, com um bigode imenso, olhar caído, roupas horrorosas. Tinha um bafo insuportável e ela quase não conseguia entender o que ele falava. Só sabia que ele sempre repetia a mesma coisa. “Eu te amo, amô... eu te amo, amô...! Ela sugeriu que se lavassem antes de ir pra cama. Ele não aceitou. Então Kate jogou uma água no corpo muito rapidamente. Ele já estava pelado na cama, mexendo no negócio. Foi só meia hora. Mas Kate fez tudo. Ou melhor, quase tudo.

Kate chegou em casa às sete e meia. Deu um beijo na testa da mãe, que dormia, e foi para o seu quarto. Lembrou da madrugada. Do animal com quem tinha transado. Do seu bafo. Do bigode incomodando-lhe a pele. Do seu próprio gemido teatral. Sentiu vergonha. Chorou. Deixou a bolsa sobre o criado-mudo. Deitou-se.

- Maria das Graças, onde arranjou esses vinte reais?

- Caixinha, mamãe. Caixinha.
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