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Poesias-->A NOVA PARSÁGADA. O SONHO DE UMA UTOPIA POSSÍVEL -- 05/01/2002 - 11:42 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A NOVA PARSÁGADA. O SONHO DE UMA UTOPIA POSSÍVEL







Que me perdõe o saudoso escritor e poeta Manuel Bandeira. Mas o fato é que, aproveitando o feriado de fim de ano, resolvemos conhecer a tão falada Parságada. Confesso que não ficamos satisfeitos com o passeio. Também não nos decepcionamos de todo. O lugar, convenhamos, não é lá estas coisas. Aliás, é até muito parecido com tantas outras localidades que conhecemos. Aqui mesmo, no Brasil, há um bocado delas.



Primeiramente, fomos até o parque de diversões. Havia, realmente, o pau de sebo, untado de gordura, de que nos falou o poeta Manuel Bandeira.; e que até premiava, com dinheiro, quem conseguisse chegar ao seu topo.; só que o valor do prêmio não cobria o valor do ingresso para acesso ao recinto, nem as despesas com lavagem da roupa do aventureiro que, de tanto escorregar no pau de sebo, ficava, de tão suja, irreconhecível.



Havia, é bem verdade, bicicletas para alugar.; enferrujadas e sem qualquer manutenção.; e com os preços de locação absurdos.; impraticáveis para grande parte da população. E constatamos, também, a existência do tal burro brabo, a que se referia o poeta, sempre à disposição dos mais ousados, que se dispusessem a montá-lo. A surpresa, em relação ao burro brabo, era o risco de queda, com quebra de ossos, sem que o valente herói pudesse dispor de assistência médica adequada.



Em outras palavras, estávamos diante de local muito parecido com o que nós conhecíamos: Com má distribuição de renda, descaso para com a saúde, e a eterna propaganda enganosa, no caso, o prêmio em dinheiro oferecido para o vencedor do pau de sebo.



Mas não ficava só nisso. A questão da prostituição era generalizada. Competia, em larga escala, com o descaso e o desrespeito em relação às poucas famílias que ainda preservavam suas crenças e seus valores éticos e morais. Não era à toa que o local registrava grandes índices de pessoas contaminadas com as mais variadas doenças sexualmente transmissíveis - DST, como a AIDS, a Sífilis, a Blenorragia e tantas outras afins. Com o agravante da insuficiência, ou mesmo da falta, em alguns casos, de assistência médica preventiva ou curativa. A não ser pela via de convênios particulares, impraticável para a maioria da população que, para tanto, contentava-se com a rede precária de unidades de saúde pública.



E a imprensa, vale dizer, a mídia, de modo geral, contribuía para aumentar as incidências daquelas patologias infecto-contagiosas. Fazendo a apologia do sexo pelo sexo. Sexo, como sinônimo de liberdade. Sexo e erotismo, como sendo as bases do laser e do bom viver. Propagavam, como arte, a nudez bem remunerada das mulheres famosas e dispostas a despir-se em páginas de revistas, como se fossem meros objetos de prazer, relegando sua privacidade e seu pudor a segundo plano.



E o pior: elas desfrutavam de boa situação financeira naquele contexto social e, por isso mesmo, sem necessidade de vender seu corpo e sua dignidade, em alguns casos. Na prática, a intimidade pessoal ia perdendo força e valor e, ao final, contribuía para o empobrecimento da vida interior daquelas pessoas. Algumas delas, inclusive, casadas e com filhos.



Esta nova atitude, apelidada de modernidade, resvalava para a péssima qualidade dos programas de televisão em Parságada. A programação ia de mal a pior. Pequena parte da população, inclusive, já começava a questionar acerca da validade cultural de tais programas.



Programas de gosto duvidoso e levados ao ar no chamado horário nobre, em que toda a família está reunida em casa assistindo a TV. Única fonte de lazer da maioria da população em Parságada. Briga de marido e mulher.; estrelas e atrizes mostrando para o público, ao vivo e a cores, a cor de sua atual calcinha.; a posição sexual de preferência do artista tal, enfim, a cultura do grotesco, que em nada contribuía para a qualidade e a preservação de valores éticos e morais, imprescindíveis à dignidade do ser humano.



E tudo por conta da busca frenética pela audiência, sinônimo de dinheiro. E ficávamos a indagar quais seriam as causas levadas em conta pelos empresários que os impediam de passarem a patrocinar os programas que se mostrassem de valor cultural, forçando as empresas de televisão a melhorar sua grade, em benefício de toda a população.



Bom, à esta altura, surge outra indagação: Então, diante destes fatos, porque nosso poeta falava tão bem de Parságada?



Primeiro, vale lembrar, que em Parságada o sistema de governo é semelhante a uma Monarquia Parlamentarista, onde, a rigor, quem manda é Sua Majestade, o Rei. E o Parlamento apenas homologa suas decisões. Em contrapartida, todos são agraciados com presentes de Sua Majestade: empresariado local, banqueiros e outros amigos do Rei.



E nosso poeta, Manuel Bandeira, como é sabido, gozava da amizade do Rei. Boêmio e amante da bebida e das noitadas, o poeta gozava do privilégio da companhia, de belas mulheres, que o Rei lhe destinava para ele, nosso poeta, pudesse escolher a mulher e cama que quisesse. Para aproveitar as "boas" coisas da vida, e até se matar, quanto triste estivesse. Tudo por conta do Rei. Ora, sendo assim, a libertinagem como princípio e fim dos objetivos do poeta Bandeira, evidentemente, não havia melhor lugar, para ele, do que Parságada.





Libertinagem restrita aos que dispunham de maior poder aquisitivo. E que podiam passar o tempo todo em banhos de mar, acompanhados de belas garotas, enquanto parte da população, trabalhava por eles, em troca de um salário mínimo, que, de tão mínimo, já poderia ser considerado o máximo, posto que sua equivalência se dava com os valores gastos pelos amigos do Rei em questão de horas.



Assim, apenas os estrangeiros e os melhores afortunados, aí incluídos os amigos do rei, exaltavam os prazeres e as alegrias de Parságada. O povo não tinha, na verdade, o que comemorar. Os desempregados engrossavam as filas dos marginais, dos hospitais, das clínicas psiquiátricas e, perto das eleições, arranjavam alguma coisa para comer.



Ficamos em Parságada, aproximadamente, uma semana. Tempo mais do que suficiente para desvendar quase todos os seus mistérios e segredos. Depois, soubemos de outra localidade próxima dali cerca de 50 ou 60 quilômetros, ainda em fase de construção. Totalmente diferente de Parságada. Ficamos encantados com a nova cidade. A começar pelo seu nome, bem apropriado: Nova Parságada. Nova, ao nosso ver, em quase todos os sentidos.



Não havia desempregados. A educação recebia tratamento privilegiado do governo. Os colégios e as universidades eram de ótima qualidade, com vagas, o ano todo, para quem quisesse ou se dispusesse a fazer este ou aquele curso. Ou ambos. Uma vez formado, o emprego , tanto no setor privado como no público, era garantido. Não havia déficit previdenciário. Os aposentados tinham assistência médica e social gratuitas. E ganhos suficientes para sua manutenção e de sua família. E, detalhe, deixavam de contribuir para a previdência, diferentemente do que se insiste adotar lá no Brasil: O pagamento pelo que já foi pago.



Todos , em Nova Parságada, pagam impostos. Proporcional aos seus rendimentos. Há justiça fiscal. Quem ganha mais, proporcionalmente, paga mais. Inclusive os banqueiros. Não havia desemprego. A educação, a saúde e a segurança Pública eram de boa qualidade e prestados à responsabilidade do governo. Habitação e Transporte, idem.



Em Nova Parságada, impressionou-nos o interesse da população pela política. Todos participavam ativamente das ações políticas: sugerindo, reclamando, cobrando, e assim por diante. A re-eleição em Nova Parságada era proibida. Primava-se pela rotatividade do poder, como forma de oxigenação das idéias. Nada de vitaliciedade após deixar o governo. Conforme querem adotar aqui no Brasil.



O mais curioso de tudo, e de certa forma surpreendente, é que governo e população, numa espécie de Carta de Intenções, sobre o futuro de Nova Parságada, utilizou ensinamentos colhidos no livro de um brasileiro, intitulado "A Cortina de Ouro", do Prof. Cristovam Buarque, onde são definidos os caminhos que irão nortear, doravante, as ações de Nova Parságada, rumo ao futuro, abaixo transcrito:



"Há cerca de mil séculos o homem dobrou um esquina biológica: diferenciou-se de seus ancestrais, adquirindo um cérebro dotado de inteligência suficiente para perceber o mundo, entender parte dele e desejar dominá-lo. Há cem séculos, uma esquina técnica foi dobrada: o homem aprendeu a manejar a produção agrícola e criou uma vida sedentária, com os embriões de cidades e as novas manifestações culturais que isso representou. Há vinte e cinco séculos (...) o surgimento da esquina ideológica: os gregos inventaram a lógica e construíram uma organização social e política que caracterizaria a civilização ocidental até a queda do Império Romano, quinze séculos atrás. A partir de então, até o Século XVIII de nossa era, a sociedade medieval foi um estilo civilizatório do qual surgiram o Iluminismo e a Revolução Industrial, que provocaram a esquina da civilização industrial. Hoje a humanidade chega outra vez a um caminho sem continuidade retilínea, onde a saída está em dobrar outra vez uma esquina. Mas, pela primeira vez em sua história, os homens têm conhecimento do que ocorrerá e têm diante deles a possibilidade de escolha. Em vez de uma esquina dobrada involuntariamente, sem escolha, a próxima dobra é um encruzilhada ética, definida pela vontade do homem, com dois caminhos alternativos: continuar com a ética do progresso deste século, ou fazer um progresso da ética para o próximo".



Os governantes de Nova Parságada escolheram, como parâmetro que indicará os novos caminhos, a Segunda alternativa, assim resumida:



"O apego à ética dos últimos séculos, com uma revisão do caminho da técnica: retomar os sonhos da possibilidade de construir uma sociedade de homens iguais, livres e tecnicamente avançados, adaptando os conceitos de igualdade e liberdade às exigências e características do final do século". E, claramente fazendo referência à Parságada, lia-se, do mesmo autor e livro citado a explicação:



"Ao não se perguntar para que mas apenas como, o homem perdeu o sentido crítico da sociedade que construiu, e, ao construí-la sem o sentido crítico, caminhou para o desastre".



E assim, a cada dia, nascem Novas Parságadas, totalmente libertas de esquemas e classes do século passado, sem medo de sonhar e de retomar o gosto "pela aventura de imaginar e navegar um futuro incerto, sem mapas pré-fabricados, sem dicionários confiáveis, sem destino previamente definido com clareza".



Terminado o feriado, fomos embora de Parságada, com a certeza de que lá não voltaremos. Mas, a qualquer tempo, vamos embora para Nova Parságada, posto que lá todos são amigos do Rei e todos, de igual modo, têm o privilégio da paz e do amor, e da prosperidade com justiça social.



Domingos Oliveira Medeiros

04 de janeiro de 2002

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