Rômulo permanecia atônito
diante das revelações da esposa. Aquela garotinha frágil e romântica que ela
sempre havia sido, de repente, se mostrava uma fêmea insaciável, depravada, uma
mulher que contrariava completamente todos os princípios que lhe haviam sido
ensinados e que pareciam ser seguidos por ela desde sua juventude. As imagens
dos momentos descritos por ela passam por sua mente e lhe causam um misto de
excitação, repulsa e espanto, beirando à náusea não apenas de tudo o que houve,
mas até mesmo de sua própria existência, que parece aos poucos ter sido
revelada uma mentira até o momento atual.
- Então, você já se encontrava
com o cara desde a época da formatura... e continuou se encontrando com ele
depois? Como foi isso? Como aconteceu, pergunta ele, andando de um lado para
outro na sala de estar, não conseguindo esconder a aflição pelas revelações da
esposa. Você aproveitava que eu tava na faculdade e no estágio... e as ocasiões
em que a gente não se via porque eu tinha que estudar?
- Também... mas o Rafael
não foi o único. Houve outros, no trabalho também. A minha experiência com ele
me estimulou muito a procurar outros homens, embora eles fossem muito bem
selecionados, pois eu queria me aproximar ao máximo da experiência que tive com
ele. E isso não seria qualquer um que poderia me proporcionar.
- No trabalho? E eu, vira
e mexe, indo lá pra te buscar!
- Não se exalta. Deixa eu
continuar... se é que você quer ouvir mais. – O marido, agora conscientemente
traído, talvez por curiosidade, talvez por, no fundo sentir uma faísca de
excitação pelas aventuras da esposa infiel, engole seco antes de responder.
Então, como se não conseguisse conter a vontade de saber sobre o passado da esposa
e sabendo que o que vai ouvir não vai mudar em nada o fato das traições terem
ocorrido, ele dá sua resposta.
- Tá, vai... continua.
- Certo. Bom, depois da
formatura lá estava você, fazendo a faculdade de manhã e envolvido no estágio
na empresa do seu pai à tarde. Nos víamos de noite, como você se lembra e, de
dia, lá estava eu, sozinha com minha mãe em casa, dividindo meu tempo entre
procurar emprego e fazer currículo e as visitas à casa do Rafael. Ele morava
sozinho, então não tinha horário ruim pra ir até lá. E, por incrível que
pareça, ele sempre tava disposto, era uma foda melhor do que a outra, eu
chegava a perder a conta dos orgasmos que tinha com ele.
O lugar onde ele morava
era uma sobreloja. Uma cama de casal, televisão, cozinha, parecia mais uma
quitinete, só que maior. Arrumado, mas sem frescuras. Ele passava a tarde me
comendo e eu falava sobre como tava procurando emprego enquanto a gente
descansava.
- Então, você quer um emprego?
Às vezes eu também penso em procurar um.
- E como você banca esse
lugar? Até onde eu sei, você não trabalha...
- Bom, ele disse,
sorrindo, tem aquela mina, Tábata, que eu traço junto com a mãe. Deu merda, eu
sei, o pai descobriu, bateu na mulher, mas, no fim, o chifrudo acabou ficando
com as duas porque ia dar mais merda o divórcio do que seguir com o casamento.
Sei que deu até Maria da Penha, o marido foi preso e tal. Nem sei se ele sabe
que eu ainda traço as duas, mas, seja como for... a mãe é advogada, tem um bom
dinheiro, o pai dela, eu acho, é engenheiro... aí, ela me paga o aluguel, mais
uma mesada boa, banca a academia e etc. E vira e mexe as duas tão aqui. Pra
evitar problema não tô mais comendo nem uma nem outra na casa delas.
- Meu, você não existe...
a mãe e a filha??? Quem nem a Lilian e a mãe dela, não acredito...
- Ah, a vida é muito
curta e a gente tem que se divertir... não tem porque colocar barreiras entre
nosso prazer e a gente, sendo que a vida faz isso o tempo todo.
- E como você consegue
dar conta de tanta mulher? Quero dizer, da onde sai todo esse fôlego? Não é só
academia e alimentação saudável, tem mais alguma coisa aí. Eu cheguei até a me
perguntar se você não é resultado de algum experimento secreto bem-sucedido, ou
criação de algum cientista louco... – ele sorriu quando eu disse isso. Mas eu
realmente tava curiosa, não era possível um cara normal fazer na cama tudo o
que ele fazia. E eu já tinha ouvido falar de uma briga que ele tinha tido com
um cara na escola, ele por pouco não quebrou o pescoço dele com um soco, pra
não falar que tinha arremessado outro e arrebentado mais uns dois ou três.
- Eu até podia te contar,
mas não sei se você ia acreditar em mim...
- Ah, depois de ver uma
jeba desse tamanho e sentir o que ela é capaz de fazer, eu acredito
praticamente em tudo. Fala.
Pela expressão no rosto
dele, a forma como olhava pro vazio e parecia pensativo, dava pra ver que ia me
contar alguma coisa difícil de eu acreditar. E realmente foi. Naquela hora eu
fiquei meio cética quanto ao que ele disse, não sabia exatamente o que pensar
daquilo e fiquei bem confusa com as coisas que ele me disse.
- Você já leu a Bíblia,
Cris?
- Bíblia? Não, nunca...
nada contra, mas o livro é grande pra cacete e eu nunca me interessei, até porque
nunca tive vocação pra crente. E isso mesmo antes de você me apresentar esse
seu tacape, eu respondi, rindo e passando a mão no cacete gigantesco.
- Então, você nunca deve
ter ouvido falar dos gigantes, né?
- Gigantes? Não, não sei
praticamente nada do que tá na Bíblia. O pouco que eu sei é o popular mesmo,
feriados santos e essa merda toda... mas por que você tá perguntando? – ele se
ajeitou na cama, respirou fundo, e aí começou a me contar.
- Quando Deus criou o
mundo Ele mandou vários grupos de anjos para caminhar sobre a terra e proteger
os mortais. Mas estes anjos acabaram se envolvendo com as mulheres daqui,
muitas vezes gerando filhos com elas; muitos caíram nas orgias, no vício da
bebedeira e, depois de um certo tempo, acabaram caçados por outros anjos, que
os levaram de volta para o céu para que fossem castigados por Deus.
- Anjos caindo na
putaria??? Caralho, juro que eu nunca tinha ouvido falar nisso. Mas e aí, o que
isso tem a ver com você?
- Esses gigantes de que
eu falei são o resultado das relações desses anjos com as mulheres da terra.
São crianças mestiças de anjos com mortais, que nasceram, como já era de se
esperar, infinitamente superiores às criaturas constituídas “à imagem e
semelhança de Deus”, os humanos. E foram todos caçados pelas hordas do céu,
como foi feito com os anjos rebeldes e, posteriormente, destruídos, pois
estavam contra o plano divino. – A forma como ele contou a estória dos gigantes
realmente me impressionou, talvez pelo fato de ele ter me revelado algo que até
então eu não sabia. Mas o principal vinha depois.
- Tá, mas continuo com a
pergunta; o que isso tem a ver com você?
- Bom, tudo começou com
uma revelação de um estranho sobre mim. Um cara que eu conheci em
circunstâncias extremamente bizarras. Eu tava voltando da escola e ele apareceu
do nada pra mim em uma praça mais ou menos perto de casa. Começou a falar sobre
meus pais, sobre como conheceu minha mãe e eu, não gostando daquilo, já que
nunca tinha ouvido falar do cara, caminhei pra cima. Meu soco foi tão rápido
quanto forte, mas o cara conseguiu segurar minha mão e, depois, me levantou com
um braço só, bem acima da cabeça dele. O sujeito devia ter uns dois metros de
altura e era muito forte, me arremessou como se eu fosse um saco de bosta. Eu
caí e, quando me levantei pra ir atrás dele, o filho da puta já tinha sumido.
- Cara, que estória! E
aí, o que houve depois?
- Comentei com minha mãe
sobre o assunto e ela demonstrou preocupação. Foi aí que me contou a verdade
sobre aquele sujeito. Ela tinha conhecido o cara alguns anos atrás, numa festa
de despedida de solteira. As amigas dela tinham contratado um garoto de
programa bem-dotado, que ia comer minha mãe enquanto as amigas e, bom, meu pai
assistiam. A putaria correndo solta, as amigas fazendo torcida, meu pai sendo
obrigado a assistir tudo e o camarada se servindo da minha mãe, que adorou tudo
aquilo. Aí, então, a surpresa maior... o sujeito, esse garoto de programa, é
meu pai de verdade.
- É nada... sério?
- A festa acabou saindo
do controle. Minha mãe deixou o dito gozar dentro, não se preocupou com
preservativo e, então, me contou que o cara que eu pensei que fosse meu pai
durante anos é, na verdade, só quem me criou e que eu fui concebido durante uma
despedida de solteira.
- Tá, mas e o que você
falou sobre o cara? A força dele e tudo o mais... você chegou a falar com ele
de novo? Quem é ele?
- Ele me procurou depois
e me falou quem é. Sobre a forma como ele e Deus tem uma relação de pai e
filho, ao contrário do que o mundo pensa, que nunca foi expulso do céu e que,
num momento de tédio ou falta do que fazer, o chamado Pai Eterno criou a
humanidade pra viver num mundo que, na verdade, é o inferno que eles pensam que
só vão conhecer depois de mortos. Eu mesmo não acreditei na hora, mas aí,
então, ele me disse: “se eu sou o príncipe deste mundo, onde mais seria o
inferno senão aqui? E quem me daria o aval para fazer o que quero com a
humanidade, senão Deus?”
- Peraí! Esse cara que
diz que é seu pai... ele disse que é o diabo?
- Você entendeu rápido...
e sim, foi exatamente o que ele disse. Mas é aí que a estória começa a ficar
interessante; ele é conhecido pelo mundo como diabo, mas nem de longe é o
príncipe do mal ou pai da mentira de que falam, pois tanto um como o outro são
parte do desígnio humano. Não há bons ou maus, apenas menos ruins, dependendo
de sua criação ou objetivos e a justiça é sempre aquilo que favorece a si
mesmo. As figuras de Deus e do diabo estão ligadas à forma como seres humanos
dependem do medo e da punição e da esperança de redenção para não caírem na
barbárie e fazerem aquilo que querem, por mais insano e contrário ao que
aprendem desde cedo ser correto ou decente. Mas a grande verdade é que não
existe um trono à cuja direita irão se sentar logo depois de morrerem, pois
aquilo que conhecem por vida já é uma morte em si. Conseguem ser até mesmo
inferiores aos animais que consideram irracionais, pois estes conseguem viver
uma vida em ordem, matando uns aos outros apenas por alimento, ao contrário do
ser humano, que tem pleno prazer na destruição alheia tanto quanto na própria.
Basta observar ao seu redor e você vai ver isso de forma direta e indireta.
Quanto mais ele falava,
mais fascinada eu ficava. O discurso dele era iluminado, de certa forma. Podia
dizer que era uma iluminação divina, mas aí fiquei na dúvida se o divino
realmente existe, exceto pelo que é considerado divino por uma determinada
quantidade de pessoas, maior ou menor. E eu me perguntava se aquilo podia ser
verdade mesmo, se não era só resultado de uma imaginação muito fértil, mas
tenho que admitir que eu já era fascinada demais por ele pra não deixar de
ficar impressionada por tudo que disse.
- Bom, mas vamos falar
mais do momento atual... você disse que tá procurando trabalho? E já tem alguma
coisa em vista?
- Tenho, sim. Amanhã vou
numa entrevista num supermercado a umas duas quadras daqui. Tomara que eu
consiga, tô precisando mesmo trabalhar.
- E seu namorado? Ele
nunca suspeitou da gente?
- Não... ele faz
faculdade de manhã e trabalha com o pai de tarde. Acho que nem dá tempo pra
pensar nisso. E meu relacionamento com ele é bom, a gente parece até um casal
daqueles de filmes românticos.
- Entendi. Deve ser por
isso que eu nunca levei romantismo muito a sério.
- Ainda bem... até porque
eu não venho te procurar por causa disso... – dei uma risadinha e já peguei no
bicho, que logo ficou duro outra vez. A boceta doía, mas eu não conseguia parar
de pensar em sentir a rola dentro de mim de novo e caí de boca, até que ficasse
no jeito pra ele me comer de quatro outra vez.
- O cara falou que é o
filho do diabo? Foi isso que eu entendi, disse Rômulo, sem se conformar.
- Ele falou que bem e mal
são noções particulares, que dependem de cada um e que, na verdade, servem
apenas pra maquiar nosso próprio mal, uma vez que todos nós somos mais ou menos
maus, mas nunca bons de verdade. Mesmo porque, quando somos aquilo que
chamaríamos de bons, estamos, na verdade, agindo dessa forma porque, em
primeiro lugar, isso é bom pra nós, faz bem a nós mesmos. E o que é feito pros
outros no meio dessas ações consideradas boas nada mais é que uma consequência.
- E a gente? Por que você
continuou comigo, se esse cara é tão importante pra você?
- Eu não deixei de te
amar pelos momentos que eu tenho com ele. Não tinha necessidade de te deixar,
porque nosso relacionamento é bom, tem romantismo, ainda que fisicamente você
não possa nem de longe ser comparado a ele.
- Então, você só tá
usando o cara? É isso?
- Na cama ninguém usa
ninguém. Isso não existe. Todo mundo fode, goza e se diverte. Dizer que eu uso
o cara pra sexo ou que ele me usa é o mesmo que dizer que eu te uso pra suprir
minha necessidade de ter uma relação estável e romântica. São faces de uma
mesma moeda... ou seriam, se eu acreditasse nisso de alguém usar alguém em
qualquer momento.
- Eu não consigo
entender... qual é o meu papel aqui, então? Por que não parece que eu sou
marido ou seu homem ou o que quer que seja, eu não consigo entender mais nada.
- Você tem meu amor, nós
temos um lar e o constituímos com nosso esforço e trabalho conjunto... mas o
desejo não é uma coisa que pode ser domesticada ou se tornar propriedade de
alguém. Tanto isso é verdade que prostitutas se deitam com clientes que nem
sabem os nomes delas e a prostituição é uma indústria milionária pela forma
como é difundida. O mesmo vale pra pornografia. Aliás, por acaso um homem
precisa saber o nome da mulher que passa por ele na rua pra olhar pra ela e
sentir tesão? A gente sabe que não.
Rômulo passa a mão na
cabeça e olha para fora. Não sabe como agir, os sentimentos estão confusos e
ele nunca imaginou que a mulher com quem construiu seu lar e com quem dorme há
tantos anos tivesse esse tipo de ponto de vista sobre as coisas. E quanto ao
homem com quem ela se deita? Será ele realmente quem diz que é? E quanto aos
outros? Ele precisava saber mais, não poderia voltar atrás e fingir que nada
estava acontecendo, até porque está envolvido em tudo, quer goste quer não.
- Continua contando. –
ele se senta no sofá, preparando-se para a continuação dos relatos da esposa.