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cronicas-->O Transplante -- 26/11/2017 - 19:17 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Acordei. O som dos bips são os que ouço primeiro. Minha vista embaralhada pouco a pouco vai distinguindo primeiramente vultos, borrados inicialmente, mas que progressivamente se tornam pinturas impressionistas, borrões multicoloridos que se adensam em pontos mais definidos, até que um sol nasce em meu horizonte de eventos.
--Tem alguém aí?
--Hein?
--Responde a estímulos!
--Fantástico, ele acordou!
--Um, dois três, gravando...Como é seu nome?
--M.C.F. (sejamos éticos senhores)
--M.C.F. Quantos anos?
--Setenta e dois.
--Muito bem. Que dia é hoje?
--O dia de São Nunca!
Risadas no recinto. Uma moça sorri abafado, alguém dá um pigarro tentando conter a gargalhada.
--O bom-humor de sempre!
--Preservadas características da personalidade anterior. Anotem.
Dói-me o corpo. A cabeça ainda tonta. O corpo dói, como dói um membro depois de grande esforço. Dói da raiz da coxa à ponta da cabeça.
--Dói tudo!
--Sensibilidade preservada! Anotem.
--Perfeito, M.C.F! Agora, vamos, preste atenção: Você vai obedecer à minha ordem, precisamos que colabore. Mexa o braço direito!
Meu braço esquerdo se levanta, com um peso enorme, gigantesco. É como se eu carregasse nele todos os pesos do mundo e nas costas toda a angústia da humanidade.
--Ele mexeu o braço esquerdo!
--Lógico. Ele era canhoto!
Olho para os sorrisos, distingo o olhar de júbilo daquele que me ordena as tarefas; não, não sou nem nunca fui canhoto.
--Não sou canhoto!
--Não, acalme-se, não, M.C.F. O senhor é destro. Sempre foi. Mas, ele...ele era canhoto.
--Ele...Ele?
--Ele, isto é, o senhor. Canhoto. Chutava muito bem com o pé esquerdo, fez gols fantásticos; a bola girava a duzentos por hora e o goleiro não enxergava nem cor!
--Ele entrava na área derrubando adversários com dribles manhosos!
--Cabeceava divinamente.
--Era manhoso! Místico e genial!
--Nunca joguei futebol!
--M.C.F! Não o senhor! Ele...Ele!
--Ele?
Mostraram a fotografia de um jogador de futebol. O camarada era um artilheiro do time para o qual eu torcia; fazia misérias com a bola...No entanto, um aneurisma o privara precocemente de sua vida fantástica e eu havia sido um cientista notável, neurocientista com minha principal linha de pesquisa sendo de transplantes...
--Ele?
--Ele. M.C.F, o senhor vai ter de acostumar. Ele era mulherengo! Ah, tinha uma dúzia de namoradas, além da oficial. Um matador!
--Uma saúde de ferro!
--Ele era um fenómeno!
Um cutucava o outro, como uma brincadeira de adolescentes safados. Agora podia distinguir mais os traços e comecei a mexer o corpo com mais força. Sentia, aliás, uma força descomunal, desproporcional ao que eu sempre sentira, principalmente nas pernas, nos braços. Meu coração, ou melhor...Bem, ele pulsava devagar, lento, num ritmo forte e resoluto. Eu podia sentir os jorros de vida inundando as artérias dos músculos, tendões, e articulações, indo o mais profundamente que podiam ir as moléculas de oxigênio nos recónditos de meu...corpo, quero dizer, dele.
--Ele se mexe!
--Todavia...
--Muita fome!
--Mantém a volição! Tem apetites! Anotem aí!
Trouxeram a dieta, se é que se pode chamar de dieta o prato com arroz à grega, filé com batatas, molhos sangrantes e ervilhas saborosas, que eu devorei num breve minuto. Olhei a mocinha que levou minha bandeja com uma sensação esquisita demais. Era como se algo de mim soubesse o que fazer e no entanto, ainda não me lembrava o que era.
--Olhe isso!
--Libido mantida! Anotem!
--Senhores, isto é positivamente desconfortável!
--Ora, veja isso como uma bênção! Ele, ele lhe deu tudo o que o senhor precisava para continuar suas pesquisas absolutamente imprescindíveis e o senhor deu a...ele, uma segunda chance!
Definitivamente, a mocinha que cuidava dos monitores deu uma piscadela. Eu respondi com um sorrisinho que ela entendeu.
--Desculpem! Eu...eu...
--O senhor está bem?
--Muito bem! Ótimo! Penso em meu braço direito, ergo meu braço esquerdo. Tenho uma fome de cão quando não comia nem um prato leve! Meu...o...ele se ergue sem meu controle e eu flerto com metade das moças; isso é absolutamente indefensável!
--M.C.F! O senhor mesmo disse que isso poderia acontecer! O senhor concordou com isso, afinal, não tinha escolha! Olhe aqui!
E estendeu um papel onde havia uma assinatura em que eu, M.C.F., cedia minha cabeça à pesquisa científica, assim que eu morresse.
Então, eu morri.
Mas tive minha segunda chance.
Semana seguinte, voltei a treinar forte. Volto ao time principal em quatro semanas. Posso até ser convocado. Vez em quando voltam umas lembranças estranhas, uns esquemas disso e daquilo, umas vozes que dizem outras coisas. Sonho muito, toda hora, que eu sou outro e que minha cabeça não controla meu corpo. Ou vice-versa, como dizia Vicente Matheus.
--Deita, João, que amanhã tem treino!
--Vem cá, que eu lhe mostro o que é treino!
--João!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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