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Contos-->O IMPÉRIO DAS SOMBRAS -- 02/11/2001 - 22:20 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O IMPÉRIO DAS SOMBRAS

Paccelli M. Zahler

Meu corpo parecia voar pelo céu. Eu era o condor pairando sobre as montanhas, deslocando-me no céu e visitando todos os lugares. Um chamou-me a atenção particularmente. Era uma instituição pública de um império ao sul do Equador.
O império era rico em recursos naturais, seus dirigentes, por outro lado, tinham a mentalidade de levar vantagens em todas as suas ações, desde as mais simples até as mais sofisticadas. Cobravam “pro labore” até para assinar atos oficiais. A cumplicidade era tanta, que ninguém contava nada para ninguém, mas todos sabiam.
Havia um dirigente em especial.Este era conhecido como bajulador imperial.Tudo o que lhe mandassem fazer, ele fazia, não se importando se estava ou não de acordo com o arcabouço legal do país.
Ele tinha consciência de sua incapacidade para dirigir repartições e equipes técnicas. Já na faculdade, não conseguia trabalhar em grupo. Primeiro, porque nunca trabalhava. Varava noites e noites fazendo serestas, jogando cartas e extravasando suas fantasias eróticas na Pensão da Dona Isabel. Segundo, porque nunca lera um livro na vida. Costumava fotocopiar as anotações dos colegas, decorá-las e elaborar longas colas para fazer as provas.
Apesar de todo o seu desmazelo com os estudos, conseguiu eleger-se presidente da associação dos formandos.
Em uma época de inflação galopante, pegava o dinheiro da mensalidade dos colegas, depositava em sua caderneta de poupança e ficava com os juros, aproveitando-se do fato que o tesoureiro, por inexperiência, apenas computava o dinheiro que entrava e não os rendimentos da aplicação. Descoberto, disse que não via mal algum no que havia feito. Como a associação precisava de uma conta corrente para guardar o dinheiro, prestou um favor a ela depositando em sua própria conta. Se queriam o dinheiro de volta, era só descontar o cheque que ele acabara de assinar. O que o tesoureiro registrou estava disponível para o próximo presidente.
Apesar dessa demonstração de mau caráter, conseguiu concluir o curso superior, contudo, não teve uma formação muito sólida devido aos seus hábitos pouco ortodoxos. Ficou mais conhecido como boêmio e garanhão do que como um profissional competente e de futuro promissor.
Como acontece com os profissionais despreparados para o exercício das atividades técnicas, apegou-se a um aristocrata que arranjou-lhe um emprego no serviço público imperial, obviamente, sem concurso público.Como não sabia nada de sua área de atuação, conseguiu um posto de chefia para lidar com as contas públicas. Estava onde queria. Em cada convênio que realizava, engordava a sua conta bancária em 10 a 15 % do valor total estipulado.
Pouco tempo depois, o aristocrata que o protegia conseguiu ser nomeado para o Parlamento Imperial e propôs uma Lei para enquadrar no serviço público imperial todos aqueles funcionários que não eram concursados. Foi a glória! Agora ele passaria a ser um servidor público imperial e sem concurso público.
Aprovada a Lei e investido no cargo, suas atitudes começaram a mudar, principalmente, quando assumiu uma chefia técnica porque precisava mostrar serviço para seus superiores.
Sabedor de sua falta de conhecimento técnico e de administração pública, o que poderia render-lhe algumas críticas de parte dos colegas com mais tempo de casa, tratou de humilhá-los e afastá-los imediatamente de sua repartição e cercar-se de funcionários sem visão crítica. Ao mesmo tempo, tendo conhecimento que o dirigente maior do órgão não conhecia as atribuições regimentais da repartição que chefiava, tratou de inventar atividades extras para impressioná-lo.
Constituiu um grupo de trabalho para modernizar a repartição pela qual respondia. A idéia básica era elaborar um plano estratégico que convencesse os superiores do arcaísmo da estrutura atual.
Na verdade, o grupo de trabalho iria criar uma estrutura que atendesse aos interesses políticos do chefe, ou seja, criar dificuldades e vender facilidades. Dessa maneira, a conta bancária de todos, uns mais outros menos, estaria sempre abastecida.
Pôs-se o grupo a trabalhar e a fazer palestras pelo país, às custas do erário pois ninguém é caixa-forte, procurando arregimentar funcionários ansiosos em se destacar dos demais e ambiciosos em ser os pioneiros, os construtores da estrutura administrativa do futuro. Nessa nova estrutura, os processos seriam mais rápidos, haveria possibilidade de fazer contratações sem a necessidade de concursos públicos, isto é, os apadrinhados teriam emprego garantido, e haveria abertura para cobrar pelos serviços prestados.
Todos aqueles que ajudassem aquela chefia a construir a autarquia do futuro, batizada com o pomposo nome de Agência, certamente seriam beneficiados com um cargo à altura. Em outras palavras, chefiariam as subagências nas respectivas províncias.
Incontinenti, uma horda de colaboradores surgiu. Tais colaboradores, em nome do importante trabalho que passaram a realizar, deixaram de lado as suas tarefas regimentais rotineiras para lançarem-se no ousado desafio de elaborar as bases da futura Agência, aquela que iria resolver os problemas do Império e, principalmente, os problemas de caixa de campanha para financiar os candidatos que apoiavam o chefe, além de engordar a conta bancária do próprio, afinal de contas, quem trabalha merece uma remuneração pelo seu trabalho.
Foram viagens semanais intermináveis, recepções a autoridades, palestras, audiências públicas inumeráveis às custas do erário. Consultores foram contratados a rodo, sem falar nos amigos, parentes, afilhados e apadrinhados políticos que nunca apresentaram um relatório sequer, em uma tarefa hercúlea de convencimento da importância da nova estrutura para o país, especialmente para a repartição, uma vez que ela ficaria livre do engessamento em que vivia e mais leve para realizar as funções normativas.Haveria também a renovação dos quadros de pessoal porque nada justificava a permanência de funcionários antigos, considerados dinossauros e pés-na-cova. Eles haviam parado no tempo. Não adiantava gastar recursos para treiná-los, era jogar dinheiro fora. Fazia-se necessário contratar gente nova, com novas idéias, especialmente aqueles afoitos e ousados, que não se importariam em cumprir ordens mesmo as mais esdrúxulas. Era uma demonstração de lealdade com a direção superior.
Três anos se passaram e os discursos se repetiram. Perguntas foram feitas pelos funcionários com mais tempo de casa e as respostas nunca foram adequadamente respondidas. Dizia-se simplesmente que eles não fariam parte da nova autarquia porque já estavam ultrapassados. A idéia era contratar gente nova, com espírito empreendedor, que não ficassem presos aos preceitos legais. Em outras palavras, que fossem ousados o suficiente para cumprir as ordens do chefe, geralmente dadas através de bilhetinhos ou pelo telefone, sem questionamento quanto às implicações legais. Se desse algum problema de natureza jurídica, a Consultoria Jurídica da nova Agência estaria à disposição para fazer a defesa nos tribunais.
Tudo corria muito bem. Os planos já estavam elaborados, a nova estrutura montada, boa parte dos políticos convencidos da importância da nova Agência, particularmente para seus apadrinhados que teriam posições de destaque, porém surgiu um impasse. O grupo de trabalho brigava entre si pelos postos de chefia na Agência. Cada qual queria mandar mais que os outros porque havia trabalhado muito e achava que merecia uma recompensa por isso.
Quando o assunto chegou ao Ministério Público Imperial e foi aberto um processo para a apuração do que realmente estava acontecendo e do que havia sido feito com o dinheiro público gasto no empreendimento, o grupo foi imediatamente dissolvido em uma tentativa de dissimular suas ações. Seus integrantes passaram a justificar seus atos e a culpar a não implantação da Agência como resultado da conspiração dos funcionários mais antigos e da falta de vontade política dos governantes. Ainda assim, continuaram advogando a causa e repetindo o velho discurso do planejamento estratégico e da visão de futuro.
Para o chefe, foi um duro golpe. Afinal, não poderia cumprir as promessas de colocação de apadrinhados políticos na estrutura administrativa que iria alavancar a sua carreira. Era preciso identificar e punir os responsáveis pelo fracasso.
Seguindo a sua lógica audaciosa e orgulhosa, após da dissolução do grupo, destituiu todos os ocupantes de cargos de confiança e cercou-se de gente nova. Os demais que respondessem pelos seus atos na Justiça Imperial. Ele não tinha nada a ver com o assunto, os testas-de-ferro que se virassem.Sentia-se apunhalado pelas costas. Tomaram decisões sem o seu conhecimento e consentimento. Que pagassem pela incompetência!
Diante desse percalço, que por pouco não arranhou a sua brilhante administração, sentia necessidade de elaborar um novo plano para manter-se em evidência.
Aproximava-se o período de campanha eleitoral e ele precisava de apoio político para manter-se no cargo.Por outro lado, os partidos políticos e candidatos à reeleição que o apoiavam no Parlamento precisavam de dinheiro para as suas campanhas.
Entendia ele que, para ser chefe, não era necessário entender do serviço e, sim, cercar-se de assessores leais que lhe dessem as soluções que precisava para seus projetos pessoais, independentemente de todo e qualquer preceito legal. E isso era factível porque os administradores públicos se preocupavam mais com os holofotes do que com o estrito cumprimento de suas atribuições regimentais, facilitando as fraudes e os desvios do dinheiro público como vinha acontecendo desde a época colonial.
Pensando nisso, cercou-se de dois auxiliares leais. Um serviria como testa-de-ferro e o outro com ajudante. Ambos reviraram o Regimento Interno da repartição para descobrir brechas legais.
Depois de algumas semanas estudando possíveis soluções para os anseios do chefe, surgiu a idéia de efetuar o controle da importação de produtos que afetavam o balanço de pagamentos do país. Havia um desequilíbrio favorável às importações e o imperador já manifestara sua preocupação com isso porque, mesmo sobretaxando-os, as importações continuavam.
Inteligente como era, o chefe anteviu a oportunidade que tanto almejara. Promoveria uma reunião com produtores nacionais e importadores, jogaria um grupo contra o outro, acirraria ao máximo os ânimos e lançar-se-ia como mediador. Proporia que os importadores pagassem uma taxa por unidade da mercadoria importada, fora a sobretaxa oficial, para que o preço dos produtos importados não afetassem tanto o preço pago aos produtores.
Assim o fez.
Os importadores, desesperados por já terem contratos fechados no exterior, aceitaram a proposta na expectativa de recuperar o dinheiro por ocasião da venda dos produtos para beneficiamento industrial.
Como as importações estavam em seu pico e os navios não podiam ficar parados nos portos sob pena de pagarem taxas de estadia, os importadores resolveram depositar o total acertado no acordo de cavalheiros com os produtores e o mediador. Assim, não haveria empecilhos à entrada das partidas.
O dinheiro foi imediatamente repartido. Um percentual foi para a associação dos produtores nacionais, outro para as caixas de campanha dos partidos políticos e candidatos que apoiavam o chefe. O restante ficou com o chefe que distribuiu um pequeno “pro labore” para seus diletos auxiliares.
Um contratempo, porém, veio atrapalhar os seus planos novamente. Os importadores que pagaram à vista a taxa extra queriam exclusividade de importação, principalmente porque o setor de importações do Império determinou limitar a concessão de cotas para produtos vindos do exterior. Simultaneamente, os importadores independentes, que não haviam sido consultados e nem participado da reunião, manifestaram-se contrários ao pagamento da taxa extra e reivindicavam, com razão, o seu direito de importar.Ameaçavam, inclusive, entrar com ações na Justiça Imperial para garantir esse direito.
O chefe ficou bastante irritado. Na certa, haviam vazado informações sobre o acordo para o setor de comércio exterior do Império e o pessoal de lá estava interpondo dificuldades para receber a parte deles. Dito e feito!
Na reunião seguinte, com produtores nacionais, importadores associados e independentes, e representantes do setor de comércio exterior do Império, tudo ficou esclarecido e um percentual do que foi pago teve que ser destinado aos novos sócios, mesmo contra a vontade do chefe.
Tudo isso acontecia sob as barbas do Imperador que passava todo o tempo cultuando a sua própria imagem e arrebanhando títulos de Doutor “Honoris Causa” em universidades pelo mundo a fora.
Para os demais países, a inflação estava sob controle, a economia em crescimento, o país ia bem. Não se levava em conta a fome, as altas taxas de mortalidade, criminalidade e desemprego, nem a corrupção que se institucionalizara nos órgãos públicos, a ponto do homem honesto envergonhar-se desta condição.
Havia um Império das Sombras inatingível aos nossos olhos mortais.

(Obra de ficção.Qualquer semelhança entre fatos e personagens reais pode ser mera coincidência)


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