Durante uma longa viagem de carro para o Sul, de repente despertei de uma cochilada com meu marido falando em “meio-dedo”. Ele, ao volante, apontava um dedo inteiro para o lado de fora. Eu, sonolenta, não entendia nada. Que história era essa de meio-dedo?
Foi então que vi um cartaz: “meio-dedo, 2km”. Logo adiante, outro: “calças” e, em seguida, mais um: “jaquetas de couro”. Comecei a perceber que na região podíamos encontrar produtos de couro. Certamente no próximo posto de gasolina, ou então em alguma barraca à beira da estrada. Sem interesse em fazer compras naquele momento, seguimos em frente. E os cartazes não pararam por aí. Vimos outros e outros iguais àqueles, sempre com o tal meio-dedo junto a calças, jaquetas e casacos. Confesso que fiquei intrigada.
Lembramo-nos, rindo muito, da curiosidade do meu marido em saber o que significava aquilo que ele via em portas de institutos de beleza: “Meia-perna: 10 reais. Perna inteira: 20 reais.” Toda mulher (brasileira) sabe do que se trata, mas os homens, não. Minha filha e eu cansamos de explicar-lhe que se refere à depilação, mas ele não se conforma. Como é que pode, meia-perna? Por acaso alguém tem meia-perna?
Ué, não existe a meia-calça? falei brincalhona. Verdade que ela cobre a “perna inteira”, não pára nos joelhos. E serve para mulheres normais, não é específica para quem só tem meia-bunda, como diziam as piadas antigamente. Será que em Portugal ela se chama meio-rabo?
De associação em associação, começamos a imaginar como seria o monstrengo que tivesse meio-dedo, andasse sobre meias-pernas e usasse meia-calça. Teria ele somente meio-pé? Meio-braço? Uma orelha? O monóculo seria suficiente para que enxergasse bem. Não tenho dúvidas de que seria capaz de tagarelar apenas com meia-boca.
A brincadeira serviu para nos distrair durante bom tempo do trajeto.
À medida em que deixávamos o Rio Grande do Sul e avançávamos por terras uruguaias, a temperatura foi mudando. Um friozinho cortante principiou a substituir nosso morno inverno. Tratei logo de puxar malhas e cachecóis de uma sacola, mas as luvas, cadê as luvas? Ficaram na mala. Minhas mãos endureciam e, enquanto movimentava os dedos em frenética ginástica para esquentá-los, aquela famosa luzinha se acendeu em meu cérebro: eureka!
Só pode ser a luva de pilotos. É de couro e tem os dedos cortados! É isso!
Bem que seria útil agora... mas era tarde, aquelas barracas tinham ficado lá para trás.