Usina de Letras
Usina de Letras
142 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62219 )

Cartas ( 21334)

Contos (13262)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10362)

Erótico (13569)

Frases (50612)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140800)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cartas-->Carta de um Fiscal Corrupto. -- 07/01/2010 - 23:04 (Giovanni Salera Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CARTA DE UM FISCAL CORRUPTO

Ninguém gosta de receber rótulos ou adjetivos pejorativos, mas pouca gente admite as enormes vantagens que a corrupção pode trazer para a vida pessoal de um servidor público e para a sociedade de modo geral.
Eu estou fazendo esse registro como uma forma de desabafo, pois já estou perto da aposentadoria e ao longo de mais de 30 anos atuando na fiscalização do governo federal adquiri uma enorme experiência nesse assunto.
Quando ingressei no servido público federal a realidade de nosso país era bem diferente e ninguém queria sair da comodidade para vir trabalhar nas partes mais remotas, especialmente no Nordeste e na Amazônia. Assim, ao longo de tantos anos vi inúmeras pessoas chegarem para ficar um curto intervalo de tempo e, em seguida, conseguirem uma transferência para outra localidade.
E, nessas situações, o que mais me indignava era a postura dos servidores novatos que chegavam aqui, em sua maioria vindo de grandes centros urbanos das regiões Sul e Sudeste, e tratavam-nos, servidores veteranos, como se fossemos piores do que eles.
Na minha época não se falava em concurso público, como ocorre nos dias de hoje. E, invariavelmente, os novos fiscais são pessoas jovens, formadas em excelentes universidades. Geralmente, eles chegam aqui com um currículo muito extenso; alguns falam duas ou três línguas e outros tem PhD. Mas, poucos têm experiência no serviço público, o que acredito ser o motivo dessa impressão romântica e um pouco ingênua acerca da realidade de nosso órgão.
Muitos chegam pensando que vão transformar o mundo, que sozinhos conseguirão mudar as tradições de nossa nação. É assim que alguns deles quando chegam logo nos discriminam pelos costumes que temos de receber contribuições e donativos pelos nossos serviços – não gosto de usar o termo “propina”, pois ele é deveras negativo e, conforme apresento mais adiante, vocês vão concordar que essas nossas práticas rotineiras na verdade condizem com algo positivo.
Eu posso não ter curso superior, nem saber falar nenhum idioma diferente, mas nos longos anos de experiência profissional pude comprovar todos os benefícios da prestação de serviços para desburocratizar a máquina pública, e além do mais aprendi algumas estratégias para mostrar para esses novos colegas as vantagens disso.
O benefício mais claro de se receber contribuições e donativos é visto na melhoria da qualidade de vida de nossa família. Toda vez que recebo uma boa ajuda, sempre reservo parte dela para investir em minha casa. Vivo numa residência confortável, sempre troco de carro e procuro tirar férias todo ano. Gosto de sair com minha esposa para pizzarias, churrascarias e clubes. Além disso, tenho investido na formação de meus filhos, pois eles estudaram a vida toda em escolas particulares e agora estão fazendo ótimas faculdades.
Uma outra parte de meus ganhos financeiros adicionais é revertida para apoiar familiares, amigos e colegas. Sempre que uma pessoa próxima necessita de ajuda, lá estou eu disposto a colaborar. Digo ainda que não são só nos momentos ruins que faço-me presente, muito pelo contrário, pois o que mais gosto de fazer é chamar os colegas de trabalho e os amigos para tomarem uma cervejinha no bar, sem nunca deixar de pagar a conta toda ou boa parte dela. Vocês que são brasileiros sabem bem como é fácil cativar qualquer pessoa pagando a conta no bar. Essa é uma estratégia infalível para quem quer se tornar popular.
Mas, não pense você que eu não trabalho, por que sinceramente são poucos os servidores de nossa instituição que trabalham tanto quanto eu. Tenho visto que muitos colegas, especialmente alguns desses novos servidores de currículo admirável, chegam no escritório e não tiram a bunda da cadeira. Eles alegam que as condições de trabalho não os estimulam a atuarem e, por isso mesmo, nunca saem do ar-condicionado.
Entretanto eu sei que preciso estar sempre atuante, participando de tudo, para poder manter minha rede de contatos e minha renda extra. Alguns colegas concentram suas energias para ganhar diárias, mas eu nem me preocupo com elas, pois eu sei que as contribuições são uma fonte de renda muito melhor. O pagamento de diárias é algo demorado e há sempre o corte nos gastos, o que nos impede de ter uma garantia de que as diárias virão sempre na mesma proporção. Já, o ganho de donativos é algo que não tem interferência das crises econômicas ou do corte no orçamento da União.
Entendo também que esse tipo de atividade proporciona um excelente benefício social. Todos nós sabemos que a máquina pública é extremamente lenta, e por meio desse trabalho proporcionamos uma maior celeridade para o bom andamento das empresas e negócios. Existem tantas normas e regras desnecessárias a serem cumpridas pelos empresários que a vida deles fica muitas vezes inviável. Assim, todas as empresas reservam parte de seu orçamento para contribuir com fiscais de diversas instituições com objetivo de facilitar seu desenvolvimento. Por isso, vejo o quão importante é esse trabalho que realizamos, sempre proporcionando um ganho enorme para toda a sociedade.
Muita gente pensa que todo funcionário veterano é desatualizado e preguiçoso. Em parte isso pode ser verdade, mas eu penso bem diferente, pois mesmo não tendo nenhum curso universitário estou sempre me atualizando e procurando novos conhecimentos – sempre com o intuito de me manter por dentro da rotina de trabalho.
Quando você está indo bem financeiramente todo mundo se torna seu amigo. O mesmo ocorre quando você é uma pessoa trabalhadora, sempre disposta a resolver algo. Trabalhando muito acabei conhecendo muitas pessoas importantes, o que só me trouxe ganhos.
Hoje sou membro da Loja Maçônica de minha cidade, tenho inúmeros amigos em empresas, no Legislativo Estadual, na Câmara Municipal de Vereadores e nas Prefeituras da região. Eu conheço muitos juizes, promotores, delegados, defensores públicos, entre outros servidores federais, estaduais e municipais.
Não pense você que eu peço comissões e ajudas em todas as ações que realizo. Isso só ocorre me uma parte de minhas atividades. Em geral, trabalho muito, entretando só é possível ter lucro em parte das ações. Destaco que sempre é bom atuar intensamente para manter a imagem de funcionário trabalhador, o que garante também alimentar a rede de amizades.
De um tempo para cá tem havido muitos concursos e a chegada desses novos servidores tem-se tornado constante. Assim, como disse anteriormente, muitos chegam com a idéia de mudar nossa prática costumeira de receber contribuições e ajudas, e alguns destes até mesmo chegam a fazer denúncias contra nós.
Com o tempo fui adquirindo algumas novas estratégias para cativar os novatos. Sempre quando novos servidores tomam posse, vou logo providenciando uma boa recepção para eles. Eu costumeiramente organizo festinhas sociais com muita bebida, belas garotas e drogas diversas. Confesso a vocês que sempre gostei de álcool e mulheres bonitas, mas algo que muito me impressiona é o apreço que esses jovens têm pelas drogas. Não há nenhum deles sequer que resista a um cigarro de maconha ou um papelote de pó. É assim que consigo conquistá-los – fazendo festas e apresentado-lhes as boates e os traficantes da cidade.
Com o tempo eles vão me conhecendo e percebendo os beneficios da corrupção.
Quando eles observam todas as vantagens que as contribuições oferecem, eles logo se interessam em participar dessas atividades. Dessa forma, faço novos discípulos e dou perpetuidade à essa prática que é uma tradição tão antiga em nosso país – talvez a mais antiga de nossa história !!!
Estou quase me aposentando, mas até esse dia chegar pretendo dar continuidade a isso, recebendo mais contribuições e donativos e introduzindo novos fiscais nesse ramo !!!

Manaus - AM, 03 de dezembro de 2009.

Frederico Maia

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Ilha de Marajó - PA, Dezembro de 2009.

Giovanni Salera Júnior é Mestre em Ciências do Ambiente e Especialista em Direito Ambiental.
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui