Usina de Letras
Usina de Letras
174 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62270 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10381)

Erótico (13573)

Frases (50661)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4778)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6204)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A Grande Piada -- 29/10/2001 - 00:26 (Carlos Henrique B.B. Campello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Olho para o relógio: 16h30. O calor é intenso, o sol está para castigar, olhando para aquela avenida a fumaça é laranja, a hora é propícia para um suicídio ou coisa parecida. Vou andando, odeio este lugar. Lá estou eu na parada de ônibus, observo as pessoas passarem, aquele suor escorre por entre as orelhas, caem do coro cabeludo. As olheiras, as rugas, os olhos distantes, acho que eles não queriam estar ali. Aquela vontade de chegar, é o que eu mais quero: chegar. A demora, o calor, as calçadas sujas, o céu azul, mas infeliz. Tudo parece devagar ou rápido demais. As buzinas dos carros, as pessoas correndo. Decido esperar o ônibus em outra parada, caminho até ela. Caminho rápido, tenho que acompanhar meus semelhantes, e aquela terrível vontade de chegar. Olho para trás, por um ínfimo estante, o ônibus passa, não tenho mais aquele fôlego de correr, como me odeio. Chego a outra parada com uma vã esperança de que lá ali está melhor, como eu disse: vã esperança. As pessoas conversam, mas são frases curtas, ríspidas, ouve-se tantos problemas que o estômago chega a ferver, assim como as costas que estão viradas para o sol, maldito sol! Aquela sensação que na nuca há areia no meio do úmido suor. Olho para a minha carteira de cigarros, nela estão apenas quatro cigarros. Olho para o fim da avenida (isto é, se ela tiver um fim) para ver se o meu ônibus vem, não vem, acho... acendo o cigarro. O desgraçado aparece por trás de um outro, a dúvida: estrago o cigarro e subo no ônibus ou espero o próximo? Penso em chegar, penso na falta de dinheiro, não posso estragar cigarros, são caros e essenciais, deixo que o ônibus se vá. Talvez uma sensação de masoquismo, mas eu tenho que fumar. Lá estão os carros tentando exprimir suas vontades, que buzinas irritantes. Lá vem uma mulher grávida, outra com o filho nos braços, crianças sem mães... ah! Danem-se! Não tenho nada a ver com isso (neste instante sinto a impressão de extrema igualdade com os pensamentos de meus semelhantes, meus olhos se afundam mais no meu crânio e meu estômago... meu maldito estômago toma vida). No meio do cigarro sinto a garganta seca, rasgando, a cada trago o cigarro fica pior e lá vem a sede – como eu queria que fosse o ônibus. Escondo-me na sombra de um poste onde estão coladas antigas propagandas políticas, meu candidato não está ali, acho, aliás, eu não tenho candidato, mas isto não interessa. Como meu sapato está quente, sinto as pontas dos meus dedos suarem, devem estar fedendo. Se eu soubesse o que era olfato poderia confirmar isso, ele se foi nas gramas de alcatrão de minha fuga (mais uma delas). Penso na minha faculdade: este não é o curso que quero, também chego à conclusão que não queria estar trabalhando naquele lugar... bom, se eu continuar assim eu vou ter a certeza de que esta não é minha cidade e a incerteza de qual cidade será a minha. Esqueço do que pensei, me conformo mais. Olho para o cigarro novamente, não! Devo comprar cigarros apenas amanhã. Passa um mendigo, ele me pede dinheiro, não dou, tento ignorá-lo, é difícil pois o cheiro dele eu consigo sentir, parece estar morto, acho que está. Onde está a merda do ônibus? A sombra do poste foge, eu vou atrás dela. Uma senhora passa mal do outro lado da rua, os urubus correm para ver e os seres humanos para “ajudar”, em vão... foda-se a velha. Meu ônibus!!! Lá vem... dou sinal de parada, imagino que ele vai queimar a parada, não!!! Ele para, mas que vontade de chegar... Pago o ônibus, o cobrador me dá o troco, uma moeda de valor baixo, pego-a mas o motorista dá uma daquelas arrancadas cinematográficas, lá se vai a minha moeda em direção ao meio fio: amaldiçoo as quatro gerações seguintes do motorista, imbecil!!! Deixa p´ra lá... O ônibus não está tão cheio, mas todas as cadeiras estão ocupadas e têm algumas pessoas em pé (inclusive eu), que cheiro horrível... olho para baixo, é uma mulher com uns quarenta anos de idade, com uma roupa que há 15 anos poderia estar na moda e aquele cheiro de perfume baratíssimo misturado com o cheiro da sua pesada maquiagem, pobre meretriz... Um velho dorme com a cabeça encostada na janela do ônibus, a cada buraco ele acorda, mas volta a dormir. Na parada posterior a minha, o ônibus quase lota, eram aqueles estudantes de uma escola pública, aqueles que não querem nada com porra nenhuma, vão para detrás do ônibus e começam a tocar a música da tribo deles: funk. Por que será que eles não morrem? As coisas não seriam um pouco melhores? Esta é minha eterna pergunta. Parecem felizes mas eu procuro meios para que a suposta felicidade deles acabe, só fico na teoria, como sempre. Entra um deficiente físico pela porta da frente, até aí tudo bem, mas o miserável começa a pedir esmolas e a dissertar trechos da bíblia, ódio, ódio, ódio, é só o que eu sinto. O engarrafamento de sempre, eu rezando por um vento, mas o ônibus está parado naquele eterno sinal vermelho, maldito!!! Que vontade de chegar... aquela era a tal hora em que nenhuma filosofia, nenhum pensamento mais profundo se adequava, era a hora do instinto. Duas mulheres começam a discutir na frente do ônibus com aquele vocabulário chulo e rasteiro, este tipo de pessoa não deveria existir. Acabo de me lembrar que o ônibus que acabei de pegar é o tal que faz um dos maiores caminhos até chegar ao meu destino. Destino... sem filosofias... Uma criança começa a chorar, a mãe grita com ela, o choro aumenta, a intensidade da voz da mãe também: dor de cabeça. O ônibus esvazia um pouco, calor, calor, o que nós fizemos para merecer isso? Eu sei mas não costumo responder coisas deste tipo. Seguro firme nos ferros que correm por cima das cabeças dos que estão sentados, o suor escorre pelo braço e chega até o cotovelo, começa a pingar. Um desgraçado liga um rádio portátil, como sempre o volume do rádio está no máximo e mal sintonizado numa dessas emissoras AM. Fica a competição entre os estudantes com seu funk e o trabalhador da construção civil com suas músicas podres. Lá vem a forte vontade de chegar. Observo a cidade, as pessoas da cidade com seus rostos tristes, suados e feios. Não, definitivamente aqui não é o meu lugar, não me pergunte qual é. Estou próximo do meu destino. Vou um pouco mais à frente do ônibus, piso em algum pé descalço, não olho para trás e nem peço desculpas, dane-se. O ônibus pára no meu destino, desço mais suado do que tudo, só em pensar os trezentos metros que vou andar até minha casa... olho para o relógio vagabundo: 17h17, que coincidência... grande merda. Caminho em direção a minha casa, na verdade não é bem uma casa, é um apartamento, quem dera morar numa casa, só penso naquela varanda, uma rede estendida, uma água de coco, um rádio ligado, uma mulher do meu lado... mulher... meus olhos enchem de lágrimas: sem comentários. Apresso o passo, quero tomar um banho logo! Que vontade de chegar!!! Entro no prédio, falo com o porteiro, aperto o botão do elevador, ele geralmente demora, mas incrivelmente ele chega logo. Aperto no número correspondente e ele caminha lentamente para o meu andar até parar. Abro a porta do elevador, coloco a chave na porta de minha casa, abro-a e entro no “lar”. Tiro os sapatos – agora sinto o cheiro – tiro a camisa ensopada de suor, vou em direção ao banheiro pensando naquele banho. Ligo o chuveiro, até a água está morna – e meu chuveiro não é elétrico, mas o banho está ótimo. Fico dez minutos debaixo d’água, fecho o registro, visto-me. Vou em direção ao quarto, ligo o ventilador, deito na cama, puxo o cinzeiro em minha direção, acendo meu antepenúltimo cigarro e penso: que vontade filha-da-puta de chegar: choro por não saber onde.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui