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Contos-->O Quarto -- 29/10/2001 - 00:03 (Carlos Henrique B.B. Campello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Lá estava ele, pensando no futuro novamente. Pensava na companhia de seu cigarro – sem falar de seus botões, era um bom homem, não servia propriamente de modelo, mas, mesmo assim, era um bom homem. Poucos anos tinham passado diante de seus olhos, mas foram longas primaveras, longos verões e longos invernos, passando pelos outonos que são sempre longos. Anos passados de muitas alegrias, mas as tristezas poucas, contudo intensas, enevoaram os momentos bons. Ele nunca chegou a esquecer nada de bom que tinha acontecido com ele, mas as desgraças tinham-no feito nostálgico: o presente é sempre melhor que o futuro, e o passado sempre melhor que o presente. O otimismo não combinava com ele, mais por uma questão estética do que qualquer outra coisa, mesmo insistindo, não o caía bem.
Mais outro cigarro, sempre contando quantos faltam na carteira, sempre calculando quando vai acabar. Sempre calculando. A razão como ditadora, emoções são secundárias e não devem ser consideradas. Sentado olhava vez para o chão, vez para o teto. Sorria em alguns momentos naquele quarto de única janela e única porta. Também única cadeira, pois só ele sentava ali. Vez em quando olhava para porta, fechada. Um ventilador ocupava a única tomada elétrica daquele quarto que não media mais do que 15 metros quadrados. E o cinzeiro com o último cigarro apenas, amassado e deixando escapar aquele filete de fumaça que subia lentamente, retilínea até que a sua respiração transformasse aquele filete em nuvens que subiam até desaparecer por completo no teto. Vestia um calção marrom e uma camisa branca lisa; sentado e pensando no futuro, como sempre. A cama de solteiro desforrada de mais uma noite mal dormida, não se sabe porquê. Nem ele sabe.
Não estava quente, mas não estava frio. Pensou em abrir a janela, mas não pensou em se levantar e ir até lá abri-la. Sábado ensolarado, pelo menos era o que se dava para ver pelas frestas da janela, que iluminavam com linhas amarelas do sol os livros no chão. Poucos livros. Espalhados sob seus pés, junto à cama. Livros que ele lia e relia, saltava as páginas onde tinham o início de cada capítulo, pois já a sabiam de cor, cada linha, cada parágrafo. Livros que comprara quando mais jovem, que se admirou, no tempo em que ele se admirava. Relia cada um deles tentando se admirar novamente: em vão. Amaldiçoava a memória por deixá-lo impotente em admirar-se novamente.
No teto uma lâmpada de pouca potência, a luz, de uma certa forma, o incomodava. Mas não se preocupava com a potência da lâmpada, ou com o sábado aparentemente ensolarado ou com a porta fechada, ou com a cama desarrumada, ou com sua insônia, ou com sua camisa branca ou sua bermuda marrom. Não se detinha aos detalhes de quantos cigarros ele já fumou, ou quantos faltam. Preocupava-se com o futuro, mais uma vez. Na semana passada, nesse mesmo quarto ele se preocupava com o futuro, e na semana retrasada também. Nesse mesmo quarto, nessa mesma cadeira. Cansado. Os vultos alegres e tristes do seu passado desfilavam diante dos olhos, compulsoriamente. Vez ria, vez não. E olhava para o teto, o mesmo teto da semana passada e de semana retrasada. Mesmo chão.
Pensava nos livros. Pensava na admiração no momento que leu cada um deles. E na admiração que ele não sente mais os relendo. Lástima. Poucos livros. Muitas páginas lidas dos mesmos poucos livros. O primeiro cigarro apagou por completo no cinzeiro antes limpo. E o segundo estava para se acabar entre seus dedos. Poucos tragos dos muitos cigarros fumados. Muita cinza. Pensava no primeiro cigarro que pos na boca quando jovem. Que gosto, que prazer. Lastimou não mais sentir o gosto do primeiro, do segundo e do terceiro cigarro que colocara na boca.
- Acho que são duas horas. Falou sozinho. Colocou o cigarro no cinzeiro, não precisava apagar, já estava apagado entre seus dedos. Tirou a camisa e a bermuda, vestiu a calça que estava pendurada no espelho da cama e outra camisa branca, dessa vez com botões, que estava nas costas da cadeira onde estava sentado. Colocou a carteira de cigarros no bolso da camisa, os fósforos no bolso direito da calça. Calçou os sapatos, dando os laços no cadarço de forma precisa. Deu um breve sorriso, pegou um pedaço de papel que estava marcando a página de algum dos seus livros, um lápis que estava no chão, próximo à cadeira. Escreveu com sua caligrafia impecável: “fui comprar novos livros”. Deixou aquele bilhete que ninguém irá ler em cima da cama, sobre os lençóis desforrados, abriu a porta do seu quarto, saiu, fechou com chave e nunca mais voltou ali, e nunca mais pensou no futuro novamente.
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