A ESQUISITA ESTÓRIA DE UMA TANGERINA.
O Cadi era o mais safado e brincalhão da turma. Quando jogava futebol ele sempre inventava as jogadas mais difíceis e criativas. Catimbava que nem louco, se atirava no chão, gritava, berrava, chorava até convencer ao juiz que tinham batido nele com violência e má intenção. Sempre dava um jeito de enganar alguém, de divertir-se gozando os outros. Não era um rapaz ruim, no fundo tinha um bom coração. Os encontros na esquina, perto do único poste de iluminação, perdiam totalmente a graça se ele não estava. Ele era divertido. Todos o amavam e, ao mesmo tempo, o odiavam.
Uma noite, escondidos detrás do cinamomo do armazém do Alcides, estavam vigiando os passos do Ulisses, que tentava entrar na casa da Maria, sem que a turma percebesse. Porém todos já estavam sabendo que a mãe da garota tinha viajado e que ele iria atrás de uma noite de inesquecíveis prazeres. O Cadi descobriu a jogada e avisou a todo o mundo. Estavam tão absortos na tarefa de vigiar a casa do encontro amoroso, que não perceberam o homem aproximando-se. Era um andarilho, fedendo a cachorro morto, falando como bêbado, arrastando os “esses” e mordendo os “jotas”. Imediatamente o Cadi resolveu divertir-se com o pobre velho. Informou que era fiscal da prefeitura e começou a revistar os sacos fedorentos do andarilho. O velho chiava desesperado, mas o Cadi, implacável, revistou tudo. Encontrou muito lixo, livros velhos, trastes e uma tangerina quase podre. Confiscou a tangerina, apesar dos protestos do homem e dos rapazes. Foi inflexível, botou no bolso a tangerina e deu um chute na bunda do andarilho.
Passaram toda a noite esperando o Ulisses. Ele não apareceu ou enganou a turma. Quase ao amanhecer o Cadi lembrou da tangerina. Descascou com cuidado o cítrico e preparou a mordida. O Japonês que era muito supersticioso suplicou que não botasse a fruta na boca, que o andarilho tinha rogado uma praga, que com certeza a fruta estava envenenada. O Cadi riu com ironia e comeu com prazer.
Durante os dois dias seguintes ele não apareceu na esquina. No terceiro dia não foi ao colégio. Estava doente. Foram até a casa dele. A mãe não deixou eles entrarem. Não sabiam o que era, poderia ser contagioso, estavam esperando o resultado de uma junta médica.
___ Mas... o quê ele tem? – pergunto o Rubinho.
__ Nasceram-lhe umas coisas estranhas nas orelhas e não param de crescer- explicou a mãe.
___ Quê coisas ? – inquietou-se o Japonês.
___ Umas coisas verdes parecidas com galhos e folhas- sussurrou a mãe.
E todos pensaram, e viram, o Cadi transformando-se, lenta e dolorosamente, em um lindo pé de tangerina.
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