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cronicas-->É preciso chorar -- 23/06/2001 - 17:48 (Felipe Cerquize) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Não sei quando surgiu essa história de que homem não pode chorar. Talvez, já no célebre fratricídio de Caim com Abel, tenha surgido o primeiro nó na garganta que não se transformou em lágrimas, com Eva caindo em prantos e Adão fazendo-se de forte para que pudessem continuar tocando a vida que Deus lhes havia concedido. O que eu sei é que, quando era miúdo, ao sentir-me lesado por qualquer besteira que fosse, chorava para valer e o máximo que ouvia era um "ah, tadinho...", não raro seguido de alguma concessão, que me fazia parar de chorar imediatamente. Chorar era muito bom, mas, com o tempo, começaram a aparecer os que diziam que aquilo era coisa de criança e eu não podia deixar que falassem isto para mim, pois já tinha umas meninas na mira que me reprimiam inconscientemente. Pior do que dizerem que chorar era coisa de criança foi quando ouvi pela primeira vez a terrível "homem não chora". Foi aí que parei definitivamente com aquele negócio de soltar água salgada pelos olhos diante de uma situação que suscitasse emoções. Dali para frente, o máximo que fiz foi ficar olhando fixamente para o nada, quando me batia a depressão ou quando algum arauto da desgraça aproximava-se para me falar uma notícia ruim.

Mudar esse conceito a curto prazo é praticamente impossível. Afinal, ainda vivemos numa sociedade patriarcal ou pelo menos num mosaico prosaico em que a mulher tenta sair da submissão para competir de igual para igual. Ainda dizem que chorar não é coisa para homem e, por isto, quero aproveitar para lhe dizer uma coisa, leitor: chore. É um direito que nos tiraram ainda nos melhores anos de nossas vidas e nós, crédulos que somos, pensamos que este fosse um símbolo de maturidade e de hombridade, quando, na verdade, é apenas mais um precursor das doenças coronárias que ficam na espreita, esperando pelo melhor momento para nos atacar. E nós nem ao menos protestamos durante todos esses séculos. Puseram-nos roupa e nariz de palhaço e nós assumimos esse papel sem perguntar o porquê do espetáculo. Disseram-nos que não era para chorar e ficamos tolhidos por dezenas de gerações, como capatazes que cumprem cegamente uma ordem. Alguém aí pode me dizer por que não podemos chorar? Se chorar e tomar vinho tinto fazem bem para o coração, então, por que podemos tomar a bebida alcoólica mas não podemos chorar, que é um ato saudável, sem contra-indicações, que não vicia e dá um certo barato emocional? Chore quando quiser, leitor. A única coisa que peço é que não sejam lágrimas de crocodilo, pois dessas o mundo já está saturado. Essa forma de lágrima, também conhecida como "quem não chora não mama", é uma das espécies mutantes do mundo dos sentimentos e o ser humano a vem utilizando descomedidamente para obter os bens que lhe sejam convenientes.

Na verdade, esta minha insistência no tema é pelo simples fato de que eu não consigo mais chorar. Fiquei tanto tempo longe da prática que, quando percebi, já não havia mais como reativar as minhas glàndulas lacrimais. Não posso negar que há uma certa frustração nisso tudo, com o sentimento querendo aflorar, mas o autocontrole e a atrofia glandular impedindo que ele venha completamente à tona. É o típico caso em que valeria a pena chorar sobre o leite derramado, mas, sinceramente, não consigo.

Perdi a capacidade de externar minhas emoções, mas acredito ainda ter a noção do que é certo e do que é errado. Por isto, convido você para essa manifestação. Convido você a chorar para valer. Não se preocupe se haverá ou não alguém que o console. Aliás, procure evitar essas pessoas, pois entre elas sempre há os que querem fazer dos sentimentos alheios apenas mais um pretexto para uma conversa jogada fora num papo de esquina. E se, no final, aparecer alguém que realmente se disponha a enxugar seus olhos e a lhe dar um abraço, retribua com um gesto de gratidão, porém nunca se esqueça de que fomos, somos e sempre seremos palhaços.
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