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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->18. A PALESTRA -- 10/06/2002 - 12:05 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A partir daquele momento, Fernando não teve mais sossego em relação às atividades da firma. Ocupou a mente com problemas comezinhos de compra e venda, impossibilitando-se para a meditação que os acontecimentos exigiam. Mas nada ficou sem que desse encaminhamento satisfatório. Às seis horas da tarde, ao encerrar o expediente, fechando o caixa, estava exausto.

Reparou, então, que se alimentara mal. Os seus noventa e tantos quilos (os tantos não sabia quantos) requeriam provimentos. Entretanto, deliberou não comer nada que pudesse pesar-lhe no estômago. Iria ao “Jesus de Nazaré” e, por isso, deveria manter-se ativo psiquicamente. Não sabia quais os requisitos ideais para freqüentar o centro espírita, mas desconfiava de que, se errasse ao alimentar-se, poderia dificultar a “empatia vibratória” (de onde lhe viera semelhante expressão?) com os desencarnados.

Atravessou a rua, depois de advertir os “seguranças” de que iria voltar, e adentrou a lanchonete fronteira, onde pediu uma “vitamina” de frutas. Insatisfeito, mandou bater dois “yogourts” sem açúcar. A idéia de não comer produtos animais estimulava-o à reflexão. Pelo menos os laticínios não provocavam a morte do bicho.

Do escritório para o Aeroporto seria muito mais fácil. Se fosse para casa, perderia tempo. Avisou os criados de que não iria para jantar, aproveitando para inquirir se Dolores estava. Não estava.

Como passar as quase duas horas?

Lembrou-se do livro deixado por João.

Apanhou-o e abriu ao acaso. Queria testar a possibilidade de ser guiado pela espiritualidade para os temas que lhe fossem mais prementes. Deu com o capítulo JUSTIÇA DAS AFLIÇÕES: “Somente na vida futura podem efetivar-se as compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra.” Não lhe pareceu que lhe tivessem dado qualquer sugestão que lhe explicasse o que tinha passado nas últimas horas.

Resolveu vasculhar o índice. Curiosamente, não se interessou por qualquer dos títulos. Precisava ler algo. Principiou pelo prefácio, assinado por um tal de “Espírito de Verdade”. Mas não deu continuidade à leitura. Quem seria essa estranha personagem? Embatucou. Santa ignorância! Seria alguma entidade ou o símbolo da virtude? Que nome mais esquisito, para não dizer pretensioso. Como é que algum espírito, por mais avançado, pode denominar-se dono da verdade? Na Igreja Católica, aprendera que Deus poderia ser representado como a Divina Trindade: O Pai, o Filho e o Espírito Santo. Bem pensando, todos os três poderiam denominar-se de “Espírito de Verdade”; mais ninguém.

Deu uma rápida folheada, percebendo que a obra elegia trechos dos Evangelhos, comentando-os em seguida. Enfrentava, contudo, dificuldade para deixar-se envolver. Ou ele ou o livro estavam sendo refratários.

Lembrou-se do que lhe dissera o João a respeito de avaliar os espíritos ao seu derredor. Não viu nenhum.

— Será que a concentração é que está prejudicada por minha atitude excessivamente crítica?

Descansou o livro sobre a mesa e acomodou as costas na poltrona. Veio-lhe à memória a reunião da última noite. Os trabalhos mediúnicos começaram com as orações. Sabia as preces mais comuns dos fiéis do Catolicismo. Não gostava de rezar o terço, repetição enfadonha dos mesmos dizeres. Viu-se perante o confessor, que o mandou recitar o Credo, quando lhe disse que fora ao terreiro...

O calor foi aconchegando-o e, sem ter noção do local e da hora, adormeceu.

Acordou sobressaltado. Que horas seriam? Sete e trinta e cinco. Daria tempo para ir à palestra. Lembrou-se de que estava sem carro. Por sorte, o primeiro táxi que passou largou um passageiro logo ali.

No trajeto, perguntava-se por que não fora capaz de ler uma página sequer. Não obteve resposta plausível. Talvez o palestrante pudesse referir-se a esse problema.

Quando chegou, a sessão havia começado. Não conhecia o pessoal da portaria, mas foi bem acolhido ao mencionar o nome do João. Acomodou-se no fundo do auditório.

Falava uma senhora, quase cantarolando. Citava Kardec a todo momento. Referia-se à Igreja Católica. Nomeou um bispo de Barcelona que mandara queimar livros em praça pública. Era um Auto de fé, como nos tempos da Inquisição. Falou em perseguições do púlpito e da perda de emprego dos franceses que se declaravam adeptos da nova doutrina.

Fernando lembrou-se da gana de mandar embora o Joaquim. Resolveu manter a promessa de não despedi-lo. Iria só chamar sua atenção. Se bem conhecia o emplasto, era bem capaz de estar presente para espioná-lo. Começou a examinar as pessoas à sua frente. As idades e as cores se misturavam. Na primeira fileira, estava o João. Reconheceu também o médium de voz poderosa. Tivera a esperança de que pudesse ser o palestrante.

A mulherzinha prosseguia impávida. Dava à voz inflexões de bispo, macia, controlada, como no tempo em que a missa era dita em latim. Kardec publicava artigos numa revista. Repetiu diversas vezes que havia tradução em português. Que os textos se aproveitavam nas obras, depois de testada sua aceitação por parte do público.

A cadeira começava a torná-lo quadrado. Hora inteira daquela lengalenga seria demais. Uma criança pequena, que se impacientara desde o começo, abriu tremendo berreiro. A mãe precisou retirá-la. A conferencista gracejou. Será que todos estavam chorando por dentro? Agradeceu a atenção e prosseguiu.

Fernando achou que a empreitada da oradora era questão de honra. Deram-lhe a responsabilidade e ela precisava ir até o fim, doa a quem doer...

Imaginou que poderia retirar-se. Estava perto da porta. Mas deu um voto de confiança. Quem sabe algo poderia revelar-se interessante. Prestou atenção:

— Se fosse Jesus quem tivesse voltado à Terra, teria sido outra vez crucificado. Mandando o “Espírito de Verdade”, cumpria a promessa do envio do “Consolador”, como se lê no Evangelho de João.

Eis que aproveitava a explicação. Será que teria perdido pelas divagações outros informes úteis?

— Oremos para que o entendimento humano se faça, segundo as luzes do Espiritismo. Convido o irmão João para que venha dizer a prece de encerramento.

Fernando percebeu que tinha aproveitado pouco.

No palco, sorridente, João explicou que os “passes” seriam ministrados na sala ao lado, para o que fizessem fila e se mantivessem em silêncio. Invocou os benfeitores da casa, recitou um padre-nosso e solicitou as bênçãos de Deus para a oradora e para todos os presentes.

Fernando esperava o “ite, missa est”, inconscientemente. Sorriu e levantou-se. Mas o povo aglomerou-se à sua frente, sem fazer menção de retirar-se. Formava-se a fila para os “passes”.

Lá do palco, João acenava para que esperasse. Precisavam conversar.

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