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Contos-->Cherry Cerise -- 22/10/2001 - 23:31 (Erasmo Junior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Na saída do restaurante, para o parque dos amores despedaçados. Um local ideal onde eu iria derruba-la de vez sem paradas, sem martírios, sem carinho: nada bonito a dizer. Descemos juntas até lá, como quem ia atravessar toda aquela natureza para chegar a lugar algum. Já era relativamente tarde, mas ainda reluzia tédio ao meu redor.
Fomos seguindo adiante, passadas lentas. Nem parecia que a cidade andava violenta, que aquela parque deserto era um promissor cenário para cenas chocantes. Ela queria dar uma volta para conversar e eu sugeri ali, óbvio. As intenções nunca mudam, é como um anel quebrado: você segue por ele e no ponto rachado, tem que voltar ou cair. É claro que eu não pretendia beija-la, não gostava do perfume dela, era de uma marca italiana que eu detestava, doce demais. O sabor desejado seria outro, o mais natural possível. E desde o restaurante não tínhamos trocado uma palavra; problema dela, eu nunca tenho nada a declarar para ninguém.
Finalmente, ela se manifestava, olhando para a frente, quase pensando a respeito da segurança daquele lugar esquisito, confusa sobre ela mesma e sua solidão. Eu não tinha dúvidas.
- Olha, as coisas não vão bem para mim...você sabe.
Sorri. Ela prosseguiu.
- Primeiro, sei lá. A gente mal se encontrou ontem e já estamos confidentes...eu estou cheia de problemas.
Eu não sou confidente de ninguém. Era melhor ela dizer aquelas coisas para alguém que se importasse, mas estava tudo sob controle. Eu balançava a cabeça de leve, sem deixar o cabelo escapar de trás da orelha, com todos os pensamentos dela nas minhas mãos.
- Vamos sentar ali, no banco? - finalmente, eu abria o bico.
- Credo, aqui é escuro demais...não gosto muito. Tudo bem, só um pouquinho...
Sentamos, fiquei virada para ela, olhando ora para a lua linda, ora para o outro lado da rua, que dava para avistar. Ninguém, ninguém mesmo. Nem ladrões, nem marginais.
- Estou me sentindo péssima. Anda dando tudo errado para mim, você sabe.
Ainda não era a hora, calma. Mas a loucura começava ali.
- Ah, eu vou tirar a roupa. - olhei-a com uma feição baixa, úmida.
Ela arregalou os olhos, fez uma cara muito engraçada. Tinha uma maquiagem caprichosa, ficava até bem quando assustada; o batom brilhava mais apesar do perfume ainda me incomodar. Levantei-me.
- Posso?
- Nossa...eu ia falar disso com você, sobre as nossas preferências...mas...desse jeito?...você é tão maluca. - ela sorriu, espantada ainda. Sem demoras, tirei o vestido que não era grande, muito menos difícil de abrir. Ela olhou querendo me engolir ali mesmo, esquecendo seus problemas e desenganos.
- Ia acabar sujando...vai ficar parada aí?
A iniciativa nunca era minha, deixei ela vir. Eu odeio essa parte, odeio. Quando ela se levantou para me beijar, que colocou a língua na minha boca, eu comecei o meu festival particular de êxtase secreta. A reação era óbvia. Segurei os cabelos dela suavemente, ganhando apoio para colocar força aos poucos. Quando ela começou a notar dor ao invés de prazer, joguei a nuca dela contra o tronco de árvore que ficava ao lado do banco. Surpresa em seus olhos, elas sempre ficam espantadas, era previsível, patético. Pulei em cima; quando ela colocou a mão na frente, mordi dedo com anel e tudo, braço, pescoço, onde meus dentes conseguissem chegar. A pancada na cabeça tirara toda a resistência, e ela ia caindo devagar, comigo mastigando os seus pedaços. Eu cuspia alguns fora porque a idiota havia colocado perfume demais, que ódio. Ela tentava me acertar com a bolsa, sem força: caia batom, celular, chaves, lenços, um monte de coisas no chão. Ela meteu o dedo no meu brinco e puxou rasgando. Doeu muito, cravei os dentes nos peitos dela e machuquei bastante. Perdeu os sentidos ali mesmo, uma lástima.
Sai de cima dela emplastada de sangue. E minhas meias nem tinham desfiado. Fiquei olhando ela respirar com dificuldade, fazendo barulho, uma coisa horrorosa; dava para ver os olhos bem abertos, cheios de lágrimas e virados para a lua, refletindo o reflexo da noite maravilhosa. Era poético sim, e romântico também. Eu gosto dessas coisas, afinal; era acabar com aquilo de vez, como sempre eu fizera.
Não sei exatamente porque, mas não me mobilizei para terminar o banquete. Foi estranho, perdera a fome de repente, provavelmente por ter parado para fitá-la tombar. Pensei no perfume que eu tanto odiava, talvez fosse por isso; mas não, era uma razão oculta. Aquela estranha tinha alguma coisa que estava me travando, fazendo-me desistir dos impulsos do comportamento tão trabalhado. Fiquei observando-a cuidadosamente, procurando vestígios para a quebra, mas não achava nada.
Então, de relance, vi o colar.
Nem tinha reparado nele antes. Havia algo escrito, era bem bonito, delicado; não hesitei, tirei do pescoço dela para poder ler . Quando aproximei o braço, ela se tremeu de leve, medo. E lá estava, em itálico:
Carpe Diem
Agora era meu. Limpei a sujeira em meu corpo com a água de uma fonte do parque, vesti-me; tudo rápido, calculado, sem ninguém ver. Eles nunca enxergam quando se está destruindo o mundinho idiota e estéril. Aquela pobre coitada ali, machucada, esfolada, nem conseguiu gritar. Pela primeira vez, me senti mal, péssima. Tinha fiapos de pele dela com os seus pêlos descoloridos presos nos meus dentes; quase vomitei, o estômago começou a arder, querendo jogar os pedaços dela para fora. Peguei-a, arrastei até fora do parque e comecei a gritar, pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, fomos atacadas.
Funcionou, como não poderia deixar de ser; parou um taxi, e em minutos tínhamos uma ambulância para as duas. Era um novo plano se formulando na minha cabeça, e quem sabe um recomeço. Relaxei, do lado da quase cadáver; perguntaram o que tinha acontecido, iam chamar a polícia, mas eu chorei bastante e cativei todo mundo com o meu veneno. Foi um maluco, um tarado, pulou nela, me machucou também...o brinco arrancado estava guardado comigo.
E finalmente, o hospital. Entramos direto para a urgência; sem querer, dei logo de cara com o médico que ia nos atender. Ele veio, começou a fazer de tudo para salva-la. Eu preferi não olhar muito para aquilo, jogando lágrimas para as pessoas que me olhavam. Com algum tempo, ele conseguiu segura-la viva. Ainda estava estraçalhada, toda ferida, mas vivia.
- Que danado aconteceu com você e com a sua amiga? - ele se virou para mim, quase despretensioso. Eu podia notar nos olhos caídos dele algo de errado, algo mais; eu estava sendo estudada.
Chorei sem dó. Joguei para cima dele todas as dores e desilusões que eu tive na minha vida, em uma performance digna de tragédias de Shakespeare. Lembrei de todas as coisas tristes, de todos os instantes ruins; seguimos para uma das salas de consulta. Era uma tentativa de me acalmar, portanto deixei de reparar nele de propósito, para deixar claro o quanto aquilo tudo era real. É óbvio que é; a estrada morta da depressão, os paradigmas de uma, quem sabe, verdadeira melancolia.
- O que houve, você quer me contar agora?
Pausa. Enxuguei os olhos, finalmente olhei direito para ele. Tinha olhos fundos, um aspecto fugaz de decadência. Era um pouco mais velho que eu, em certos pontos, parecia atraente; em outros, aterrorizava. E eu não conseguia ver exatamente o que se passava com ele. Roupas brancas de cirurgião plantonista, cabelo assanhado, deveria estar com um pouco de fome, quem sabe. Ele as vezes deixava escapar que estava me achando sexy, maravilhosa, pois a linha de sua boca mudava toda vez que eu respirava com mais força.
- Foi um tarado, um maluco. Atacou a gente no parque, lá no centro da cidade, quando saíamos do restaurante. Sorte, passou gente e ele fugiu, deu tempo de eu vir com ela para cá numa ambulância.
- É, ela não foi estuprada mas esta muito machucada. Nossa, o cara a mordeu...nunca vi isso antes. E você, ele arrancou o teu brinco, não foi? - ele pegou na minha orelha ferida, tudo bem. Era o trabalho dele, não ia querer devorá-lo por causa disso.
- Foi...meu Deus, foi horrível, horrível. Eu quero morrer. - ameacei mais tristeza, fiquei olhando para o nada. Tinha um quadro no fundo da sala, de frente para mim. Umas manchas de tinta difusas, amarelo, azul, roxo e preto; lembraram-me um vulto humano envolvido por dezenas de anéis, agonizando. Não havia expressão, uma morbidez constante apenas. Além daquilo, estava anúncios preventivos e toda aquela estupidez que eu já estava cansada de saber.
- Vamos para a urgência, eu quero dar uma olhada na sua orelha. Você vai me contando se quiser; depois a gente vai olhar a sua amiga, lá na CTI, mandei ela para lá . Vocês são amigas, não é?
Oh, queridinho. Você não sabe de nada.
- É.
Seguimos de volta a urgência. Eu fui na frente, em um ato raro; talvez ele confiasse mais em mim daquela maneira. Afinal, não estávamos em guerra. Ele olhou a orelha, deu alguns pontos. Eu odeio anestesia, quando veio o éter e aquele negócio avermelhado que passa na ferida, lembrei do cheiro do perfume e senti náusea. Quem sabe aquele não fosse o aroma das mudanças, dos novos momentos. Eu aspirava outras coisas, de repente; um novo rumo. A piranha estava salva, eu não havia a devorado como as outras. Só podia ser uma cura, aparentemente eu não sentia mais vontade de saborear o gosto tão esquisito de carne. Era isso mesmo, eu estava curada, se é que algum dia estive doente. Mas estava tudo certo, eram imposições relativas, ainda adorava ficar por cima de tudo aquilo. Ele suturou a orelha perplexo, talvez desesperado por não saber nada de nada. Não era sempre daquele jeito? Nunca sabemos o que se passa na cabeça dos outros, mas eu sei. Era difícil, naquela circunstância, até mesmo pela própria ética dele. Talvez fosse a atração inerente para desgraças, tragédias e momentos ruins, quem sabe. Pensei de novo, eu estou curada, doutor, eu estou curada. E mais uma vez. Todo mundo tinha atos falhos a vida toda: quando era criança, quando cresce, quando envelhece. Eu não; eles me têm como uma evidência dolorosa desse psicologismo barato.
- Podemos ir vê-la agora? - eu quase bocejava.
- Tudo bem, vamos lá. Espero que não se choque, CTI não é um lugar legal.
Sorri, dei alguns segundos para responder.
- Tem que ser algo muito extremo para me chocar, querido.
E fomos até lá. Lugar horrível, podre. Uma pessoa despreparada se sentiria no meio termo da morte lenta com o inferno mais ralo. Mas tudo certo, eu a vi na cama respirando por aparelhos, uns tubos medonhos enfiados nela. Tinham dado um monte de pontos, credo, parecia uma boneca de porcelana que caíra do décimo andar: faltavam partes, as quais eu poderia descrever o sabor com precisão. E o perfume, o maldito perfume, ainda ecoava por ali, como um ranço contra a canibal new wave.
- Pronto, vamos sair, aqui só pode entrar pessoas autorizadas. - ele me pegou pelo braço e saímos, de volta até a urgência, para a entrada. Tinha um funcionário limpando a sujeira no chão, com uma cara de pobreza lastimável. Eu senti ele pensando que o doutor Nada ali iria faturar a mocinha de orelha machucada, que sempre era a mesma coisa, mulher bonita eles ficam em cima, não existe isso de ética. Mas eu não me achava tão bonita assim.
- Hum. Você olha com essa cara para todas as suas pacientes? - é claro, a ambigüidade. O que seriam as mulheres sem ela?
- Olha, confesso que estou meio abalado. Mas tudo bem, eu também sou humano, não é?
Sorri, era bom dar tempo ao tempo.
- Abalado. E você salvou a vida dela, não está feliz? Provavelmente faz isso todo dia, salva vidas.
Ele demorou um pouco para responder. Eu sabia.
- É, estou...feliz. Você avisou os parentes dela, o pessoal da família?
- Ela não tem ninguém aqui.
- E você tem? Olha lá, foram vitimas de violência. A polícia deveria ter sido notificada.
- Agora já passou. Eu também não tenho ninguém aqui, melhor assim.
- Melhor assim.
Eu pensei no quadro da sala, de repente. Será que ele também cheirava àquele perfume horroroso? Mudanças? Céus, aquilo só poderia ser um abismo infinito.
- O que está escrito aqui? - ele colocou o dedo no colar, cara-de-pau.
- Ah. Carpe Diem.
- Está esperando o que? Um táxi?
Ah, ali estava. O ato falho. Era previsível, sempre era, nunca falhava. Não eram as palavras, mas a maneira que haviam sido ditas; constrangimento, um interesse estranho, algo mais. Era isso, o doutor; uma ruga enorme se formou na testa dele, em sinal de hesitação. Envelhecia uns dez anos esperando infinitamente eu falar algo bonito. E meu cabelo escapou, coisas do vento.
- Isso está ficando pessoal, não é?
- Hahaha, é, já está. Mas, como sempre, quem manda é a mulher. Vocês sempre decidem tudo na hora da verdade... - ele era esperto, ao menos achava que era. Jogo duro, mas eu não estava em uma disputa com ninguém.
- Então vamos comigo até ali que eu quero te mostrar o que eu decidi. Mas saiba que não vai ter como voltar atrás.
Pronto, barreiras quebradas. Era daquela maneira que funcionava; eu vi nos olhos dele, ficou claro, tão claro que também senti mais coisas a seu respeito. Era um câncer, isso. Uma sensação pavorosa de ser monstro, de sair devorando tudo e enterrando as coisas boas. Mas eu também era assim, devorava tudo. De outra maneira, mas o fazia. Câncer, perfume, quadro. Céus, era ridículo, tudo rápido demais. Mas estava tudo certo, ninguém mandava em nada, não tinha erro.
- Eu sei um lugar legal, se você está pretendendo ficar a sós comigo.
- Eu quero ir para o bloco cirúrgico. - será que ele me levaria?
- Vai ser meio difícil, deve ter gente lá. Eu vou ter que verificar...
- Então vai logo.
Mudanças nos planos de novo. Era ele, só poderia ser; em questão de horas, tudo se invertia de novo: eu sentira algo estranho com a piranha, arrisque-me e a trouxe para um hospital enganando meio mundo de insetos. E quando estava com toda a trama estabelecida, aparecia aquele médico esquisito na minha frente, quem sabe na minha vida. As boas garotas se casam, tem filhos, transam uma vez por semana direitinho, esperam parar de menstruar para perder o cheiro de fêmea. Era coisa demais que poderia se tornar mais simples, mas não tinha jeito mesmo, tinha que mudar mais um pouco. Eu não sou boa garota, eu como boas garotas frustradas. E lá se foi ele, atrás do acesso ao bloco; voltou rápido, um pouco afobado. E me levou até o tão desejado bloco cirúrgico, onde ficamos a sós.
- E agora, mocinha?
Um, dos, três, beijei. Queria saber o gosto, como seria. Se tinha sabor de esparadrapo ou se era quente, como sangue. Demoramos instantes, claro. Esses momentos existem para fazer um eufemismo sutil ao que poderia vir a acontecer, como uma cena de sexo ou uma trégua para as vítimas insensatas. Mas eu não devorava homens, e quase que me contentaria em engolir um dos lábios dele.
- A gente podia fazer aqui, já que você quis vir para cá.
Sorri, eu não era um prêmio. Também sou um câncer.
- Eu vou ser direta. Acho que foi a primeira vista com você também, eu nem era dessas coisas. Mas a piranha lá na CTI tem que morrer. Eu sei que você faria isso por mim, porque você quer transar e ficar comigo. Eu também, mas é um preço para a nossa felicidade, eu acho que é justo. Bem, eu vou esperar lá fora, no estacionamento. Vou te dar cinco minutos para ferrar com ela e a gente vai embora.
Ele faria, eu sabia. Deixei-o ali mesmo e fui saindo, passando pelos corredores de doença como uma borboleta caótica. O funcionário com cara de pobreza ainda estava por ali, limpando o chão. Levantou os olhos levemente quando eu passei, tinha que me aprovar. Ridículo. Vi rapidamente, pela porta aberta, os leitos do pessoal que era atendido, alguns por estudantes, acho. Parei, voltei os passos, entrei lá bem de leve, só para vê-los. Tinha uma loirinha, acho que nem vinte anos tinha ainda, parecia um patinho feio de turmas universitárias. Estava arrancando a unha de um senhor de idade, que aparentemente não sentia nada. Talvez eu estivesse a inibindo, não tive certeza, mas ela levantava o olhar desconfiada, eu sorri; com os velhos e tristes olhos famintos, do tédio de uma recaída. Poderia pensar mil maneiras de chegar até ela, de me encaixar na visão de mundo que ela tinha para que se tornasse o meu banquete; aquela roupa branca dela, que sempre deixa a langerie à mostra, ficaria linda de vermelho. Poético, mas dispensável. Eu não estava mais interessada em devorar ninguém, ao menos para aquele instante. Tinha outros planos, eu estava aprendendo a compartilhar das minhas ambições com outras pessoas, mesmo que elas não soubessem nunca quais eram as minhas intenções. Sai de lá, os outros estudantes olharam para mim pelas costas, provavelmente tentando adivinhar a minha preferência. Eu prefiro cru, fresco e sem instrumentos fabricados. E ainda esbarrei em um enfermeiro na saída.
Quando achei a rua, encostei-me em um dos carros do estacionamento. E velha conversa interna nunca acabava, era legal. Eu gostava daquilo; já havia dado tempo para o doutor acabar com a piranha, quando eu o vi saindo dali de dentro, a alguns metros. Olhou para os lados, podia me ver. O que eu pedira eu tinha certeza de que havia sido feito, era quase hipnótico como a lua. Uma lua enorme, linda, ali em cima de mim, jogando uma luz melancólica para todos os corações solitários que tivessem paciência de olha-la. Eu gostava sim, são pequenos detalhes pessoais que me tornavam menos entediada, mais esperta. Afinal, eu achei as nuvens na imensidão escura, e lembrei de novo do quadro, do vulto desesperado, pedindo socorro preso no pedaço de papel na parede. Tanta coisa poderia significar aquele monte de nada, que eu chegava até a estranhar. Repassei os planos, saltando de estrela em estrela, era aquilo ali: não mudaria de novo, só sofreria sensíveis adaptações porque eu não era mais tão egoísta. É claro que lembrei do perfume, que raiva, meu Deus. Tudo tinha lugar no destino esculpido com a carne dos outros, afinal não se abandona as coisas facilmente.
E lá viria ele, dentro de instantes, para a nova etapa, a nova fase. Um novo conceito em assimilação e estudo calculado. O câncer, oh, ia me esquecendo dele. Os canceres juntos para uma separação mais terrível, não iria sobrar muita coisa; eu já sabia de quase tudo mesmo.
Vamos ver qual será a escolha dele.

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Esse conto faz par com outro tb publicado aqui, chamado Cinco minutos para a idiossincrasia e funcionam como gêmeos siameses. Obrigado pela leitura, ficaria muito feliz em receber comentários.

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