Não durmo. Não posso dormir em meio a tantos
pensamentos. Fora deste quarto branco, a noite se
desprende dos grilhões escuros de silêncio.
Longe bem longe escuto um cachorro, o apito de um
navio. Não durmo. Abro a janela para o mar. As ondas
se sucedem. Todos dormem, menos eu. Dentro do meu
quarto branco, dentro, sempre dentro.E não durmo tendo
tantos pensamentos.
Acendo um cigarro, olhando o mar. Rochedos, rochedos
salgados me trazem reminiscências. Coisas que ficaram
por dizer, gestos e intenções que morreram antes do
parto. Que morreram antes do parto no imaculado ventre
das coisas cotidianas - e das excepcionais.
Não durmo, sinto-me incomum. O que deixei de fazer.
Que dor indizível a voz das coisas nunca acontecidas!
Lá fora é a noite, o mar, o apito de um navio distante.
Rochedos, rochedos salgados, pensamentos revoltos...
Pessoas que passaram, pessoas que passaram, pessoas.
Que mistério existe no relógio, que engrenagem
movimenta a morte ? O óbvio desta noite em que não
durmo, o óbvio. Rostos perdidos no tempo, palavras
amortecidas, amigos mortos. Ah, rochedos!
Não durmo e não posso dormir neste mar de pensamentos.
Olho o crucifixo negro na parede branca e não me diz
nada. Ondas brancas rebentam nos rochedos negros.
Nada. Nada. Reluto em jogar xadrez. E acendo outro cigarro.
O que será daquela viúva que conheci no trem ? Por quê
não fugi com ela ? O que será daquele homem que me
pediu um par de sapatos e foi morar em Minas ? O que
teria sido daquela carta que escrevi e enterrei na
praia ? Tivesse eu a enviado, estaria agora dormindo ?
Pensamentos, pensamentos. Não posso dormir.
E não durmo.
A noite se dissemina como uma doença e a tudo consome.
Todos dormem, menos eu. Menos eu, que procuro passar o
tempo,a procura de um OVNI no espaço ou de uma janela
acesa.
Não durmo em meio a tantos pensamentos.
Fora deste quarto branco, minha memória sobrevoa o
bairro, como a sombra de um noctívago morto.
Sinto-me doente antes do amanhecer. Mas acendo meu
último cigarro e gargalho para o mar. Os rochedos,
loucos, rebatem o apito de um navio.
Bruno Ribeiro,
22 de Fevereiro de 2000 |