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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->15. A ENTREVISTA -- 07/06/2002 - 10:31 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

No táxi, Fernando alheava-se do terrível trânsito da cidade. Dera ordem ao motorista para que seguisse para a fábrica de confecções do amigo. Se não fora treta, lá estaria. Era um voto de confiança.

Ao chegar, disseram-lhe que o patrão se ocupava com os agentes da receita estadual. Que esperasse. Iriam avisá-lo.

Então, havia verdade no que dissera! Fernando admirava-se. Quer dizer que o amigo teria ficado até o fim do almoço?

— O Senhor pode entrar.

Jeremias estava acompanhado de dois serviçais do Governo, conhecidíssimos de Fernando. Eram os que o ajudavam a fechar as contas.

Cumprimentou-os polidamente, como a interrogá-los o que lá faziam, se todo o serviço da contabilidade das empresas de Jeremias eram administrados pela eficiência do João.

Quando deram com Fernando, os fiscais perderam a serenidade. Levantaram-se, desculparam-se e saíram apressados.

— Que desejavam os dois mequetrefes?

— Ora, Fernando, você não percebeu? Descobriram que somos assim (e juntava os indicadores) e imaginaram que poderiam tirar proveito da situação. Os corruptos não contavam com a honestidade do João. Devo dizer que estavam prestes a fazer indecorosas propostas. A sua presença os incomodou. Um pássaro na mão...

— João está por aí?

— Não precisei dele. Mas os tais o esperavam. Eu estava fazendo hora, aguardando o retorno de um telefonema sigiloso ao Departamento de Fiscalização. “Em caso de emergência, fale com o chefe” — me advertiu João, quando me passou o número. Mas ele não estava. Ou fez de conta que não estava.

Soou o telefone:

— Senhor Jeremias, estão aqui outros fiscais. Fazem questão de entrar, imediatamente.

— Que entrem!

Jeremias não perdia a calma por tão pouco.

— Que quererão agora?

Não deu tempo para Fernando responder. A porta se abriu e a secretária anunciou os visitantes.

— Senhor Jeremias?

— Pois não!

— Infelizmente, não conseguimos alcançar os malandros. Somos da Corregedoria da Fiscalização e temos a certeza de que vieram para achacá-lo. Chegaram a fechar negócio?

— Que é isso? Não tenho nada a esconder. Fiscalizem vocês mesmos.

— Desculpe, mas o hábito nos leva a isso. Quando o Senhor ligou, imediatamente o Doutor Onofre nos acionou. Não se preocupe, iremos pegá-los logo, logo. Se o Senhor quiser registrar queixa, levaremos a termo suas declarações.

— Eu só desejo que me deixem sossegado.

— Muito bem. Queira perdoar-nos. Aceite as recomendações do Doutor Onofre, que lhe manda dizer estar à disposição.

Ato contínuo, retiraram-se.

— Meu amigo, se você não tivesse chegado nesta hora, os dois estariam fritos. Estavam fora do setor, julgando que a coisa seria muito fácil. Os que sonegam é que causam tais transtornos a todos.

Fernando vestiu a carapuça, mas não se deu por achado:

— Sempre fiz o que posso. Devo dizer que, se me aliviaram de alguma multa, foi por ignorância contábil minha. Sempre achei que a ajuda dos fiscais era normal, bem como as propinas pelas informações e serviços...

— Não se faça de ingênuo!

Realmente, Fernando estava sendo malicioso. Comerciante há tantos anos, não era possível crer em que o dinheiro que pagava era recebido honestamente.

— Com que cara irei vê-los da próxima vez?

— Contrate os serviços do João. Você o terá por perto e poderá conversar sobre os assuntos espirituais...

Fernando concordou com a recomendação e prometeu entrar em contacto profissional com o contabilista o mais breve possível. Mas não fora para isso que tinha buscado o amigo.

— Precisamos conversar sobre os acontecimentos lá em casa, após sua saída!

— Aí tem...

— Dei um ultimato no Timóteo. E na Dolores. Vou assumir o Espiritismo, de uma vez por todas.

— Você está ficando louco!

— Não estou, não. A Igreja só me tem causado problemas. Estou farto da intromissão dos padres em minhas resoluções. Se não bastasse isso, as contribuições para as obras da paróquia têm aumentado assustadoramente. Fora que não fico sabendo o que Dolores lhes passa. Algumas noites no pôquer ou nas corridas...

— Nos teatros, nos cinemas, nas boates...

— Pois é. O malandro administra o confessionário com finalidades bem mundanas. Mas o que vim lhe dizer é que me pareceu que, assim que você saiu, alguém ligou para sua mulher...

— E eu não sei? Quer ver?

Jeremias para a secretária:

— Ligaram para a casa do Fernando?

— Perfeitamente. Assim que ele chegou.

— Pois aí está, caro amigo. Ainda bem que tenho pessoas de confiança. Mas o que foi que aconteceu, para tamanha revolução?

— Quero pensar melhor sobre a vida. Os fatos sobrenaturais me revelaram outra perspectiva existencial, moral, religiosa, filosófica... sei lá! Ver seres de outra dimensão, conhecer pessoas pelo nome sem ser apresentado, ser estimulado a interagir com fantasmas, acionar aparelhos a distância...

— Que aparelhos?

— Agora não está acontecendo mais. Até domingo, era capaz de movimentar os aparelhos elétricos, de acender as luzes, só com a intenção...

— Telecinesia...

— Se fosse com você, como agiria?

— Por muito menos, estou indo ao centro...

Finalmente, Jeremias criara ânimo para contar. As confidências do amigo inspiravam-lhe confiança.

— Pois, então. Se toda vez que pretender fazer algo tiver de contar ao padre e ficar prometendo arrependimento, o que sei que não vou cumprir, vou acabar ficando alucinado. É desonesto para com os que tão gentilmente estão despertando-me para a realidade espiritual.

— Você fala como se tivesse lido todos os livros de Kardec.

— Pela conversa que tivemos na festa, descobri que você é que sabe muito mais do que contou...

— Bom amigo, não vamos esquecer-nos de que as mudanças têm de ser drásticas e eu não tenho a mesma regalia dos fenômenos mediúnicos. A minha questão era de mera curiosidade, despertada lá no terreiro. E pelas conversas com o João.

— Já percebi tudo. O que importa agora é tomar providências quanto aos informantes.

— Você tem o Joaquim, que lhe dei de presente...

— Muito obrigado! Por que você me obrigou a recebê-lo?

— Para tê-lo sob controle. Com você, ele iria prosseguir em contacto com Maria, sem fiscalizar as minhas atividades, diretamente. Enquanto eu ia com você, as saídas eram muito mais compreensíveis e inocentes...

— Quer dizer que o maganão tem escapadelas...

— Foi isso que fez que me livrasse do peralvilho. Os que estão aqui na fábrica e na loja não têm os mesmos expedientes. Aliás, foi só depois do Joaquim que avaliei a rede de intrigas de minha mulher.

— Santo Deus! Aonde isso nos leva?

— A mim, a fazer o bem, que, depois que entrei para o centro, só tenho preocupações espirituais. Além das tintas, fiz outras doações. O pessoal é extremamente necessitado. Esteja certo de que vão contar com você também.

— Eu me senti muito bem na sessão. Ao sair de lá, os fatos me atrapalharam um pouco, tantas foram as novidades. Mas hoje cedo pude meditar sobre tudo. Até cheguei a sonhar com os espíritos que foram...

Procurava a palavra.

— Doutrinados...

— Esclarecidos, diria melhor.

Nesse momento, Maria irrompe no escritório do marido, sem se fazer anunciar. Vinha furiosa. Dedo em riste, absolutamente desequilibrada, invectivou contra Fernando:

— Você não vai levar o meu marido para o Inferno. Se está pensando que eu sou como a tola de sua mulher, está muito enganado. Dele tenho tolerado muita coisa, mas sua influência sobre o meu casamento vai terminar por aí. Não bastou ter ofendido Timóteo e a Igreja? Que é que você está pensando da vida?

Fernando não se descontrolou.

— Mais tarde, continuamos a conversa.

E, sem dar atenção ao discurso que prosseguia, retirou-se. No íntimo, surpreendia-se com o destempero emocional daquela criatura que sempre respeitou pela prudência e pela firmeza religiosa. Era estranho que se revelasse tão agressiva. O que não teria passado o amigo?!

Do lado de fora, ainda ouvia os gritos.

O primeiro táxi vazio levou-o para a loja. Tinha sobre que meditar.

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