Valho-me duma manhã ensolarada pra inserir uma crônica ilustrada e igualmente iluminada da amiga divinopolitana Fernanda Araújo, que também amiga das rimas com arrebol, muito orgulho tem, como convém, de seu urinol:
> Antigamente,
> no meu tempo de menina, somente dentro das casas de pessoas ricas tinham
> instalações sanitárias. Em casas comuns, havia privada, que era um cômodo
> fora
> da casa, no quintal, usada somente durante o dia. À noite, usava-se o
> penico.
> Todo quarto, já compondo o mobiliário, contava com um penico. Que imbondo!
> Às
> vezes, ele valia ouro. Com bexiga cheia ninguém dorme. E a dor de barriga,
> altas horas da noite, poderia acometer qualquer mortal. Levar o útil objeto,
> no
> outro dia cedinho, à privada, é que era um martírio. Uma vez por semana
> ele era areado por alguém, escalado para o serviço.
> Mas
> um dia, todo penico fura e precisa ser substituído.
> — Lúcia, vai ao Mário Moreira e compre um pinico tamanho médio.
> — Disse
> minha mãe.
> — Ah, não, mãe. Não tem jeito de fazer nele um remendo? Ou,
> então, mande
> a Célia ou a Lena. Eu tenho vergonha! — Eu retruquei, inutilmente. Mereci a
> resposta:
> — Elas são pequenas. É perigoso andar nas ruas. Vai você mesma!
>
> Oh! Meu Deus. Lá vou eu pela Praça da Matriz e depois descendo a Avenida
> Primeiro de Junho, a fim de tomar a Rua Itapecerica e chegar à Loja do Mário
> Moreira. Entro e me coloco à
> frente do grande balcão, que se estende de um lado ao outro da loja. Vejo
> nas
> prateleiras alguns penicos de esmalte branquinho.
> — O que a menina deseja? — Fala o Mário.
> Eu nem olho para a cara dele. Aponto
> o lugar onde se alojam os penicos.
> — Eu quero um médio. — Falo baixinho.
> O penico é embrulhado, faço o pagamento
> e saio rapidamente dali, já com um certo alívio.
> E o penico vai para seu lugar de
> honra, debaixo das camas. E o furado tem outra destinação: servir de vaso
> para
> umas mudas de malva de cheiro.
> Ah! E penico é sinônimo, irmão pobre
> do ilustre urinol de Duchamp.