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Contos-->Eveline e Astrid -- 13/04/2000 - 22:34 (Cleuber Marques da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Eveline entrou no aposento. Era uma sala de estar, com seus vastos janelões que deixavam a luz do sol entrar. A mobília, em estilo neoclássico, dava aquele ar de sobriedade, ainda mais ressaltado pelo retrato a óleo na parede da esquerda.
Eveline lembrava-se dele. Há quanto tempo ! Ali estava ela, de corpo inteiro, magnificamente retratada pelo artista. Usava um custoso vestido de gala e o tom vermelho ficara-lhe muito bem. Tinha a pele muito clara. A moldura, igualmente em traços neoclássicos, completava aquele ar de sóbria autoridade (não de orgulho, como brincava a velha Astrid, em seu português carregado de British accent ).
Era como se Eveline nunca houvesse partido, como se estivesse fora por apenas alguns meses e retornasse hoje para ocupar o seu lugar naquela residência. Olhou para a porta como se, de repente, suas folhas de abrissem de par em par, deixando entrar a velha Astrid, a velha e amiga Astrid.

--Good evening, Madam . Fez boa viagem ? -- diria ela, tomando-lhe das mãos o casaco, o chapéu.

Astrid jamais dizia “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. Cumprimentava as pessoas sempre em inglês, para impor uma certa autoridade ou talvez, por saudade da terra distante.

Eveline estremeceu. Propusera-se não se deixar levar pelas recordações já um tanto antigas. Mas não podia prever que o passado ainda tivesse tamanha força. Aquela casa, especialmente aquela sala predileta compunham uma atmosfera extremamente favorável às incursões de memória.

A velha Astrid não estava mais ali. Morrera em seus braços, discretamente. Com a mesma discrição e tranqüilidade com que vivera toda a sua vida. Ao sentir a morte perto, Astrid sorriu-lhe, numa das poucas vezes em que a vira sorrir. Pedira-lhe que chegasse o rosto mais perto e lhe dissera:

-- É minha hora que chega, Madam (sempre a chamava de Madam, apesar da extrema amizade que sentiam uma pela outra).

Não soube o que lhe dizer. Astrid era lúcida e honesta demais para que se iludisse com um “você vai ficar boa logo”.

Eveline sentia agora as mesmas lágrimas quentes -- as de então, de dor antecipada; as de agora, de saudade vívida.

-- Não, Madam. Não é hora de chorar. Se me for dada esta graça, estarei perto de vocês quanto possa...

Astrid retirou de uma caixa minuciosamente trabalhada um desses medalhões de família e deu-o à Eveline, sorrindo-lhe outra vez:

-- You are really a Madam .

Não pôde dizer mais nada, como se o ato de retirar o objeto da caixa a tivesse exaurido.

Alguns anos depois, começara o lento declínio dos negócios da família, apesar de Eveline sempre manter rígido controle sobre gastos. Fazia ela própria a contabilidade das fazendas. O comércio de café não ia bem, muitas pessoas foram à falência em pouco tempo.

Astrid parecia confortá-la nos sonhos. Às vezes, num momento difícil, lembrava-se da amiga e sentia-se mais forte. Em alguns momentos, quase ouvia-a dizer o seu costumeiro Good Morning, Madam. Voltara-se e quase a viu entrando pela porta.

Tivera de vender quase tudo. Restara-lhe então só aquela casa. Os irmãos mais novos, acostumados desde cedo nas lides da fazenda, não tiveram tanta dificuldade em se adaptarem. Mais difícil foi conseguirem emprego; no campo, não o havia. Mudaram-se para São Paulo, começava a implantação de indústrias no Brasil.

Certa vez, em que estava profundamente triste, sentira a presença de Astrid naquela mesma sala. E a lembrança da querida amiga soltara-lhe as lágrimas.

--No, Madam, do not cry ! Tudo se ajeitará. Não com a riqueza de outrora, mas não perca a esperança. Não deixe a tristeza tomar-lhe o ânimo, Madam.

Erguera os olhos e -- podia jurar, Santo Deus ! -- ali estava Astrid à sua frente, com o ar de ternura infinita. Em seguida, desaparecera, deixando-a envolvida numa sensação de tranqüilidade indescritível. O coração compassara as batidas, a respiração cortada se normalizara e o peso que sentia no íntimo, se fora. Nunca mais se deixaria abater.

É, a casa era quase a mesma, tudo estava perfeitamente conservado. Mas quanta coisa mudara ! Continuava examinando a sala. Havia objetos diferentes, mas revelavam uma preocupação em não agredir a decoração original. O piano estava limpo, com a tampa do teclado aberta.

A porta se abriu. Uma linda menina, de seus oito ou nove anos entrou, acompanhada de sua cunhada Alice e do irmão Bernardo. A menina voltou-se para os dois, pedindo-lhes:

-- Você toca piano pra mim, mamãe ? Só um pouquinho, tá ?

Alice afagou-lhe os cabelos, sentou-se ao instrumento e começou a tocar uma cantiga de roda.

-- Não, essa não ! Quero a outra ! -- insistiu a menina, sentada no colo do pai.

Alice começou outra música. O riso franco da pequena emocionou Eveline, que observava tudo.

-- Good night, Madam !

A cena familiar distraíra sua atenção e ao ouvir aquele tão conhecido British accent de outros tempos, todo o seu ser se iluminara.

-- Astrid ! Minha querida Astrid !

Abraçaram-se as duas, sentindo enorme alegria ao se reverem.

-- Mamãe, como a vovó Eveline era bonita, não é ? -- disse a menina, olhando fixamente o grande quadro.

-- Sim, filhinha, respondeu o pai. Ela era muito bonita e gostava muito de menininhas como você.

-- Na hora de dormir, vou rezar pra ela...

-- Vamos, Madam ? Temos muito o que conversar... -- sugeriu Astrid.

As duas se afastaram, conversando.









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