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Cronicas-->Anunciação -- 28/11/2016 - 22:07 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Os dois amigos sabem que mais dia, menos dia, eles terão de conviver com ela. Terão de encarar de frente e com coragem a mocinha que já anda rondando de todos os meios, meio que embutida na paisagem, uma espécie de aviso sonoro que não deixa de ser ouvido se é trazido à tona, como uma frequência basal...vocês sabem? Aquele zumbido que não quer calar e talvez por isso mesmo seja tão suave a ponto de não se fazer ouvir durante os dias, no trabalho e nas ocupações a que nos jogamos para fugir...dela. De noite, quando eles se lembram, a sorrateira já se apossou de um quinhão dos bons deles, na calada, à socapa. A amargura vem, é inevitável.

--Pois é, seu Zé...

--Macambúzio hoje?

--Meditabundo, eu diria.

--Isso é antigo...

--Pois é. É este o ponto.

--Exatamente, chegamos ao ponto. Cirúrgico, você, hein?

Ela sorri, faceira, bem no fundo de seus copos. Ela se refrigera em nossa destemperança; qual o quê, ela é ilusória, porém mais que passageira, leva-nos de roldão. Enquanto bebem à saúde um do outro, rememorando tais e quantas coisas que passaram pela vida de um e do outro, ela refaz as contas, mais uma vez, metódica e maníaca. Ela é maníaca, eles sabem, eles entendem...

--Meu amigo, quantos anos...

--Tantos que já não se contam. Só agora passei a sentir o peso de tal realidade.

Um olha o outro, que olha um como num espelho. Ambos deixaram de ser moços; ambos passam dos sessenta, como se uma placa anunciando “Aqui Passa o Trópico de Capricórnio” estivesse pregada bem no meio da mesa. Não são irmãos, mas agem como se fossem. Casaram na mesma época, tiveram filhos (um deles dois meninos, o outro um casal), compartilharam os destemperos da solidão disfarçada do casamento, as crises que um apaziguou no outro naquele bar sem nome nem endereço.

--Sessenta!

--...Pois é. Há cerca de cem anos, um homem de cinquenta era um ancião!

--Hoje, somos novos velhos.

--E, como novos velhos, havemos de ser sempre moços...

--...Embora nossas esposas não acreditem. Elas se apegam ao que fomos, nós sabemos o que seremos, pelo menos eu acho.

--Você, sempre filosófico.

--E você, sempre o mais prático.

Os dois se olharam ao mesmo tempo. Havia num deles uma inquietude que o outro ainda não elucidara.

--Meu velho, eu acho que você hoje está mais filosófico que de costume. Tenho anos de prática nisso!

--Você adivinhando? Não quero crer que desenvolveu habilidades até então insuspeitas...

--Diga logo, desembuche!

 

O outro parou para bebericar. Com o rabo dos olhos, viu o outro sondando-o. Guardava a notícia para o fim. Saboreava assim sua possível vitória.

 

--Que é?

--Meu caro, você jamais poderia ser um bom jogador de pôquer. Muito menos um espião frio.

--Com cristalina certeza!

--Então, fale!

--Vou ser avô!

--Não!

--Palavra de escoteiro.

 

Estupefato, o outro o mirava incrédulo.

 

--Você sabe o que significa isso?

--...Ela se anunciou em três sonhos lindos. Sei o que significa, mais do que eu pensava que seria possível.

--No mais das vezes, ser avô é mais do que ser titio.

--Bem mais...

--...Mas que boa notícia!!!! Muito emocionado. Pensei que um de meus meninos é que ia me dar esta dianteira. Finalmente, você venceu!

--Vence quem vai mais devagar e por último!

Ergueram o copo cada um e cada qual bateu e tilintou no outro. Ela, a sorrateira, torceu as mãos estremunhada: Não fora ainda desta vez que ela vencera. Os sonhos persistiam ainda. Diz-se que morre ainda em vida quem fica empedernido, quem olha e não vê, quem respira, mas não aspira o perfume. Neste momento, vibravam dois corações de velhos amigos e a razão disso ela sabia, era a velha pulsação do élan vital. A luz sempre a fazia sucumbir nestas horas; menos mal que ela já sabia por onde se insinuar em outras vezes. Os dois velhos amigos se olharam e disseram, cada qual à sua maneira:

--Feliz ano novo, velho!

--Feliz ano velho, novato!

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