Eu ia para o colégio a pé. Subia a rua dona Veridiana, virava na Maria Antonia e depois de atravessar a rua da Consolação chegava à Caio Prado. No meio da subida passava ao lado da Santa Casa e até hoje lembro-me do bafo quente que saía das janelas do porão, rente à calçada. Além do bafo sentia o cheiro forte de sabão que vinha da lavanderia do hospital. Não era nada agradável, eu ficava imaginando por ali montanhas de lençóis sujos de sangue e gente estropiada gemendo nos quartos... Ui!
A partir da esquina da Higienópolis com a Maria Antonia o cenário tornava-se outro, com estudantes vindo de todos os lados em direção ao Mackenzie. Havia também gente que se dirigia à faculdade de Filosofia e de Economia da USP e ao colégio Rio Branco. As moças vestiam saias e um ou outro rapaz andava de blusão branco com um enorme M vermelho. Muitos olhavam para mim, certamente por causa do esquisito uniforme do meu colégio. De tanto cruzar com esses estudantes todos os dias, no mesmo horário, alguns até me cumprimentavam.
Certa vez, enquanto caminhava, eu ia lendo uma carta que acabara de receber. Era de uma amiga de Taubaté que me dava conta de notícias boas e divertidas. Sozinha, eu lia e ria... e nem percebi que um daqueles rapazes com quem eu costumava cruzar me olhava intrigado. Foi então que ouvi sua voz pela primeira vez: Aí, hein? Passeando os dentes!...